sexta-feira, 20 de abril de 2007

Para Júlia, que às vezes me toca castanholas


La voz a ti debida

Pedro Salinas



Y súbita, de pronto,
porque sí, la alegría.
Sola, porque ella quiso,
vino. Tan vertical,
tan gracia inesperada,
tan dádiva caída,
que no puedo creer
que sea para mí.
.
Miro a mi alrededor,
busco. ¿De quién sería?
¿Será de aquella isla
escapada del mapa,
que pasó por mi lado
vestida de muchacha,
con espumas al cuello,
traje verde y un gran
salpicar de aventuras?
.
¿No se le habrá caído
a un tres, a un nueve, a un cinco
de este agosto que empieza?
¿O es la que ví temblar
detrás de la esperanza,
al fondo de una voz
que me decía: “No”?
Pero no importa, ya.
Conmigo está, me arrastra.
.
Me arranca del dudar.
Se sonríe, posible;
toma forma de besos,
de brazos, hacia mí;
pone cara de mía.
Me iré, me iré con ella
a amarnos, a vivir
temblando de futuro,
a sentirla de prisa,
segundos, siglos, siempres,
nadas.
.
Y la querré
tanto, que cuando llegue
alguien
-y no se le verá,
no se le han de sentir
los pasos – a pedírmela
(es su dueño, era suya),
ella, cuando la lleven,
dócil, a su destino,
volverá la cabeza
mirándome. Y veré
Que ahora sí es mía, ya.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

O valor de uma apóstrofe


Fumar pode levar à amputação, me adverte o Ministério da Saúde impresso lá no verso de meu terreninho na Terra de Malboro. E eu, que sempre am´putei muito, fico a pensar, entre anelos de fumaça, se largando o cigarro não mais am´putaria, coisa que muito me enfadonha as perspectivas. Será que parando de fumar estou condenado aos amores sóbrios, às paixões seríssimas, ao sexuar-me só para fins de reprodução de garotinhos? Jamais am´putaria novamente? O que fariam meus dedos, já que o Ministério da Saúde não me garante o piano no qual me concertaria, se não mais ousassem rapinagens quando enfim me am´puto? Meu nariz, nunca dado ao classificar de vinhos, cafés e outras beberagens, se não se am´putasse comigo restaria cheirando o que? Minha língua que, confesso, já foi mais ofídica, serpentearia por que desvãos se não mais fosse comigo am´putada? Sem contar com meu pobre apêndice masculino, outrora até mesmo másculo, mas que ainda às vezes se ergue e tem belezuras para oferecer, o que seria dessa pobre coisa que em mim carrego pendurado à espreita, se a ela não mais se oferecesse a am´putaria? Mistério da Saúde indeed! Quem souber a resposta, por favor, me conte. Se não me encontrar é que, uma vez mais, caí na am´putaria. Mas volto logo, am´putado e feliz da vida. Se Deus quiser.
.
O maço, vazio; no bar, prateleira e meia
Uma vontade imposta, uma certeza plena
Fumo? Não fumo? Mas é lua cheia
Agarro a desculpa para mais um apenas
Bar do Frango, e de galos velhos, 18 de abril de 2007

Os Ossos do Barão e os Dentes do Leão

I.
Ando achando todas as mulheres gostosas
Peitos, bundas, entrepernas, semblantes e caminhares.
Me parecem lindas, plenas, serenas, e cheias de prosa
Fêmeas bem ditas, muito mulheres, bucetas aos milhares.

Tesam-me a mente, recordam-me sonhos
Revolvem passados, me acordam a besta.
Mas no olhá-las quieto, por detrás tristonho,
Já não sou fauno, virei esteta.

II
Guardo ainda alguma beleza
Um leve toque de realeza
Pinceladas de charmosa tristeza
Sucesso com minhas nêgas Tereza.
BHar do Frango, 18 de abril de 2007

Eumateia


O que, dela, não perdôo nela,
É ter deixado, em mim, essa idéia
De que para além da vida, há uma janela.
.
O que nela, dela, ainda não perdôo
É ter mostrado que para minha aldeia
Há um caminho árduo ou um simple vôo.
.
O que não consigo acomodar em mim,
No que dela inda trago nas veias,
É a certeza impune de um meu triste fim.
.
E temo varandas, sacadas e todas as janelas,
E me sinto aflito a me debater na teia
Onde me espreita a aranha que ainda é dela.
;
Mas na teia apreendo, teço e terço,
O que de mim é tudo e dela é meia,
E da prisão infame me livro em versos.
.
Da cruz me dispo, braços me acolhem
Minhas Marias e um José de Arimatéia.
E pela janela, aberta, dos insetos, me faço pólen.
Bar do Frango, 18 de abril de 2007

Silêncio


Fazer do blog art´manha e ofício
Desaperceber dos amigos as ausências
Desligar de todos a pouca presença
E soltar o verbo, as letras e os vícios.
.
Se colocar à chuva e receber seus pingos
E o sopro dos ventos e o bater das tempestades
E lavrar silêncios e as poucas maldades
Para dançar com Zorba, sempre aos domingos
.
Valer as penas que ali me inscrevem
Dar tempo aos pensos que lá me curam
Esquecer visitas e os que não procuram
Ser sempre só, mesmo que neguem.
.
Nos grãos de areia enxergar desertos
Abandonar o litoral apagando rastros
E fazer da escrita meus próprios traços
Para bem cá de longe, me olhar de(s) perto.
.
.Bar do Frango, em algum momento de abril de 2007

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Marvada carne




Na mesa de um bar, a penas, espero
Cortarem carnes que já foram minhas.
E sou apertos, temores, entre tantos queros
Por essas carnes que me são sozinhas.
;
E se eu fosse Deus, eu me daria
Agora, já, e sem mais demora
A resposta que me acalmaria
O pulso louco e, da espera, as horas
.
E, então, em mim, ousaria um sonho
Feito co´a menina que ainda enfeito
E junto à mulher que ali disponho,
Retornaria infante o meu homem feito.

domingo, 15 de abril de 2007

Menino brincando de pérola


Me basta Así
Si yo fuese Dios
y tuviese el secreto,
haria un ser exacto a ti:
lo probaria
(a la manera de los panaderos
cuando prueban el pan, es decir:
con la boca),
y si ese sabor fuese
igual al tuyo, o sea,
tu mismo olor, y tu manera
de sonreir,
y de guardar silencio,
y de estrechar mi mano estrictamente,
y de besarnos sin hacernos daño
- de esto si estoy seguro: pongo
tanta atención cuando te beso -;
entonces,
si yo fuese Dios,
podria repertirte y repertirte,
siempre lo mismo y siempre diferente,
sin cansarme jamás del juego idéntico,
sin desdeñar tampoco lo que fuiste
por lo que ibas a ser dentro de nada;
ya no sé si me explico, pero quiero
aclarar que si yo fuese
Dios, haria
lo possible por ser yo
para quererte tal como te quiero,
para aguardar con calma
a que tu crees tú mismo cada dia
a que sorprendas todas las mañanas
la luz recién nacida con tu propria
luz, y corras
la cortina impalpable que separa
el sueño de la vida,
resucitándome con tu palabra,
Lázaro alegre,
yo,
mojado todavia
de sombras y pereza,
sorprendido y absorto
en la contemplación de todo aquello
que, en unión de mi mismo,
recuperas y salvas, mueves, dejas
abandonado cuando - luego - callas...
(Escucho tu silencio.
Oigo
constelaciones: existes.
Creo en ti.
Eres.
Me basta).
.
.
Ángel González (Espanha - 1925)

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Caminante no hay camino

Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre el mar.
.
Nunca persequí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles,
como pompas de jabón.
.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse...
.
Nunca perseguí la gloria.
.
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
.
Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar...

Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso...

Murió el poeta lejos del hogar.
Le cubre el polvo de un país vecino.
Al alejarse le vieron llorar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso...

Cuando el jilguero no puede cantar.
Cuando el poeta es un peregrino,
cuando de nada nos sirve rezar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso.







Antonio Machado, poeta sevilhano

terça-feira, 3 de abril de 2007

Receitas de Tio Zédu - Tarot do Bruno



Tarot do Bruno


Tarot do Bruno, Mauá, circa 86. Mó sucesso no Colher de Chá.


  1. Pegue um baralho de Tarot, de preferência daqueles místicos ou mitológicos. O de Marselha não se presta ao exercício.



  2. Minto. Primeiro escolha, ou se ofereça, à vítima (oopppsss!), quer dizer, consulente. Volte ao estágio anterior.



  3. Embaralhe as cartas com alguma dignidade litúrgica (Bruno tinha 8 anos, portanto, permita-se ser infantil)



  4. A consulente corta o maço de cartas. A consulta começa.



  5. Vire uma carta. Em função da figura, componha abobrinhas (mantenha seus oito anos; abobrinhas frescas). Seja romântico: fale em homens lindos, fortunas imensas, viagens fantásticas, aventuras incríveis, tudo no de acordo com o que sua imaginação for capaz de ver na carta (as crianças fazem isso muito bem; seja criança). Não olhe muito para a cara da consulente. Mantenha a pose de criança sabida.



  6. Vire outra carta e repita as instruções acima.



  7. Quando, em algum momento da consulta, virar a carta da Morte, olhe fixamente nos olhos da consulente e afirme, serena mas firmemente: Daí você morre!



  8. Fim da consulta. Panos rápidos

Sucesso não garantido para maiores de oito anos. Tente assim mesmo. Quem não arrisca não petisca, nem belisca.
Boa sorte.

Web Tide






Navego em ondas sem fim
por mares ainda mais imensos,
sem porto que me caia à vista
em um triste navegar.
Pois não têm de ter fim as ondas?
Não há que se desmanchar em´spumas?
Fazer rir crianças quando, aquietadas,
lambem areias?
Não é das ondas arrepiar os corpos
no encontro frio com as águas que nelas ondulam?
Serem mansas, bravias, e sempre outras?
.
Onde as conchas que minhas ondas não desvelam?
Onde o barulho, se nunca se quebram?
A fúria, se não desmontam ruidosas?
O sabor, se não lambem areias?
.
Que ondas são essas, essas ondas minhas?
Que mar é esse que me navega?
Onde as crianças, as mães aflitas e os grãos de areia?
Onde meu povo, meu litoral?
As oferendas, onde estão?
As flores, as palmas as velas e os organdis?
Onde minha arrebentação?
Onde os nomes, as juras e as pegadas
Que em lambê-las, apagaria em traços?
.
No entanto são essas essas ondas minhas
Ondas desertas de espuma
Sem saber a sal ou mares
Sem praias para morrer
Sem areias para lavar os rastros.
Sem litoral, erram neste mar que mar não é
Saem de mim, fogem de mim, vou sempre com elas
Nelas me perco na rede de suas marés
De solidões povoadas, escolhos, naufrágos e míticas sereias.
.
Pois são assim, essas ondas minhas.





Bar do Frango, 07 de fevereiro de 2007

O Elefante e os Cientistas

Pequena bula i Moral

Como sempre, era uma vez. Desta, era um elefante. Daquele dos grandes, soberbo mas pachorrento, de uma platitude não toda bestial. Meio adormecido, pastava, o animal, lenta e ternamente.

Soltos pela savana, erravam os cientistas. Um para cada ciência. Curiosos porém cegos. E por serem todos cegos, desconhecedores da cegueira que os marcava. Procuravam, cada qual, histérica ou o-b-s-e-s-s-i-v-a-m-e-n-t-e, saber o elefante.

Se encontram, o elefante e os cientistas. E pastam. O elefante lentamente.

Qual histriônica hiena, cada cientista agarra uma parte do elefante. Se anuncia, sobe ao púlpito e, palpitando, descreve o bruto. Para tanto, alisa, apalpa, cutuca e sacode a parte que lhe toca da Coisa. Pensando ser seu (,) o animal (,) descreve-o. E assim, vários elefantes são descritos. Árvores frondosas resultam de pernas, longos chicotes do rabo, enormes sucuris da tromba, do corpo himalaias e buracos negros. O Real, mudo, pasta.

Ao longe, cega e paralítica, a velha Filosofia sente cheiro da elefanticidade no ar, essências e vibrações. E por meter o nariz onde não é chamada, cheira o elefante-em-si. E por não ter elefante que lhe toque, dele fala melhor que muitos, de longe.

De repente, vem, sem ser convidada, a Psicanálise. Se anuncia, pega sua parte do mistério, sacode, alisa e balança o bruto. Do jeito como soem os cientistas, querendo agradar aos colegas que, ranzinzas, reclamam do cheiro do charuto.

Súbito, o elefante de todos começa a se mexer. Estremece, se sacode, se tensiona, converte e se relaxa, mil coisas. Alguns cientistas reclamam da Psicanálise, outros nem percebem que algo mudara depois dela, vários querem expulsá-la, uns poucos entendê-la, outros tantos, ainda incomodados pelo charuto, a chamam macumbeira. Até a Filosofia, distante, sente cheiro de mudanças no ar, aliás ao longe.

A própria Psicanálise se espanta. Não era esse o objeto de suas fantasias científicas. O dito cresce, mexe e remexe, sobe e desce, estremece e amolece, sem parar. A Psicanálise tenta começar sua descrição, que tem que vir em um discurso sem fim, visto não parar quieto seu elefante. Algumas vezes, perplexa, ela se pergunta: "Mas o que é o elefante?". Outras, supostamente sábia e decididamente vingativa, phala à científica turba que se agita: "O meu elefante contém mais elefante que o seu". Outras tantas, vestida no seu terninho brega-chique, entre um gole de cabernet e um naco de camembert, com ares de seminarista sádico, e agarrando-se avidamente à bengala francesa, afirma em língua romana para os corsários e seus aboletados papagaios tropicais: "El infante não existe; de uma metaforonímia é, sempre, assim, portanto do que, sendo o que não é, se trata. Voilá". No mais das vezes, sei , mil coisas.

O Real, goza. E sonha, aliás.

De longe, uma latinha de extrato de tomate a tudo olha. Contidamente, como fazem as latinhas que olham o olho que as olha e como convém a qualquer a na lista. E pernas, trombas, rabos, enorme corpanzil e uma pica, elefantemente imensa, onde se pendura, extaticamente convertida, uma histérica fumando um charuto. (1)

A pica do elefante. A parte que nos coube deste lato fundo. . Ou pelo menos até que o pau-que-dorme não acorde e se lembre, saudoso e desejante, de uma certa carona para uma certa formiguinha...

.

.

Moral (aberta) da história

Se a marca é pica, bons produtos indica?

Pela adaptação: Zédu


1. Dizem que, metida a Moisés, agarrada ao que pensa obra sua, a Psicanálise , a la mestre florentino, em doce vingança, demanda: Fala!. Ao que a coisa, falasse o Real, responderia: Phala é a mãe! Eu (sou o) Phalo!. Dizem, mascontrovérsias.

domingo, 1 de abril de 2007

Abril, a luta contra o retorno do que não foi.


O Retorno do pós-dilúvio, o esfumaçado. O quadro é de Turner.



Abril de 2007