terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

O dia em que resolvi não morrer

Do eu mim nela

Dela tomei o gesto e o gosto torpe,
a tempestade e o sangue,
o grito surdo, a palavra muda,
o terror e o vulcão voraz
a infinita surpresa atõnita

Nela, sorri felina verdade,
amargo encontro desencontrado,
o olhar negado, o recolhido gesto,
um antes acabado
em sabor de resto
e o oferecido pulso, cicatrizado.

Dela tomei a seiva rubra
escorrida, coagulada
e o colar sem pérolas,
tatuagem riscada;
a corda, o quase, e o talvez falhado.
Inconfidencia enforcada,
vergonha, nudez, nada.

Dela inventei um gosto
roto,
de boca não beijada,
de solitário arrepio de um abraço
nunca dado;
a dor, o amor e o fracassado

Nela, restei e vi
a desistência,
e desisti de repetir
o acordar maldito,
o terror não escrito,
os pontos cegos.
E aprendi estranho Isso
que nela ouvi.

E nela, fiz-me
novamente again
pela primeira vez.
Insistencia atenta,
tateares tontos,
bêbados passos,
precários equilibrares,
equivocado no oco
louco
que nela vi.

Por ela um eu passou-me
e fez-se prá trás, distante
deste outro mesmo agora diferente,
que o, dela, instante,
equilibra abismos,
e vive muito bem
dela prá frente.

Dela, guardo meu presente
e sou, eternamente,
do gesto heróico,
bardo redundante.

Por ela, sigo adiante.

E ela nela restou.
E dela só ela sabe o sabor
desta história dela
que em nós queimou.

Nela, aposto um risco
que, valendo-me a pena
será, dela, nosso petisco.

E, por ela, me arrisco!


Um dia qualquer do último setembro do último ano do século passado

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Palavra de Neruda

A palavra
Pablo Neruda

... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que, se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiqüíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas .Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras*, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo ... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferradura, como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.

Fragmentos de um passado amoroso.

Já fui Zédu, Edu, José Eduardo,
e até mesmo, mui justamente, Edu-árduo.
Todos são nomes em que me defini.
Mas só um amor, só uma mulher,
deitou comigo, me olhou nos olhos e me chamou de Zé.
Simples assim. Et Zé fini!

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Ser tão veredas!

"Quanto mais ando, querendo pessoas, parece que entro mais no sozinho do vago..." - foi o que pensei na ocasião. De pensar assim me desvalendo. Eu tinha culpa de tudo, na minha vida, e não sabia como não ter. Apertou em mim aquela tristeza, da pior de todas, que é a sem razão de motivo; que, quando notei que estava com dor-de-cabeça, e achei que por certo a tristeza vinha era daquilo, isso até me serviu de bom consolo. E eu nem sabia mais o montante que queria, nem aonde eu extenso ia."
Grande Sertão:Veredas (obrigado, Meire)

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Carnavalesca



Se acaso você chegasse
(Lupicínio Rodrigues, música)
,
.
Se acaso você chegasse
e no meu chapéu encontrasse
aquela pomba que, um dia,
dali voou.
.Será que tinha coragem,
de perdoar a minha bobagem,
em nome daquilo
que de mim restou?
.
Eu falo porque essa pomba,
já gira no meu cansaço
a beira de um fracasso
e de um eu em dor.
De noite me faz medonho,
de dia me apaga os sonhos,
e assim,
nós vamos vivendo
de horror.
.

De musas, garçons e botequins


Paraíso Perdido
(para a moça em frente)

Me diz quanto!
Quanto você quer,
quanto exigirá,
para me dar
esse umbigo que bóia
nesse liso mar
de pele.
.
Quanto
para minha língua explorar,
esse buraco com fundo,
essa marca recolhida,
negativo botão de rosa,
lugar do corte
que te fez formosa.
.
Quantas maçãs,
quantos mil-réis,
que carnes minhas,
deposito a teus pés?
Te pago as contas,
te apago as penas,
de meu Sansão,
te dou melenas,
de meu João,
minha cabeça.
.
Não cobro a costela,
não me faço dono,
meus direitos não retomo,
esqueço as outras elas.
.
Me diz!
Pago!
.
E te lamberia,
com língua ofídica,
tomando em mim,
de Eva,
o melhor presente.
E deixando de lado
Adão e o pecado,
encantar-me-ia
serpente.
Santos, 1998
__________
Miçangas, bugigangas,
restos, cacos, dejetos,
descobertos anis,
espelho partido em mis,
onde
só lhe dão, de você,
um porco você.
Pérolas indígenas,
caminhas por ti,
sem porto seguro.
Floripa, 1998
_______________
De mim resta eu,
lá onde me perco,
prá lá donde de mim
desapareço,
buraco e negrume
onde,
em reviravoltas,
me a-guardo de mim mesmo,
com faca de muitos gumes.
Floripa, 1988
______________
Ivanhoé
Ferro, fogo, espada,
cravo despeito,
sangue perdido,
duelo canhestro.
Na liça o lixo
dos meus direitos
SS, 1998
____________________
Bar Heinz!
Não te escuto
nesta balburdia em
balbucio,
onde nos fazemos
de surdos
para conversar com o
outro.
Convenhamos!
Santos, 1998
_________________
Serviço
Garçon!
Na caipira,
de vodka,
pouco açicar,
e muito gelo.
O chopp,
sem colarinho.
Depois,
com afetada simpatia
e servil zelo,
favor me deixar
sozinho
SS, 1998
_________________
Deux Magots não era aqui
(para Rámon)
O ar, intelectual,
com a face cínica
de-vida.
Livros, papel, jornal,
e uma caneta de pena.
Óculos na ponta do nariz,
ar casual
mas infelizmente superior,
como de lei.
A noite toda só!
Em tera de cegos,
e vesgos,
errei!
SS, 1998
___________________
Não leva nada de meu,
leva você.
O resto é meu,
e teu, até os (n)ossos!
SS, 1999
____________________
Deste tu idos
Hare Khristina, hare, hare!
Em mantra ou cantochão?
Ave, Christinae!
Do Hades retornado, te saúdo,
Sem Cérbero ou vergonha
(but totally ashamed!).
Posso? Para além do Devo?
Saberei desdizer não ditos?
Pois digo que fi-los
como ex-qui-lo
hibernauta de todos os nozes.
Calado e surdo,
tento, aqui, quem sabe,
um mudo!
.
Ridículo talvez,
torrar em vãs palavras
minhas cãs cansadas.
Pois, devido melhor saber,
por dúvidas no estar no ser,
por dívidas a mais não phoder.
.
Rebento, retento!
Mais uma vez, again,
alcançar sem ti
o que, em mim,
além de teu sonho,
é de ninguém
além
do Eu.
Insisto!
Sem compromisso,
por só mais querer,
em mil palavras
de mim saber
neste esquisito de insistência,
que sulcas por tua lavra,
e que, em mim, de mim,
poderei colher.
.
Retorno!
Pródigo ex-prodígio explodido,
senão humilde,
que isto jamais soube sê-lo,
também sem ares
de pré-tensa explicação
de justo ficar na razão.
Pois me restam ainda
ares de coragem em tons de sacanagens.
Pois, linda alemoa,
Wo Es War Soll Ich Werden,
numa boa!
.
E tendo dito, ditarei
além do ontem,
prá lá de mim.
Pois,
eu sei, mas mesmo assim....
SS, 1999

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

O último mail (pré-blog) - Forró do Zédu

Forró do Zédu
.
.
Como sabem os bons companheiro,
No tempo dos alemão guerreiro,
Havia em Natal, além dos brasileiro,
Montes de americano, tudo estrangeiro.

E com o tropical na cuca,
Olhando prás nega maluca,
Logo pensaram em muvuca,
Para dar conta do que cutuca.

Mas, para manter a moral,
E como bailavam na terra natal,
Com moças como eles tal,
inventaram um baile legal.
E chamaram de For all.

Tinha nega maluca,
Muita pinga na cuca,
Sinfona feito Sivuca;
Tinha até mameluca.

Os moços tiravam quepes,
As moças feitas estepes,
Bailavam feito moleques,
Apesar dos mequetrefes.

Daí que no meu quintal,
Quando do´ceis não tiver dó,
Vou mandar coisas For all,
E chamar de meu forró.

Mas como são tudo amigo,
E de algum posso esquecido,
Vou manter a coisa oculta
Prá não me perder na culpa.
.
Vou bailar lá no meu blog
Onde vamô s´imbolá
Querendo, ficamo grogue
Mas o negócio é se encontrá

E assim me despeço tal
Essas quadras desigual.
Cordel de quem não é natal,
Espero não ter pegado mal.

E antes do ponto final,
Daqui destes cafundó,,
Mando beijos For All,
E inauguro o meu forró.

Zédu, e lousa e tal,
Umbigo que dá até dó.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007










Zedupoca Productions Unlimited Corporation
Avenida Santa Isabel, 98 sala 401
13084-012 Campinas SP
tel: 19-33429943 cel: 19-91232288
e-mail: jetlei@ bigfoot.com







Prezados Senhores,
Depois de um mês de trabalhos em sua versão beta, Zedupoca Productions tem o prazer de anunciar a seus clientes habituais, senhoras desocupadas e pessoas interessantes de maneira geral, o lançamento da nova versão de nosso produto principal. Assim, é com prazer que comunico que a partir de hoje encontra-se plenamente operacional o Zédu v. 2.0. O produto apresenta uma série de novidades em relação à versão anterior, as principais sendo listadas abaixo:


  • Ao contrário da versão 1.0, que apresentava sérios problemas de funcionamento no período matutino, a versão 2.0 está pronta para operar plenamente desde as primeiras horas da manhã (dentro do horário comercial, isto é, a partir das 8:00 am).


  • Vários bugs da primeira versão, responsáveis por uma certa instabilidade no funcionamento do produto, foram corrigidos e, mantida a manutenção adequada, não devem se repetir na v. 2.0 certas fragilidades de saúde, mudanças repentinas de humores e, principalmente, a tendência do software para entrar em loops choramingentos e reclamões. Para os cuidados de manutenção, ver abaixo a lista de atividades que vem sendo mantida durante os testes do novo software.


  • Instruções básicas diárias: (sugestões para um dia típico)
    1. O software entra em funcionamento, como já dito, por volta das 8:00 am. Logo que é colocado a funcionar, recomenda-se fornecer-lhe energia suficiente para as tarefas da manhã. Normalmente bastam uma boa tigela de cereais com granola ao leite, acompanhado de um suco de laranja e finalizando com uma boa xícara de café (atenção: mesmo em sua v. 2.0, Zédu reage muito mal a cafés fracos ou requentados). Não usar açúcar. De preferência usar Sucralose da linha Linea (marcas registradas por outras companhias)
    2. Logo em seguida, Zédu v. 2.0 está pronto para sua caminhada matinal. vale dizer que durante tais caminhadas ele está sempre acompanhado pelo CEO da Zedupoca Productions, Mr. Pipoca Popcorn. Dependendo das condições metereológicas, a caminhada consiste em várias voltas em torno do Parque do Pipoca (ver anexo com foto do campo de treinamento). As voltas no momento se reduzem a três ou quatro, visto que infelizmente um componente essencial para maiores caminhadas ainda está em desenvolvimento e Zédu V. 2.0 ainda usa as batatas da perna da versão 1.0. Acreditamos que em pouco tempo esse problema será sanado já que o componente é dotado de auto aprendizagem e se aprimora com o uso. Após a caminhada, o software é colocado ao sol durante cerca de meia hora. Com isso, eliminamos um problema do 1.0 que eram os "braços paulistas" desenvolvidos no Rio (aquele tom branco horror que fica da borda da camisa acima e abaixo do V do peito). Se a meteorologia colaborar (lembro aos senhores que infelizmente nunca fomos bem sucedidos em nossas tentativas de take-over o "controle do tempo", que permanece em mãos de uma holding misteriosa), Zédu 2.0 em breve adquirirá aquele tom moreno bem mais condizente com um produto que se orgulha de ser genuinamente brasileiro. Infelizmente, durante sua exposição ao sol, Zédu 2.0 ainda fuma um cigarrinho, vício herdado da versão anterior que estamos, em conjunto com o famoso consultor cardiológico Murilo Ehbert, tentando eliminar. De qualquer forma, mesmo com o cigarrinho, o software parece feliz olhando as árvores, os eventuais sábias laranjeiras que vem ciscar a grama próxima, sentindo a brisa suave no corpo suado; às vezes, mas de uma forma estranhamente serena, sente vontade que ali houvesse um mar para completar a cena com mergulhos refrescantes.
    3. Findo o passeio, Zédu 2.0 retorna a base, verifica mails, escreve bobagens (característica que se acentuou na nova versão mas que, pelo menos durante o período de teste, fez sucesso com nosso público), espera a chegada da Marta, sua fiel serviçal vespertina.
    4. Almoço. Apesar de sua ojeriza pelas cores verdes do Guarani, Zédu 2.0 anda colocando cada vez mais verde nos seus pratos. Come brotinhos (leguminosas, apesar de estarmos trabalhando para que possa degusta-los também em outras variedades), cenouras, agriões, acelgas, alfaces e tomates, cebolas, seladas de grãos variados, sempre acompanhado com algum prato quente cheio de proteínas.
    5. Tarde. As tardes são variadas, começando em torno das 2:00 pm após o almoço. Incluem, no momento, principalmente atividades relacionadas com a montagem do apartamento onde se instalará Zédu v. 2.0. Lá pelas 05:00 pm, happy hour no Bar do Frango. Algumas cervejas, um indefectível caderninho onde anota idéias para encher o saco dos amigos (e a coragem de fazê-lo aumenta com a cerveja e costuma se esvair no declínio do nível alcoólico posterior; mas vem aí um complemento para o software que é um blog, que não enche o saco de ninguém e permite os mais variados tipos de gracinhas). É bom observar que, antes de se dirigir ao tradicional reduto baronense do Bar do Frango, Zédu 2.0 recolhe nosso chairman Pipoca para acompanhá-lo, apesar de Mr. Popcorn ser avesso ao álcool e aos pedintes que também abundam nos bares de cá)
    6. De volta ao lar, liga-se o som ambiente, cerram-se as persianas para compor a meia-luz, e Zédu 2.0 cochila, nunca mais que 45 minutos/1 hora. Depois é noite, ainda que com sol até bem tarde, e normalmente Zédu 2.0 descansa seus chips cerebrais fingindo, prestar atenção a vários tipos de bobagens televisivas. Funciona a contento. Por volta de 11:00 pm/00:00 am recolhe-se ao leito, lê durante cerca de uma hora Coisas leves, nessa fase inicial; não queremos carregar o software com atividades cerebrais muito complexas, como as demandadas pelos livros sérios). Mais tarde, apaga-se a luz e Zédu 2.0 é colocado em estado de hibernação sonhadora até o início do mesmo ciclo no dia seguinte.

Como podem perceber, o funcionamento da nova versão traz várias novidades e ainda mais promessas que o futuro confirmará. Devo lembrar-lhes que Zédu 2.0 como a versão anterior é multitarefa e muitas de suas features ainda não foram devidamente aproveitadas e/ou testadas. O manual de instrução acima visa mais os cuidados básicos de manutenção do bom estado do software, mas, como fica claro, ainda deixa um enorme tempo ocioso que está atualmente sendo utilizado no desempenho de tarefas menores. É preciso divulgar o produto no mercado, achar seu novo nicho nas plagas campineiras, para que ele possa vir, mais adiante, demonstrar todo seu potencial e fazer a clientela feliz.
Nós na Zedupoca Productions estamos confiante no produto que colocamos a disposição de vocês. Lembro que vocês podem começar a usá-lo imediatamente através da sua versão virtual, acessável tanto pelo mail da companhia como em de nossos telefones (apesar de nosso celular Vivo andar meio morto e cheio de problemas, o que nos faz recomendar que em caso de contato telefônico, insistam no 33429943 e deixem suas mensagens que serão prontamente retornadas por nosso call center). Lembramos também que, assim que a preguiça residual da versão 2.0 permitir, será criado um blog para tornar mais fáceis o contato com nosso, esperamos, bem sucedido software (que sonha coisas de hard ware cada vez mais; coisas de versões novas que passam com o teste do uso).

Atenciosamente me despeço com lambidas afetuosas,

Mr. Pipoca Popcorn, CEO and Chairman of the Company

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Pipoca no pedaço

----- Original Message -----
From: Pipoca
To: For all
Sent: Monday, February 05, 2007 3:13 PM
Subject: Análise da conjuntura



Análise da conjuntura



Ele pediu minha opinião. Parece que é pra botar nessa coisa que ele anda batucando sem parar. E como não sou de negacear, vou ditando pra ele batucar os ditados.

Considerando bem, não estou entendendo nada. Antigamente era lá em casa, agora é aqui em casa. E bem antes era acolá em casa, donde lembro bem pouco, que minha memória é curta se não for no faro. No entanto...

Lá em casa era bem diferente. Eu tava super bem lá. Apesar que eu odiava o chão liso, e até cheguei a ficar conhecido como cachorro voador, pois tinha de pular da poltrona prô sofá, causa de que eu sofria muito pra pegar garra naquele carpete de madeira. Por isso voava. E lá tinha ela, que não sei porque sumiu aqui de casa.

Os passeios por lá, pra confessar direitinho, eram meio que um pé no saco. A rua, a tal de Pereira, era só carro pra todo lado, zunindo e roncando. E era cheia de gente, uma molecada na saída do colégio .... nenhuma privacidade pra fazer minhas necessidades mais sólidas. Imagine um inglês como eu, nascido no condado de Paracambi, a vergonha que passava. Tinha também a tal Rua Umari, pra onde eu sempre acabava indo depois da toalete. Uma quadra, sem saída, mas sem carros, nem multidões. Eu ia e vinha naquela quadra pequena, que nem ioiô, um tédio mortal. E sempre na coleira, até na Rua Umari. Saía para passear e garrava lembrar de acolá em casa, das ruas do Leblon, tão mansinhas que dava gosto andarilhar.

Mas lá em casa, apesar do chão maldito e dos passeios sem graça, era bem bom. Tinha ele e ela6(e a Maria, que era minha amigona). Eu, que sou muito macho, apesar desse nome de menina que me deram, me agarrava nela. Até rosnava, mais teatro que ferocidade, quando, eu na cama com ela, ele se chegava prô nosso lado. Pois se ele tinha seu próprio lado na cama, porque perturbar a gente, quietinhos no nosso lado. Eu e ela, agarradinho e atento. Lembro muito.

Um dia, de repente, fiz as malas e, pensei, vim ver meus primos no interior. Mas quando menos percebi, tava saindo da casa dos primos e vim pra cá, aqui pra casa. Que no começo, nem sabia que era aqui em casa. Não tava entendendo nada.

Fiquei meio tonto no início, que nós caninos somos meio lerdos com essas coisas de mudanças. Reconhecia o sofá, que o bobão do Zé Mane meio que destruíra lá em casa, a cama era a mesma, e as mesmas eram as bobagens que ele via na tal de TV (tempo em que aproveito e ronco no sofá, que besteira de televisão é dose pra cachorro). Mas o resto tudo era outra coisa. O chão, obrigado my Dog, um carpete, que ele diz vagabundo, mas que eu adoro. Me dá firmeza nas patas. Por outro lado, onde o corredor imenso que me levava prô quarto lá em casa? Cadê Maria? E, sendo o lugar bem pequeno, onde ele escondeu ela?

Me inquietei mudo, que não sou de latidos inconseqüentes. Zonzei, principalmente de noitão, sem conseguir entender os espaços. Por sorte, e muita inteligência minha, marquei logo o ponto fundamental onde, naquela topografia esquisita, repousavam minha água e meu ragú. E fui me calando, achando que era por uns tempos, e que logo a gente, ele e eu, voltava lá pra casa. Toda vez que eu saía, elevador abaixo, mirava o carro e puxava forte na coleira na direção da viatura, e supunha a viagem de volta. Mas, primeiro que ele nunca ia prô carro; me levava pras ruas novas. E mesmo quando pegava o dito, era só pra me obrigar visitas familiares, me fazer agüentar os primos, duplinha difícil e meio mal educada prô meu gosto (imaginem os senhores que, até hoje, e olha que são mais idosos do que eu, não se formaram no toilet trainning fundamental; bem feito, ficam presos no quintal e nem podem usufruir das variedades dos sofás que por lá abundam).

Mas os passeios de rua, custei a confessar, eram ótimos. Parecia Sacra Família: muita grama, mato crescido, andanças longas e sem coleira. Só estranhei que ele passou a me levar muito cedinho, eu, que fui criado dorminhoco por ele mesmo. Mas que era bom era. Em vez de Barão, devia mesmo era se chamar Sacrão.

Hoje já não sei mais. To começando achar que pra lá não volto. E, tenho até vergonha de dizer, nem sei se ligo muito. Aqui em casa tá bom pra cachorro, principalmente a passeação.

Ele é que anda esquisito, nem parece o mesmo. Acorda cedo, anda que nem doido, fica no sol meio largado (eu, que sou inglês, fujo pra sombra e fico só vendo). Além disso, voltou a me levar pros botequins, mesmo sabendo que não bebo e odeio conversa fiada. Escreve o tempo todo, meio amalucado. Acho que alucinou (ainda bem que de manhã me deixa em paz em meus jardins). De noite, nem fica mais em frente à TV, vive grudado no computador, martelando essa coisa cheia de letrinhas onde ele agora martela meu ditado (eu lato em bom português, mas não confio na catação de milho dele, nem na sua gramática, ´nda mais esquisito do jeito que tá). E eu que me vire no chão, pois por ali, no quarto onde dorme o computador, sofá não há (ele me prometeu que haverá, mas não me fio muito em sua palavra). Ainda bem que a minha cama é a mesma. E, sem ela, me sobrou bem mais espaço. Mas gostava do agarradinho, e com ele não tem graça, macho com macho, vira esculacho.

Com tudo isso, vou me acostumando, que sou cachorro, e não burro, esses sim dados a teimosias e empacamentos. Adoro meus jardins, minhas promenades, me agarro feliz à aspereza do carpete, e até da Marta já estou quase fazendo Maria. Cachorro é assim mesmo, volúvel, volúvel.

Mas ele, repito e insisto, tá muito esquisito, apesar de ter horas que até acho que ele tá gostando de ser esquisito, e sorri muito e me faz muito cafuné, coisa que me delicia muito. Ele não era tão assim lá em casa. Vai ver gente louca é uma coisa boa pra cachorro. Quilo Sá, Vardemá?, como dizia o Zé Mane, Rei dos Brejos de Sacra Família do Tinguá, e terror das preás que ousam invadir os seus domínios.

Aliás, tô meio que puto com o Zé Mané. Cachorro metido a besta, meu! Esse tempo todo e nem uma notícia. Deve ta lá comendo preás e cadelas, o semvergonhoso. E eu aqui, quebrando o galho no pé dele, que nunca me deixa chegar nos finalmente. Só não digo que o Zé é que é feliz, assim com inveja, porque não fui feito pra vida na roça. To viciadão em gente perto, cama macia, cafuné, e essas coisas todas que só na cidade tem (lá, no reino do Zé, nem na cama eles me deixavam subir, pode? Mas no sofá eu deitava, rolava e roncava, mesmo tendo de dividir o espaço com o grandalhão do Zé).

Falei no Zé e me lembrei do Francisquinho, por quem sempre nutri uma intolerância estridente, mas que agora já não me lembro porque. Porque, na verdade mais doída, sinto falta dele também. Ele adorava ficar na varanda em falação com eles assim que a noite caía, e ele largava as enxadas e carpideiras. Era um filósofo popular; entendia de tudo e de tudo dava conta: de gente, das boas e das outras que nunca conheci: dos bichos (lembro quando ele matou a cobra,cabra macho pra cachorro – ela até inspirou-se e escreveu uma coisa de muita boniteza que vou pedir pra ele mostrar pra vocês. Mas Francisquinho entendia mesmo era das plantas e dos matos, das árvores e da grama. Só a braquiara derrotava ele. Pensando bem, eu gostava do Francisquinho; tinha era ciúme dele com eles. O Zé amava ele e eles. O Zé é um sábio, por isso sua realeza é tão reconhecida nos brejos do lugar. O Zé deve ta lá na casa do seu Alvino, brincando com o Criolo e caçando preá. Será que ele lembra de mim?

Ele não esquece do Zé. Tem até retrato dele na parede, colado pertinho dum meu, de quando eu era cachorrinho e todo mundo me achava lindinho. Às vezes, e ele pensa que eu não percebo, ele olha pro Zé no retrato e fica todo assim, assim. E sei que não é só por causa do Zé, pois ele já me disse que o Zé tá feliz é lá nos reinos dele, tomando banho no brejo, correndo livre pela quela infiniteza de terrenos. Mas que ele fica meio assim, assim, lá isso ele fica. Deve ser coisa que cachorro não entende, mas acho que tem que ver com a Sacra Família que a gente não vai mais, com o sumiço dela, sei lá. Eu, todo dia faço de conta que a grama daqui é a grama de lá, que, como lá, aqui sou meio sem coleira. E faço de conta. Até tem mais grama aqui. Sacrão e pronto.

Sei lá. Lá em casa tinha rua chata, mas as vezes tinha o Zé e Sacra. Aqui tem grama todo dia, mas sinto falta de minha turma: Maria, Francisquinho (dou a pata à palmatória), Zé Mané, Fernando e a cachorrada, Elisa e uma coisinha chamada Miguel que eles enchiam de mimos, até de Morro Azul, onde quem reinava era eu, porque pro Zé, tadinho, aquilo já era cidade e ele ficava doidinho. Até do tal do Roberto eu sinto falta, pessoa de quem nem tenho muita recordação, mas que me mandava uma ração maneira, cheia de pedigree.

Aqui em casa, tô começando a achar a Marta meio Maria. E quando saio pro interior de Barão, que é logo ali virando a esquina, só conheci o Fred, com quem vou me acostumando devagar. É um cachorrão (quer dizer, maior que eu) meio besta, mas cheio de rabo abanando pro meu lado. No mais é uma cachorrada presa nas varandas gradeadas, que latem que nem doidos, bestalhões, quando eu passo altaneiro, livre do lado dele. Quem sabe, eu e ele, acabamos fazendo turma nova. Por enquanto, galopo solitário no jardim, aturo o Fred de vez em quando, e busco as sombras das árvores quando o sol me pega.

Vou levando. Se tiver de ficar aqui em casa, fico na boa, com gosto até. Sei lá, juntando tudo, até que tá legal pra cachorro.

Só sinto muita falta dela.






Ditado por Pipoca, psicografado por Zédu

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

De profundis (para O.W.)

Profunda idade

Nada como Pessoa, navegado qual Paulinho,
Faço do blog odisséia de onde retornarei.
Se ainda a tortos caminhos,
Ao chegar me saberei.

Nas teias com que me tecem,
Nas sereias que enlouquecem,
No umbigo em escravidão,
Espero, que finda a jornada
Aqui já não reste nada,
Nem sonho, nem assombração.

Se hoje sou quase morto,
Se vivo, me erro torto,
Navego para um litoral
E blogo com todas as velas,
Pintando, em quase aquarelas,
Com tintas que sabem sal.

Nas areias que chegarei,
Não quero sexta, nem feira.
Retrato de Dorian Gray,
Em cinza, para não ser bandeira.

No meio de todos ausente,
Nas grades não verei prisão,
Que a verdade a gente mente
Pra, do eu, prestar a-tensão

De mim mesmo serei alcaide,
De meus desejos não saberei.
De Profundis, Oscar Wilde!
Salomé, viva meu rei!
Bar do Frango, 14 de fevereiro de 2007

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Mails meios médicos


Os dois mails seguintes ainda fazem parte da época em que, em vez de blogar, enchia a caixa de entrada dos amigos com mails intermináveis. Vale lembrar que cheguei em Barão com duas prioridades prioritaríssimas: um cardiologista para meu coração enfartado e um psiquiatra para dar remédio ao irremediável. Como no mail anterior se percebe, estava vendido para a máfia de branco. Os dois mais a seguir, relatam esses dois encontros, e meu progresso nos inícios de 2007. O tom já é outro.
Mail 1
No meio do caminho tinha um médico....
No meio do caminho tinha um médico,
tinha um médico no meio do caminho..


Pois vinha eu todo animado, montando minha casinha sob o olhar indiferente, mas solidário e judicioso, de Pipoca, agora by appointment of HMQ, caminhando cheio de saúde nas manhãs interioranas de Barão mesmo quando o ligeiro chuviscar umedece o prazer, batendo perna o dia inteiro em um entra e sai de lojinhas, brechós e assemelhados, comendo minhas verdurinhas a me fartar, diminuindo, por falta de companhia que me agradasse o mais ficar, o tempo de botequim, mesmo que seja lá que ainda começo o mail para os amigos que suponho, por direitos de amizade, interessados nas minhas abobrinhas cotidianas, ou seja, vinha eu comprando saúde e ganhando prazer como não tive por estes lados aí cariocas, quando,em um caminhar distraído, tropiquei no pé de um médico e fui cair no pé do Pai.
Ecocardiografado antes do tropicão, o exame só revelou que noves fora o velho infartado deu coraçãozinho rejuvenil, tudo que resta resta nos conformes."Aleluia, Senhor", precipitei-me em alvíssaras. Pois dobrando a esquina da clínica onde me diagnosticavam o cardíaco, numa sala com ares de academia, me esperava uma esteira, e não daquelas dos doces repousos praieiros onde nos fritamos, e "foda-se o câncer de pele", nas areias daí. A dita rolava.
Devidamente conectado a n fiozinhos indecifráveis que me umbilicavam a máquinas cheias de luzes e gráficos, de short, sem camisa, cara de herói, declarei-me pronto para o que viesse a rolar.
E aí, eu que pago para não me mexer muito (a agitação baronesa é novidade e meio terapêutica), fui colocado na rolante coisa e feito caminhar. De início, piano, piano, que como acredito, se vá lontano, lonjura que sempre me pareceu de bom tamanho. Mas o maestro cardiopata queria mais: a coisa começou a rolar em outros ritmos, allegro ma non troppo, allegro assai, ritmos crescentes que minha inaptidão física, e mental, foi cada vez mais ousando reclamações bufantes, rebeliões nas pernas, ofegâncias ruidosas e várias outras provas cabais que não fui feito para tais caminhares e jamais chegaria aos allegro vivace previstos sadicamente pelo, agora me parecia, rapinoso doutor que comandava a traquineta.
O doutor, que em outras eras, quando menos poderoso era o Saber do Sujeito Médico, me recomendaria sombra e água fresca, coisa que muito me agradaria, a perspectiva da rede, água de coco e uma mucama a abanar meus ais, pois o douto homem, sendo moderno e sabendo que a Síndrome de Caymmi só produz poucas músicas e muitos filhos músicos, não permitindo, destarte, uma vida produtiva normalmente classificada,o doutor, dizia, só faltou me rebaixar, com olhares cheios de entrelinhas, para sei lá que categoria mereciam minhas inaceitáveis inapetências físicas. Tascou-me um olhar, sem entrelinhas, severo, considerou com os botões de seu jaleco ofender minha falecida mãe, mas, como é da práxis onde aprendeu brincar de médico sem assediar priminhas, voltou seus canhões de navarone, todos de grossíssimo calibre, contra aquela coisinha, de calibre mínimo, cheia, não de pólvoras estrontandes, mas de mais de 4.700 substâncias tóxicas que ainda ouso pitar.
"Fumante idiota!!", fuzilava sua feição falsamente bonachona, "estúpido tabagista" roncavam suas entranhas revoltadas, enquanto que, com caras sérias e apropriadas à ocasião pré-funesta, dize-me, o bom doutor, "Temos que conversar como homens sobre a questão do cigarro". Quase soltei um gritinho, ais manhosos, bicha lagartixa esganiçadamente gritando "Homem? Homem? Onde?" Onde?". Mas sabendo-o moderno e sem preconceitos, percebi que condena e salva a todos, independente da viadagenm de cada um. Cigarro NÃO!!!
Mas como para ser Homem é preciso sempre um a+, tascou-me uma requisição para um exame complementar, onde cintolografarei nuclearmente(brilharei, depois, no escuro? o vagalume em mim se alvoroça!), depois do qual teremos nosso encontro no OK Curral de sua clínica, onde a terrível conversa de homem para homem se dará. Será um duelo de Vida e Morte, ambas só minhas, que ele não é besta. E, conforme avisado pelo cardiologista mais rápido do Oeste (vcs sabiam que Campinas é a Princesinha do Oeste? Depois reclamam da fama de viado!), neste duelo deverá falecer o meu antigo companheiro, o cigarro. E com isso abateu-me.
Sorte que vou ao psiquiatra hoje. Quem sabe me livro deste louco.
Beijos ofegantes,

Zédu
Mail 2
De médicos e carambolas

Caríssimos leitores, a saga continua.
Como vocês bem sabem, saí do Rio louco para consultar um psiquiatra (ooppsss!). Afinal, como temia o chefe do Asterix, o céu havia desabado sobre minha cabeça e a depressão inevitável me aguardava nas esquinas supostamente tranqüilas de Barão.
Dito e feito. Nem bem coloquei os pés na nova terra e já saí pedindo recomendações à minha infectologista: um cardiologista e, please, um bom psiquiatra. Impressionada com meu triste caso, indicou uma lista de possíveis cardiologistas e o psiquiatra para o qual costuma indicar casos difíceis. Confesso que fiquei feliz ao me ver um caso difícil; afinal, quem gosta de ser fácil?
Vai daí que logo em seguida tentei agendar os doutores. O cardiologista, do qual já ouviram falar, foi moleza, tanto que já estamos íntimos ao ponto de termos conversa de homem para homem programada. O "encolhedor de cabeças" foi mais complicado; apesar de meus apelos sobre a urgência do caso, o sr. dr. só tinha horário para hoje, 18 dias depois do início do ano que despontava no horizonte sombrio.
E aí fui tendo que tocar minha vida sem psiquiatra. Descobri os passeios matinais, a paz interiorana e quase a interior, curti o montar a casa e ser dona de casa de mim mesmo (minha empregada, graças a Deus, não é nenhuma Maria, é só uma empregada, boa, por sinal), dei de comer bem, alegrei-me com Pipoca e sua liberdade recém adquirida, ou seja, não me sobrou espaço para lembrar da depressão inevitável.
No entanto, como sabem por capítulos anteriores, ontem o cardiologista abateu-me ao ameaçar cortar meu direito à chupeta. Eu, que vinha dando tratos a bola para descobrir o que falar para o psiquiatra (além da história acontecida, cada vez mais história acontecida, um pouco de problema com o sono, mas nada de grave, nenhuma atonia, nenhuma falta de vontade de me mexer, banhos adiados, barba por fazer, nenhum ensimesmamento, sem pesadelos nem sonhos horríveis, enfim, nada que pudesse carimbar a minha esperada depressão) me sentia meio ridículo; mas, como a Unimed é quem pagaria, e como o sono andava me enchendo o saco (apesar de ser o responsável pela descoberta de que existe vida possível antes do meio dia), a consulta manteve-se marcada.
Ontem, para alívio meu, abateu-me seu, dele psiquiatra (que língua a nossa), colega do coração. Voilá! veja Zédu, como você anda frágil; qualquer ventinho contrário te abate. Isso é coisa de louco.
Abatido, saí fazendo o que venho curtindo fazer: comunicar vocês. Para minha surpresa, o mail saiu gracioso, bem pouco abatido. Mas não dei o braço a torcer (na realidade, espremi meu dedo fechando a porta do carro, o que faz este digitar mais difícil que o normal, dada a batata que o fura-bolo direito ainda está): estava abatido e pronto!
Hoje, dia chuvoso como soem os dias de 2007, propício à melancolia, caminhei de capa de gabardine e guarda-chuva com Pipoca, que se incomodou mais do que eu com as condições atmosféricas (vou comprar uma capa para ele), tratei de assuntos domésticos, almocei fartamente e preparei um abatimento, que já não sabia mais onde encontrar, para relatar ao psiquiatra. Queria remédio mas não sabia, ou não me lembrava mais, para que doença.
Consulta começada, relatei com a verve falastrona que me caracteriza, minha história passada, meus presentes e minhas pequenas queixas. Ouviu-me atento o Dr. Celso e ao final, só não me mandou passear porque médico não faz isso. Na mosca diagnosticou minha ida como preventiva de algo que ainda nem tinha dado sinal de nascença, e que, segundo sua escuta, talvez nem venha a nascer pois me achou competente no trato que venho dando às bolas desta coisa toda. Agradeceu a preferência por eu haver decidido tê-lo em meu caderninho para emergências futuras, receitou-me uma bobagem qualquer para ajudar-me com o sono e me mandou buscar minha turma, retomar a Psicanálise (vejam bem, não me mandou fazer análise, recomendou retomar a Psicanálise e, assim, conhecer pessoas e adquirir interlocutores, coisa que muito me falta ainda por aqui). Desabati-me no ato.
Voltei para casa, coloquei a coleira no Pipoca e fomos para rua, já que estiava naquele momento. Passando pelo hortifruti que há quase em frente de meu edifício, entrei e comprei meu jantarzinho: salada e frutas. E, entre as frutas, além das maçãs, uvas, nesparinas, comprei carambolas.
Ora bolas!
Bjs,

Zédu
.......Com esse mail, começou a coçar em mim a idéia de poupar os amigos e ampliar o espaço da escrevinhação. Tudo começa a tomar outra forma; outras possibilidades de me vingar da perda se apresentam.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Um dos inícios de tudo (muito pessoal)

A criança que fui chora na estrada
I
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A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
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Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
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Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
.Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
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II
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Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos.
Hora a hora Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.
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E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.
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Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me, Sem que eu perceba de onde vai crescendo.
.Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.
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III
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Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou?
Quem quero ser Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.
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Fernando Pessoa, Poemas de Alvaro Caeiro
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Os quatro primeiros versos deste poema, que custei a achar nos sites pessoanos, me foram presenteados em 08 de setembro de 2006 por G. como meu mais belo presente de aniversário. Foram eles, esses quatro versos manuscritos, e uma certa vontade de retorno à criança que eu também um dia deixei, que deram início ao meu processo de pensar a volta à cidade natal. Esse processo, que "terminou" com minha vinda para cá, foi bem mais complicado do que supunha ao completar meus 58 anos. Disso se falará por aqui, nem sempre factualmente, mas com meias palavras suficientes. O poema, independente de sua história comigo, é simples e belo, bem Álvaro Caieiro.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Quadrinha de pé quebrado

O blog é coisa esquisita
Começa pelo fim, no fim começa
E termina estranha escrita
História de ponta cabeça

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Banda de Moebius


A Banda de Moebius
Se vc passear por ela, verá que ela tem um único lado
Construa a sua. Uma tira de papel, torça uma das pontas e cole na outra. Voilá!
O moebiano, que em tantos textos aparecerão, é isso, esse trocer-se em um lado só.

Análise (Fernando Pessoa)


Poema de 1911, quando o poeta tinha 23 anos, mas já era Fernando Pessoa

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Análise
Fernando Pessoa


Tão abstrata é a idéia do teu ser

Que me vem de te olhar, que, ao entreter

Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,

E nada fica em meu olhar, e dista

Teu corpo do meu ver tão longemente,

E a idéia do teu ser fica tão rente

Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me

Sabendo que tu és, que, só por ter-me

Consciente de ti, nem a mim sinto.

E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto

A ilusão da sensação, e sonho,

Não te vendo, nem vendo, nem sabendo

Que te vejo, ou sequer que sou, risonho

Do interior crepúsculo tristonho

Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
12-1911

O Retrato de Oscar Wilde


Em todas as coisas sem importância, é o estilo, e não a verdade, o que interessa; em todas as coisas importantes, é o estilo, e não a verdade, o que interessa
Oscar Wilde

Umbigadas


Umbigos, blogs e desculpas esfarrapadas ...Quando o sujeito do Sintoma - chamê-mo-lo sS, devido à minha incapacidade de escrever, em códigos que aqui vigoram, o S barrado de minha tradição lacaniana (e aceito help sobre isso, via comentários) - pois então, quando sS se estilhaça explodido pela violência de algum Real inominável, é necessário, e urgente, reinvestir no Eu que, para sempre suposto, não é dado a estilhaçamentos, mas não sobrevive nu de seu manto sintomático. Pois, desprovido da ortopedia do sS que o significava, o vazio deste lugar, cujo ocupante é o tal do Eu, mera suposição de um impossível contingente, tem que ser re-velado, recoberto novamente por um manto imaginário, que se fará em colcha de retalhos com os pedaços do despedaçado, e, assim, reconformará o sS em outro do mesmo, na esculturação que o permitirá retomar seu algum lugar em uma realidade qualquer.
...Mas, sem Pai ou Mãe, primeiros e principais investidores narcísicos que, lá no começo, quando o coisinha nem era sujeito algum, colocaram-me no rumo do que acabei me supondo ser, então, órfão, ou bem assumo um narcisismo necessário e invisto em mim mesmo, ou bem me arrisco recosturar-me frente à crueldade do mercado dos pequenos outros. Daí que Narciso serei (como se não o fosse desde sempre, dirão muitos). Por vício ou necessidade, o blog d´Eu investirá pesado no que, do Eu em mim há que ser novamente sujeitado. Serei portanto, senão Conde d´Eu cuja senhora tinha mania de libertar escravos sem lhes fornecer identidade, Barão d´Eu, escravizador de meu Sintoma reidentificado. Ms chega de de desculpas esfarrapadas e passemos logo às umbigadas.
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...E os blogs, como tudo que é autoral, são, por definição e impossibilidade de não sê-los, pastos narcísicos. Mesmo quando pretendem contribuir para discussões seriíssimas, ou demonstrar sábios comentários políticos e agudas análises da conjuntura, é sempre de um umbigo que se trata. E meu umbigo, primeiro nó de minha vida, julga-se merecedor de um espaço para além do corpo em que dá nó. E o infinito virtual deste espaço de caça será campo de caça de meu, agora, umbligo.
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...Mas (talvez, todavia, contanto), umbilical, o blog prende o Narciso que sonha asas onde pudesse voar sem lagos especulares, só com a aragem das deliciosas lembranças de uma imagem que supõe só sua. Pois o lago, sendo espelho, é fim do Narciso (ainda que início do narcisismo), assim como o retrato, visto, deu cabo de Dorian Gray (Avoé, grande Oscar Wilde). Preso em cordão encarnado estará, portanto, o Narciso que aqui esperneará, preso aos dizeres da Imagem, sempre fugidia, que a Casa dos Espelhos/Vida insistirá em retornar em formatos vários, e deformações diversas.
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...Assim, querendo me mostrar, aqui me verei, por amarras e nós primordiais. Claro que serei o pintor de minhas próprias cores (mas não dono de minha palheta), o compositor de minhas árias, autor do libreto de meu dramalhão operístico (mas não maestro da orquestra), escrevinhador de minhas letras (mas preso à língua materna). Claro está que, Narciso, miro a glória de mim mesmo, sacramentar meu evangelho. No entanto, espaço público, e o que é mais grave, virtual, entre o escrito e o que suponho lido, se interporão sintomas sem fim, outros Narcisos, lúcidos leitores, perversos variados, gozadores do narcisismo alheio. Que Eu serei aqui, mim não sabe, como diriam, com todo cabimento, nossos amigos índios, não escravos das falsidades da linguagem que prima o Eu e castra o Mim (mim não faz nada, menino! como nos ensinavam quando ainda éramos meio indiozinhos e ainda insiste o Pastore). Então, fica combinado assim: se mim não escreve, escrevo em mim (menor).
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...Tudo isso pode dar a impressão que o blog se pretende autobiografia d`Isso que me tornou. Mas, quase garanto, não é o que se pretende. Primeiro, por começar no meio de um fim e um começo, bem no sentido moebiano do revirão, e por se propor, com prazo marcado, se acabar (ao contrário dos começos sem fim das autobiografias, sempre inacabadas).
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...Segundo, por ter um tempo determinado de vida, por obra e graça de minha arbitrariedade. Vigorará, com mais ou menos vigor,durante o A.D. de 2007, ano em que, entre os estertores do 31 do ainda 2006 e os vagidos do 2007 ainda sem umbigo, me torci todo em pingos de mim e, me sabendo um mesmo que não me reconhecia, comecei outro da mesma Coisa (durante anos eu dizia à minha companheira, que passou, que ela era o meu primeiro outro de verdade; de passagem, me deixou outro, talvez!). Ou seja, leve-nos onde nos levar, este relato, missão impossível, se audestruirá ao fim do ano que o pariu, seja lá onde vou chegar com Isso.
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...Terceiro,porque começa sem roteiro mas já começado. Explico: quando as explosões dos fogos artificiais da passagem do ano me reviraram para um outro mesmo lado, foi o escrever para os amigos (já disse isso, não foi? mas como diz a Anna, já tenho idade para me repetir), que por mim torciam outra torcida, aquilo que me ajudou a atravessar o ponto de torção, o buraco de verme que me sugou, e me colocou mirando, em estranhamento, outras constelações de um Universo onde continuo sendo o buraco negro central. Foram eles, e com eles, que saí do Estranho em mim; foi com sua, deles (que língua a nossa!), insistência em me chamar pelo mesmo nome, me supor o mesmo amigo, e me oferecer o que deles sempre tomei, que, um escrita pra lá, duas pra cá, começamos um bolero no salão de bales do réveillon de 2007. Por isso, um material desordenado já existe em escritura e aqui será postado no de acordo com a desordem vigente.
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...Algumas explicações factuais se farão necessárias (será?) para que se entenda o que foi o muro em que quebrei a cara costumeira, e o próprio caminhar em direção ao trombadaço. Fatos a relatar (ou não!) para que se entenda o já escrito, embrião dessa vontade de blogar e Coisa que não sei onde vai parar.
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...Blog de mim mesmo, estarei sempre nas entrelinhas, nos interditos, nas escolhas linguareiras, na forma inconformada. Mim escreve, eu se esonde, o Outro do blog nos revela. Pois se Isso sabe de mim, do eu não sei nada d´Isso. O blog é Isso. E, por Isso, é melhor me calar um pouco e deixar que ele se explique.
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Where is Wally?

Tudo Ilusão II (comigo mesmo)



"Mas, se tudo é ilusão e ilusório, e essa é a conclusão fatal com que nos deparamos quando derrubamos os pilares da Fé e relativizamos o Absoluto, como fica, então, a possibilidade de felicidade do homem nesse exterior que o sujeita? Como fica, também, a possibilidade de uma civilização justa e desprovida de conflitos, onde o caráter quase-suicida de certas particularidades humanas não se oponham às necessidades da vida (realidade)? Morte e Vida pulsam nas questões acima e Freud nos mostra como a religião tenta transformar essa incômoda oposição pulsional na dualidade mais palatável da Vida e da Outra Vida, o que vai permitir, não somente o controle (via sentido) do indivíduo pela Ordem assim criada, que passa, então, a indicar o bom caminho, mas também que o sujeito suporte melhor a constatação da impossibilidade de participar de sua própria morte, isto é, do fato de que a sua morte, que virá, única certeza possível no campo do humano, situar-se em um mais além dele próprio, inevitável e, principalmente, inacessível na Verdade que porta.

Na busca de uma resposta para as questões acima, o texto do Mal Estar vai analisar, principalmente, a relação do homem com a cultura e a possibilidade de uma convivência harmônica e sem conflito entre essas duas ordens: a do indivíduo e a do exterior ao indivíduo (o social, o coletivo, os outros indivíduos, etc.). Nele, indivíduo e cultura/civilização vão ser demonstrados como resultantes sintomáticas de tensões inevitáveis entre a Lei (do coletivo) e o Desejo (do individual).

A inevitabilidade destas tensões Indivíduo versus Civilização, vai fazer com que a função castradora, presente em todo processo de socialização, seja vista como condição necessária e suficiente para o desenvolvimento da civilização. Se com o seu despreparo estrutural o homem busca a pré-sentida plenitude impossível, será só de posse da ilusão de perda que a castração simbólica institui, que se presentificará nele a Falta e o desejo de recuperar essa alguma Coisa que, na realidade, ele nunca possuiu ou experimentou.

O homem vai, então, em busca desses obscuros objetos de desejo, que irão servir para tamponar a ausência que a falta pré-sentida precipita e que ferem de morte a sua pré-suposta onipotência narcísica. E é essa busca de impossível que coloca os indivíduos em ação e, assim, gera todas as produções culturais que em seu conjunto coerente vamos chamar de Civilização. Ou seja, é essa ilusão de potência que norteia as buscas humanas e, ao mesmo tempo, gera, por ignorada no que tem de ilusão, os equívocos causadores do mal estar individual e social.

Em outras palavras, é ao barrar o Impossível na Verdade, que na verdade, por impossível, não necessitava ser barrado, que a Lei (Ordem) cria a ilusão do possível e autoriza a busca. Assim, é a Lei que institui o Desejo que bane, e esse, assim instituído, escreve as leis que controlam os desejos. As leis e os desejos, minúsculos representantes da Lei e do Desejo, se tornam, portanto, intrincados, amarrados um no outro, nó-meados, determinando, destarte, uma inscrição desejante para as leis e seus discursos. Inscrição esta que por remeter ao Desejo Original é regulada pela Lei, a mesma que ao expulsar o homem do paraíso, permite que este cresça e se multiplique. Não fosse o Pecado Original (demonstração fabulosa deste caráter duplo da proibição da Lei), bastariam Adão e Eva para completar o nirvana da criação.

As civilizações têm, portanto, uma eterna dívida de gratidão para com a cobra paradisíaca, essa grande injustiçada. Aliás, é esse caráter duplo da Lei que nos permite entender melhor a caracterização que, mais tarde, Lacan fará do Super-Ego freudiano. Se a Lei fosse autorizada pelo sujeito, e por isso por ele acatada, ela deixaria de cumprir seus objetivos, pois é preciso que tentemos burlá-la, mesmo que para isso paguemos o preço da culpa e do sentimento de culpa. O desejo do Desejo implica, então, em uma contraposição radical à Lei e à Ordem. E como inscrição da autoridade no interior mesmo do sujeito, o Super-Ego tem que cumprir essa dupla finalidade: ao mesmo tempo que nos controla (como na visão tradicional do Super-Ego como instância censora da personalidade), vive a nos ordenar: "Goza!".

Da mesma forma que vamos encontrar essa inscrição desejante em toda lei, os desejos e seus objetos só serão acessíveis ao indivíduo pela intermediação do simbólico, o que vai inscrever a lei no desejo. Círculo vicioso, aparentemente só se rompe pela castração mas, na realidade, se mantém incólume graças à ignorância do homem quanto às sobre-determinações que o sujeitam, ignorância esta que vai sustentar o livre arbítrio presumido do indivíduo e gerar, pelo desconhecimento e Não-Saber que implica, a repetição viciosa que caracteriza todo o comportamento humano.

Nesse sentido, a castração pode ser entendida como o corte que separa esse intrincamento e como aquilo que permite colocar a lei no lugar da Lei e o desejo no do Desejo, e assim fazendo, tirar o sujeito do redondo vicioso e paralisante do rebatimento obsessivo dessas duas ordens. Nessa transformação algo para sempre se perde, visto que nem a lei é a Lei, nem o desejo o Desejo; o preço do possível é a impossibilidade do Real. Essa castração inevitável, e sob certos aspectos desejável ainda que não desejada, deixa no Simbólico da lei e no Imaginário do desejo uma fenda, um corte, um buraco, marcas da Falta da Coisa que lá nunca esteve.

Buraco negro, a Falta é um vácuo que a tudo suga, não podendo, portanto, permanecer aberto, sob o risco do sujeito continuar paralisado (e agora não mais na be(s)(a)titude paradisíaca original mas em uma espécie de calmaria de olho de furacão). Por isso, a esse buraco tampona-se, costurando-o, sendo as suturas que daí resultam os sintomas dos indivíduos e das civilizações. Cada sintoma é, portanto, uma tentativa de resposta, uma costura, mais ou menos grosseira, do corte cesariano por onde o Simbólico, em um parto ao contrário, instala o Eu dentro do Sujeito e os Nós que o amarram à civilização a que pertence. Cicatriz, o Sintoma lembra a Falta, que lembra o Sonho, que sonha o Desejo, que deseja a Coisa que nunca se conheceu, aquele "eterno enquanto durou" que um dia, por ignorância, pré-sentimos como a um fantasma se pressente. Assim, apesar de solução, o Sintoma é cicatriz e, sempre que o tempo vira, incomoda; no mais das vezes, coça.

Daí o mal estar irredutível do indivíduo e da cultura, fruto dessa cicatriz suturante da ferida narcísica original, e responsável pela impossibilidade da felicidade humana e da harmonia social. O indivíduo e a cultura, o Desejo e a Lei, assim separados, vão, no entanto, permanecer ligados para sempre por uma espécie de atração gravitacional, formando um par excêntrico, cujo centro de gravidade vai se situar no vácuo deste espaço por onde transitam as energias que os mantém grávidos Um do Outro.

As Utopias, quer de Um, quer do Outro, ficam, assim, definitivamente banidas como possibilidade real de existência, restando a elas somente seu papel mítico, mas nem por isso menos importante, de propiciadoras das grandes viagens humanas. Querê-las, o nosso bem; acreditá-las possíveis, nosso mal. Em ambos os casos, um mesmo narcisismo. A castração cultural e a agressividade individual, componentes estruturais de uma relação por isso mesmo para sempre "problemática", determinam o grande sintoma que costumamos denominar realidade." (José Eduardo Teixeira Leite, O Mal estar das Organizações, cp 2, livro inédito)

Tudo ilusão I (com John Fowles)




John Fowles, em seu livro The Magus, conta a seguinte fábula:




"Era uma vez um jovem príncipe que acreditava em todas as coisas menos em três. Ele não acreditava em princesas, não acreditava em ilhas, e não acreditava em Deus. Seu pai, o rei, havia lhe dito que essas três coisas não existiam. E, como não haviam princesas, ilhas, ou qualquer sinal de Deus nos domínios de seu pai, o jovem príncipe acreditava nele. Mas, um dia o jovem príncipe fugiu de seu palácio e foi até as terras vizinhas ao reino de seu pai. Lá, para seus espanto, de toda a costa se avistavam ilhas e, nelas, estranhas criaturas, tão diferentes que ele não ousava nomeá-las. Quando estava procurando por um bote, um homem vestido com um camisolão se aproximou dele na praia. "Aquelas são ilhas de verdade?", perguntou o jovem príncipe. "Claro que são ilhas de verdade", respondeu o homem. "E o que são aquelas estranhas criaturas?", inquiriu o príncipe. "São todas princesas autênticas e genuínas", afirmou o homem. "Mas, então, Deus deve existir também!", exclamou o príncipe. "Eu sou Deus", replicou o homem vestido de camisolão cheio de estrelas, fazendo uma mesura. Perplexo, o jovem príncipe retornou a sua casa o mais rápido que pode. "Então você voltou", disse seu pai, o rei. "Eu vi ilhas, princesas, e até mesmo Deus", disse o príncipe em tom de reprovação. O rei não se abalou e disse: "Não existem ilhas, nem princesas de verdade, muito menos Deus". "Mas eu os vi", insistiu o príncipe. "Diga-me, como estava Deus vestido?", perguntou o pai. "Deus vestia um camisolão", respondeu o príncipe. "Por acaso ele tinha as mangas estreladas?", perguntou o rei. Depois de pensar um pouco, o príncipe confirmou que assim era a veste de Deus. O rei sorriu e disse simplesmente: "Você foi enganado. Esse é o uniforme de um mágico". Com isso, abalado, o príncipe retornou às terras vizinhas, dirigiu-se para a mesma praia, onde mais uma vez encontrou o homem de camisolão. "Meu pai, o rei, me contou quem você é", disse o príncipe indignado. E continuou, "Da última vez você me enganou, mas não mais. Agora eu sei que aquelas ilhas e princesas não são reais, porque você é um mágico". O homem sorriu. "Foi você quem foi enganado, meu bom rapaz. No reino de seu pai existem muitas princesas e ilhas, mas como você está sob encantamento dele, você não pode vê-las". O príncipe retornou pensativo ao lar. Quando encontrou seu pai, olhou firme em seus olhos e disse: "Pai, é certo que você não é um rei de verdade, mas só um mágico?". O rei sorriu compreensivo. "Sim, meu filho, eu sou só um mágico", disse arregaçando as mangas de sua veste emostrando a roupa estrelada por baixo. "Então o homem na praia era mesmo Deus", disse o jovem. "O homem na praia era só um outro mágico", replicou o rei. "Mas eu tenho que saber a Verdade, a verdade além da magia", disse, desesperado, o príncipe. "Não há verdade além da magia", respondeu o pai. O príncipe, que estava tomado por uma tristeza profunda, suspirou e disse: "Então eu vou me matar". O rei, por mágica, conjurou a Morte e fez com que ela aparecesse no umbral do aposento aonde estavam. De lá, o vulto chamou pelo príncipe. O príncipe tremeu. Ele lembrou das ilhas e princesas que havia visto, lindas apesar de irreais. "Tudo bem", ele disse, "eu acho que eu posso suportar a vida". "Você vê, meu filho", falou o rei seu pai, "você agora começa também a ser um mágico" (trad. livre do original em Fowles, J., The Magus, revised edition, Chatto, Bodley Head & Jonathan Cape Ltd., London, 1977, p.551-552).




E, como a magia é uma ilusão, tudo ilusão. CQD.

Desejo, Morte e Carambolas? Cáspite!


Desejo, Morte e Carambolas? Se existe alguma dúvida sobre o título do blog, esta será, sem dúvida, sobre o que, by Jove, fazem as carambolas metidas entre coisas tão sérias como o Desejo e a Morte. Mas garanto que, se o blog for bem sucedido em contar sua história, no final as carambolas deverão estar devidamente frutificadas, e cheia de sabores, nos nossos desejos. Mas sempre é bom lembrar que Aurélio nos diz que carambolar é enredar, iludir, enganar. Portanto, cuidado com as carambolas, são nelas que reside o sabor e o perigo.


Já o Desejo e Morte, não os desejos e as mortes cotidianas que habitam nossa realidade, são coisas siamesas desde sempre; desde que, apesar, e just pour cause, da Morte, o Desejo se fez na Lei que o barra da Coisa que o causa. Desejo de Morte, diz a Psicanálise, motor e sentido do nosso sujeitar-se, desde sempre barrados, um sobre a outra, ou vice versa, Desejo/Morte, em volteios de significação. E daí, por existir a barra que as impede o destino, os pequenos desejos ávidos de objetos que nunca os satisfazerão, os shoppings, as trepações e os tropeções, e a desvairada evitação das maiúsculas conseqüências de assumir o obscuro objeto do Desejo: a Morte. Norte do Desejo, a Morte é o impossível com om qual o sujeito se conforma em não saber.

Às vezes, meio que raramente, a barra, em um sujeito, se desfaz e o Desejo, liberto do que o impedia, funde-se, e perde-se, na Morte fim do sujeito. E quando, a um outro sujeito, é dado o observar esse encontro, fugaz e definitivo, a coisa se passa como o participar de uma explosão nuclear, partícula/anti-partícula em colisão, é um quase observar o caos fundamental, é vislumbrar o Real. E o brilho do Real da Coisa desse atravessamento indevido, a onda de choque ensurdecedora que daí resulta, causa, com sua violência, estragos consideráveis nesses pobres observadores, pois nunca o são por vontade própria. Diferente da mulher de Lot, fixada em sal por ousar olhar, esses observadores, talvez por inocentemente desprevenidos olharem o que não se pode ver, saem deste encontro com a magnífica Insignificância do Real, não congelados, nem paralisados; saem estraçalhados, aos pedaços. E tão mudos como uma estátua de sal. Talvez, no fim das contas, mulheres de Lot afinal, mas diluídas nas águas da tormenta que os desforma.

E Isso não tem remédio. Pois, insignificante, o Real congela as palavras e não o falante aos cacos, e se recusa à conformação dos significantes e significados que, em repertório, nos construíam antes do encontro. Depois do estrago, Isso não cola mais.

No entanto, ainda que em quebra-cabeça, o observador resta, atônito, atônico. E no átimo seguinte, quando o Real já voltou para as profundezas que nos escapam e fascinam, a tarefa, necessária, do remendar-se, tem que ter início. Os cacos têm de ser recolhidos de alguma forma, algum manto que nos cubra em realeza tem de ser tecido, algum sujeito, pedaços do mesmo feito resto, tem de conformar-se, novamente. O que não tem remédio remendado deverá estar.

Alguns, despedaçados por várias outras razões, nunca terminam seu manto e tecem-no sisifismicamente. Chamamo-os loucos; internamos a maioria e à maioria não queremos olhar, que a loucura, coisa nossa, se faz melhor esquecida. Mas, dependendo da beleza da tessitura, da arte desvairada dessa eterna busca de si mesmo, podemos até elevá-los, ainda loucos, bem acima de nós mesmos. Bispo do Rosário, Van Gogh, tantos outros malucos beleza, que demonstram que a falta da ortopedia conformadora, seja como em Bispo onde ela nunca houve, seja no auto-despedaçamento de Van Gogh e seus mantos de tinta, nos prova que, ainda que despedaçado, há sempre um sujeito disperso nos cacos e orelhas sem ou(l)vido. Mas sujeitar-se ao ser dos pedaços é coisa de louco. E a loucura, a bela ou a fera, não é para qualquer um; não é escolha, nem caminho, mas determinismo da história de alguns.

Assim, nosso despedaçado observador, ainda aturdido pela explosão muda que lhe assoprou para bem longe todas as letras, tem que se apressar, rapidamente remendar-se, já que remédio não há. Chegar a um fim, revirar-se e tentar começar uma nova mesma odisséia com os pedaços do que findou. Mas, se na odisséia de cada um, somos, ao mesmo tempo, Ulisses e Penélope, somos também, e principalmente, Homero, autores de nossa própria mitologia, mestre das palavras que nos contarão, ulisses e penelópes, bem ou mal-ditos.

E foi em um destes encontros com o horror da Coisa, num observar a explosão de um Desejo de Morte feito ato, im-pulsão sem retorno, que perdi a palavra em cacos de mim mesmo. E balbuciei por dias fingindo ser o era, mesmo sem, no sendo, me reconhecer. Aos poucos, fui indo; primeiro colhendo as palavras dos outros que me rodeavam em falações e carinhos significativos, depois, quando os abandonei para vim ser o que ainda serei, no contar-me em mails, aos poucos mesmos outros. Recuperava as letras, as palavras, o dizer de (um) mim e ia me tornando o personagem de minha própria escrita e autor de meu novo testamento, José de Arimatéia de meu calvário. Cada vez mais, passei a acreditar no que estava escrito, como no jogo do bicho, e dar melhor conta, e conto, das sete cabeças que, às vezes, ainda penso ter.

Assim, no reinício eram os mails, alguns enviados, outros, envergonhados, restavam no caderno onde me compunha em rascunhos. Aos poucos fui me dando conta que o fio que puxei era ponta de um novelo imenso. E que havia que poupar a caixa de entrada, e o saco, dos amigos. Soltar meu novo umbigo das amarras de minhas vergonhas.

Daí a idéia do blog, coisa que até agora não sei muito bem como usar, mas que será assim mesmo. Um quebra cabeças para muitos e, com esperança apalavrada, um remonta cabeça para mim. E na ordem dos meus desejos, o progresso do blog se obrigará. Arquiteto maluco, começarei pelas bases, telhados e mobiliário, tudo em um mesmo tempo. Quem acompanhar verá os andaimes de minha construção. Retraçarei, na ponta da caneta onde sempre começa o que depois torna-se post/poste/totem, a barra que reacomodará, ao fim e ao cabo, o Desejo e a Morte, novamente conforme os ditames da Lei.

As carambolas? Ora bolas, são frutos do pomar que também já comecei plantar.

O primeiro post a gente nunca esquece (Pipoca)


Escrever é se vingar da perda (W. Salomão)
...Este mail foi composto nas vésperas da passagem de ano. Originalmente destinado a muito poucos, foi se estendendo em correspondentes e, se modificando na medida de meus novos reconhecimentos. Mas fundamentalmente é o mesmo mail que enviei para os poucos poucos na antevéspera de 2007.
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Meus poucos queridos,
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Hoje, fim de um ano que rolou ladeira abaixo para mim, me deu vontade de compartilhar com vocês um pouco do que tem sido esse meu rastejar em direção ao cimo do barranco donde se descortinará 2007. Vejam que apesar do ofídico do rastejar, animal peçonhento e pecaminoso como outro jamais houve neste Paraíso em que vivemos, rastejam também os soldados que tentam conquistar uma cabeça de praia (ecos da Normandia), desde onde agruparão forças para as batalhas que virão, sabendo que esse desembarcar é a batalha decisiva; o resto é só guerra, normal como só um soldado pode considerá-la. Assim rastejo, em busca de uma cabeça de praia no alto do promontório do primeiro de janeiro de 2007, em busca de uma cabeça que virou quebra-cabeça e que venho, nem sempre com infinita paciência, tentando remontar, e sem garantia que, tarefa acabada, reconhecerei a cabeça que venho construindo nos últimos 58 anos; é provável, e muito desejável, que ela venha a mesma mas diferente, mais sábia, mais forte, um pouco mais triste talvez, mas menos no que nela havia de mais e excesso. Esses são meus votos, que não ousam ser promessa, para mim mesmo perante vocês.
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Os dias correm cheios de pequenas, e grandes, providências práticas, o que me permite ligar o piloto automático e tocar o bonde que já não há em Campinas (os havia quando daqui parti). Pipoca tem sido, com sua mudez analítica e sua alegria canina, analista, personal trainer (caminhamos muito pelos gramados que aqui abundam e fazem-no, ao Pipoca, supor-se em alegres férias campestres). Pessoas vejo poucas, são todas muito atarefadas para despenderem tempo com um semi-suicidado na borda do precipício de uma depressão (com a honrosa exceção da Nina, que cheia de cuidados para não romper limites que não nos são claros, está muito presente, em falas, cuidados e ajudas; Bruno, meu filho tornado homem, também, ligando quase todos os dias para saber do pai, enfim minúsculo, e me dar conselhos com aquela sabedoria que só temos antes dos trinta). As festas me incomodam, pois para elas não estou (ainda), mas acabam hoje e as sobreviverei. Os médicos, do coração e da cabeça, ambos partidos, me aguardam em consultas marcadas para os inícios de janeiro, pois a eles recorri sem prurido, admitindo minha incapacidade de remendar-me sozinho. Mas médicos não substituem amigos, mesmo que no momento eu talvez estivesse um amigo meio chato e pesado de carregar, mas, afinal, amigos não são para essas coisas também? Saudades dos maternos carinhos da Anna (única a me ligar até agora; sintam-se cobrados, Ó resto ingrato), de sua risada escandalosa, do meigo que se derrama de seus olhos, da força dos abraços, do estalar dos beijos na bochecha. Sinto falta da crueldade anti-humanista do Jorge, tão bem temperada pelo otimismo maluquinho que sempre me fez muito bem. Sinto falta de suas conversas, onde os planos tintam de rosa qualquer futuro que se apresente sombrio de início; sinto falta dos beijos do amigo, de ficar puto por que ele esquece que marcou comigo e de me alegrar quando o Presidente do INPI finalmente chega, encaixe de agenda que sei carregada. Sinto falta do gay de todos vocês. Sinto falta da Maria, sábia conselheira sem frescuras e deformações intelectuais, amiga importantíssima no período crítico que já venci, e que nunca lerá esse mail por não ser internética (Anna, se puder tire uma cópia e entregue na Dias Ferreira, 669; se o número não for este, qualquer número por perto saberá o prédio da Maria, mulher de seu Zé, porteiro de edifício). Sinto falta do Azeitona e suas abobrinhas botequinescas; das pessoas todas e tantas, que ao nomear umas poucas estou certo de esquecer outras tantas, mas isso desculpa-me minha idade e meu estado dálma; assim, lembro de Christininha, Léo, Ricardo, do enorme coração do Azeitona, da cara de alemão do Peter, de My Boy e suas aterrissagens forçadas, dos meninos que tanto me serviram, mas principalmente do ambiente inconsequente, alegre, ainda que chato às vezes, acolhedor pelo todos reconhecer. Sinto falta! Sinto falta da amiga distante que não pode tocar castanholas para mim (mas que coloco ao meu lado escutando muita Buika), da Lúcia com sua cachorrada em Itaipava, e de alguns outros que não sei nomear agora. Amigos novos que fiz no olho do furacâo, como Cássio e Carol, responsáveis pelas minhas primeiras boas risadas depois de tudo; Lara, que queria ter podido acarinhar muito mais, pessoas que com o tempo, diferentemente de vocês, se perderão nas estradas da vida, mas nunca no meu coração.
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As noites derreto meu cérebro frente a televisão, máquina muito útil quando é isso que dela se espera. Juntinhos, Pipoca e eu assistimos crimes horrendos, dramas românticos bobinhos, só nos recusando, por exigência do Pipoca, a assistir novelas, que dizem que isso vicia. Como para me alimentar (mal), mas ainda sem prazer do paladar. O duro é o ir dormir. Não que os remédios não me apaguem de pronto, ou quase isso, pois assim o fazem. São os malditos sonhos, incontroláveis restos diurnos de dias intermináveis e abomináveis, que me agitam a noite toda, me acordam para que deles eu possa me livrar (e me deixam com o problema de, lembrando deles, tentar dormir novamente assim mesmo), até que em alguma hora matutina, beirando a indecência, para meu gosto, acordo e não durmo mais. Isso pode ser 5:30, 6:00, ou 6:30 quando dou mais sorte. Acordo cansado das lutas sonhadas, remédios ainda não bem metabolizados, achando, a cada dia, que assim não vou agüentar (mas venho agüentando, como podem perceber). Sei que isso passa, sozinho ou na porrada medicamentosa, mas passa. O duro é o esperar passar.
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Fora isso, tudo é resto e nada ainda se conformou. Remendo-me, quase a lá Bispo do Rosário, esperando construir um belo Frankenstein (??). Mas, seja o que vier, o amigo Zédu restará, um dia, em paz.
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Mil beijos,
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Zédu, ou quase Isso.
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Depois deste mail, algo de muito estranho aconteceu. Sem me dar conta, de repente eu me sentia, mesmo, como ali dizia me sentir. O escrito, já banhado no litoral onde foi lançado aos outros, lambido por ondas virtuais e refluxos dos destinatários, o escrito me escrevia, ainda que em traços rasos, mas ali me via inscrito no que restava do mail ofertado aos meus iemanjás queridos. Eu re-tornava apa-lavrado, semeado em letras que foram minhas.
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Dia 31 de dezembro de 2006 virou, realmente, meu dia D, e naquele litoral normando, eu engatinhava, por recém escrito, colina acima, pronto para, em 2007, enfrentar os "alemões e seus canhões", como diria o menino do Chico. 2007 prometia, me garantiam as palavras já lav(r)adas., a normalidade da guerra contra a incerteza do desembarque.
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E 2007 chegou, e continua. E, ao invés de "alemões e seus canhões", fui encontrando sabiás laranjeiras, andorinhas em sua terra, velhinhos nas varandas, outro tipo de passarinho que conheci, que a velhice nos cria asas e nos prepara anjos. Encontrei uma cidade do interior, e outra no interior. Um mundo que, de tão pequeno, me afoga em zilhões de detalhes que nunca terei tempo de esgotar. Uma casca de noz, um universo.
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Na praia onde despertei de meu naufrágio sobredito, era segunda-feira, e a semana começava em Ano Novo.
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O tom soturno, sério, ainda meio enquadrado à tragédia onde naufragara, desaparece dos mails seguintes, e surge, caudalosa, a vontade de saborear as história, sabê-las, fruí-las. Vontade de carambolas.
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Os dois mails seguintes, que aqui serão postados neste meu devido tempo, demonstram um pouco disso. E se constroem em risos, ironias, inocentes maldades, tudo que compõe, enfim, o humor. E marcam, meio mais ou menos, que nem tudo se resume a isso aqui, o fim dos tantos mails para tantos poucos, e a possibilidade de gozar com um blog que ainda não era.
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Foi então que, logo depois, comecei a carambolar leitores e exercitar a verdade do poeta:
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"Escrever é se vingar da perda" (Waly Salomão).




A figura é uma caricatura meio sacaninha porque antiga. Vai ver que é como desejo continuar me vendo. Feita em Firenze, paguei para ser agradado. E fui.