segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Aparesida ou O Franco preconceito ou Poupem-me!


Esse vídeo encaminhei a todos de minha lista de "undisclosed recipients" lá no meu correio elegante. E, se alguma coisa ainda não tenho nenhuma dúvida sobre o encaminhado, é que ele é elegante e belo. Um balé de corpos no fogo do desejo. Um erotismo com a elegância insinuante que nos acostumamos a esperar dos franceses (nas artes, não necessariamente nas práticas de Monsieur e Madame) quando é do erótico do que se trata (me lembro sempre de Bataille e seu livro sobre o Erotismo). Mas, infelizmente, trata-se de uma peça publicitária, fragmento da campanha lá dos franceses sobre a questão da AIDS, ou SIDA, como a coisa é chamada por lá.
Elegância a parte, me ficou uma questão a incomodar: qual a mensagem? Pois as peças publicitárias se justificam na mensagem que tentam passar, não é vero? E depois de muito olhar a beleza da dança dos corpos na fogueira dos desejos, não posso deixar de perguntar: o que dali se depreende como alerta, como cócega em nossas consciências para que doemos (o que, no final das contas, ali se pede) para atacar o problema da AIDS?
Tem hora que olho para a beleza que se me oferece ali e entendo: o sexo, com muito tesão, é perigoso. Ou: o tesão é um perigo. Ou: não transe e estará a salvo da Peste. Ou uma série de coisas que tais, quase que como uma mensagem vaticana montada com a elegante competência da publicidade dos francos.
Morre-se de AIDS? Com certeza. Mas morre-se em corpos negros, africanos, pobres, tipo o Haiti de Caetano, onde o não acesso ao medicamento caro da indústria farmacêutica (que o mercado apóia na sua pretensão de um razoável retorno sobre o investimento), ou morre-se, talvez na republicana França, porque os remédios são caros e a França não é o Brasil, que com seu programa de distribuição de medicamentos virou exemplo ainda não tão seguido assim. Morre-se porque não se doa, como pede a peça ao final e como jamais vimos o Ministério da Saúde pedir por aqui.
Mas, mais preocupante, é a associação, belamente perversa, que a coisa faz entre o tesão, o sexo e a morte, sem jamais dizer que, hoje, só se morre por falta de dinheiro, ou de Estado, ou de educação. No mais das vezes morre-se por uma combinação, um coquetel, dessas causas todas: a falta de dinheiro, a falta de Estado e a falta de educação, mistura mortal na epidemia real que a AIDS significa. Continuar a associar a AIDS ao sexo (e, percebam, até mesmo uma possível associação com a promiscuidade se perde na elegância do funil francês), ao gozo, é como repetir o discurso canônico e garantir, como solução trivial, que sem sexo, pas de SIDA.
Vocês sabiam que os remédios distribuídos para os portadores do HIV brasileiro estampam, em todas as letras, para que servem? Que, para essa doença ainda tão estigmatizada pelos nosso preconceitos, os remédio alertam, para quem quiser e poder ler, a condição do consumidor do remédio? Vocês conhecem algum outro remédio que faça o mesmo? Tipo "esse remédio se destina à diarréia do paciente", "o consumidor destas pílulas sofre de flatulência grave", "quem me toma é um deprimido", "consuma-me direitinho e acabo com sua prisão de ventre". Pois todos os remédios que o Ministério da Saúde disponibiliza aos soropositivos brasileiros cobram esse preço: estampam em seus rótulos a condição do consumidor de suas maravilhas farmacológicas. Ou seja, de graça mas nem tanto. Gozou? Agora paga o que estamos te pagando, ó gozador!
Ou seja, como a AIDS/SIDA ainda, e mais ainda depois de termos livrado a cara dos hemofílicos com controles sobre o sangue dos bancos que deveriam existir muito antes da doença, é doença de quem goza, pau no gozo. Com as bençãos de nossas católicas melhores intenções. Aqui ou ali, em dejá vú (?). Mas ainda acho que o idiota brasileiro tá mais safo que o idiota francês. É só arrancar os rótulos e voilá!, pas de denúncia, pas de cobrança. O petit français certamente ainda vive de doações e belas peças publicitárias.
Pau no gozo! Senta a pua nessa gente que ainda trepa com tesão!
Sinceramente, não consigo ver na bela peça francesa nada além disso. Ou, para não ser tão chato, posso imaginar que apelam para o melodrama dos que ainda morrem (por trepar, por falta de dinheiro, por falta de Estado, por falta de educação para tomar os remédios, por falta de egalité, fraternité, não têm liberté) para nos tomar um caraminguá em prol dos enlouquecidos sexuados.
Ou estou de muito mau humor? Digam-me vocês, mas a coisa me dá belos engulhos. Bejart e a SIDA, mas pau na trepada, ou melhor, pas de pau, pas de trepada. Vamos nos ater ao fazer francesinhos, que há muito tempo só nascem pelo estouro das camisinhas Lacoste.
Allez les enfants de ma patrie, le jour de glorie c´est arrivé. Mais, pas de trepation, si vous plais! (???) Com muito sotaque na escrita, que não ,estou com saco de consultar les diccionaires)
Poupem-me! (mas o ballet é lindo!) Agora vou eremitar sobre tudo isso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Zé(du) do lado esquerdo do peito,

Vídeo à parte, apesar de realmente belo, porque de fato fica a abertura a muitas perguntas como as que você faz, o que quero sugerir é que torne ainda mais pública a sua reflexão em tom de provocação ao conservadorismo desse lidar com a aids desde a distribuição dos medicamentos.

Os ministéiros da saúde (não) advertem por nada, mas de fato como modo de matar ao vivo e pelo preconceito e denuncia o escambal com medicamentos religiosamente embalados sem qualquer intuitu personae; ou seja sem consideração à pessoa.

bj

Meire