terça-feira, 30 de setembro de 2008

O protesto dos sabiás




O ano? 1968. O ano em que a coisa ficou complicada aqui embaixo do Equador mais tropical que há. No final dele viria o AI-5, o sumo da burrice militar, os anos de chumbo, a covardia do Sistema, as mortes, os desaparecidos, os exilados, a nossa impotente derrota por muitos anos, até que a burrice se consumisse a si própria e caísse de podre. Em 1968 a ditadura, estúpida como soem ser as ditaduras, piorada pela burrice endêmica da classe militar brasileira, se instala sem vergonha sobre o país. Mesmo antes do terror anunciado, no entanto, já vivíamos exilados de nós mesmos em uma terra que não podíamos tratar como nossa.
Nesse ano, o Festival Internacional da Canção, patriocinado pela mesma Globo que vem navegando por ditaduras e democracias, escolhe duas músicas como finalistas de sua fase nacional. A escolhida iria "representar o Brasil" na fase internacional do festival (a Globo sempre teve essas manias de grandeza, esse desejo de ser internacional, coisa que um Bispo esperto anda incomodando): Prá Não Dizer Que Não Falei das Flores, de e com Geraldo Vandré, e Sabiá, de Tom & Chico.
A história vocês conhecem (ou não, já que ela tem 40 anos de idade e não tenho a mínima idéia da tua, ó leitor, e menos ainda de onde no mundo você me lê -também tenho minhas manias de grandeza, ainda que incentivado pelo meu contador). O Maracananzinho em peso canta com Vandré, que se apresenta sozinho com seu violão. Coisa de arrepiar qualquer um, mesmo sabendo que até Roberto Carlos, cantando suas bobagens atuais, acompanhado por um Maracanã de gente, é capaz de arrepiar qualquer um. Sabiá vence e recebe uma das maiores vaias já escutadas em festivais. É imediatamente classificada, em nossa tola festividade inconsequente, como música tolinha, cantiga de amor não condizente com a revolta instalada em nosso peito juvenil.
40 anos depois, pensem bem: qual das duas representava mais o sentimento de dor, tristeza, exílio em sua própria terra? A conclamação às armas explícita de Vandré ou a melodia do Tom, linda como só o maestro soube fazer na MPB, e a letra do Chico a nos lembrar do sabiá de Gonçalves Dias, das palmeiras que nunca crescem nos desertos do exílio, do sonho da volta e do dia que iria raiar? Quem protestava? Quem bradava burramente frente o Poder Armado e violento que nos calava, como depois calou Vandré, de alma perdida desde então? Com quem, até hoje, cantamos com uma emoção que só uma música linda, com uma letra primorosa, é capaz de fazer cantar emocionados? Quem ficará, sejam quantas forem as burrices, as ditaduras, as tolices liberais, que ainda hoje nos impedem esse Brasil onde, um dia, ainda cantará, soberano, uma sabiá no alto de uma palmeira que ainda não há?
Eu era jovem e também quase me enganei na classificação estúpida de "musica bobinha" que Sabiá recebeu. Não me lembro se vaiei, mas talvez tivesse vaiado. E Sabiá aqui comparece como meu pedido de desculpas envergonhado pela nossa estupidez da época. As massas unidas são sempre burras e presas fáceis das bestas armadas. A poesia, em música e letra, essa atravessa paredes, décadas, censuras e permanece, cada vez mais viva.
Agora vou até a Praça, olhar a palmeira que há por lá e, quem sabe, com sorte, escutar cantar uma sabiá.
Desculpa Chico, Saravá Mestre Antonio Brasileiro de Almeida Jobin!


segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Só neste despedido



Me confesso tão cansado
Desta minha vida herivelta
De nossos pobres recados
De, em mim, o tolo poeta.

À Dalva, minha estrela-guia
Entrego minha toda renúncia
O sumo de minhas agonias
O vazio de minhas denúcias.

E espero, de coração perdido
O encontro de nosso encontro
E a escuta de um meu pedido.

Onde contaremos o conto
De um nosso amor despedido
E, da história, o devido ponto.

Frango, 29/09/08

A solidão do poeta




Matisse


A Hora Íntima

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: - Nunca fez mal ...
Quem, bêbedo, chorará em voz alta
De não ter me trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até as estrelas da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: - Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços.
Quem há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: - Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia de meu funeral?
Qual a que não estrá presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: - Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: - Não há de ser nada...
Quem será a estranha fugura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

Rio, 1950 Vinícius de Moraes

Dois Rios


Cantar, dizem, é um afastamento da morte. A voz suspende o passo da morte e, em volta, tudo se torna pegada da vida. Dizem mas, para mim, a voz serve-me para outras finalidades: cantando eu convoco um certo homem. Era um apanhador de pérolas, um vasculhador de maresias. Esse homem acendeu a minha vida e ainda hoje eu sigo por iluminação desse sentimento. O amor, agora sei, é a terra e o mar se inundando mutuamente.

Mia Couto
Por Inês

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Sampa

Mantenho com São Paulo uma relação longa e complicada. No início, nos meus tempos de criança, era quase uma cidade mítica para a qual eu ia na Maria-Fumaça que ligava Campinas à Estação da Luz. A curiosidade infantil me tingia a cara de preto, fruto da fumaça que em mim se tatuava a caminho de São Paulo (e que nem as broncas da mãe conseguiam evitar). A Luz era um outro mundo que já nem me lembro para onde me levava.
Depois, muitos anos depois, morei em Pinheiros durante todo o meu tempo politécnico. E São Paulo foi se apresentando um mistério, um lugar onde o menino, reizinho do Culto à Ciência, se perdia em um anonimato que Campinas havia me desacostumado. Com isso, passava a semana devida lá e corria, nos finais de semana, para Campinas, para a namorada, para os amigos que corriam para cá de outros lugares, para o Ponto Chic das putas e dos taxistas que nos acolhia, ruidosos depois dos namoros ainda nos portões. Fui aprendendo a dizer: Não gosto de São Paulo.
Aí, sumi no Rio de Janeiro e lá construí minha vida, minha família, meu desatino, meu fado e meu destino. Quando vinha a São Paulo, só via o trânsito difícil, a falta das montanhas, a ausência da maresia. E, dizia, odiava.
Bem mais tarde cheguei a morar em São Paulo novamente. Mas eram épocas sombrias que nunca me tiraram da Higienópolis onde me escondia. São Paulo? Pouco vi. Continuava me sentindo um carioca exilado, contra a vontade, nos cinzas da cidade que me recolhia. Um dia, na busca de minha vida, retornei ao Rio de onde nunca havia saído.
Depois, anos, séculos, depois, voltei para Campinas um quase eu, criei blog, inventei uma Praça, fui me fazendo meio campineiro, apesar do sotaque que insisto em não perder. São Paulo era logo ali, sem fantasmas, sem recusas, mas sem motivos.
De repente me vi frequentando a Bandeirantes como quem navegava pela Brasil em direção ao Fundão. Mas, São Paulo continuava um único ponto, complicado, difícil, onde fui sempre com receio de ir. De onde me despedia um sorriso e um convite para voltar que nunca chegava.
Hoje, gosto de acreditar, São Paulo se abre em sorriso e convites. Descubro outra Zona Sul, sem garotas a caminho do mar mas onde me espera um sofá bem mais franco. Descubro um centro, viadutos, vales, geografia. Descubro que em São Paulo as pessoas se descobrem. Descubro uma nova vontade de ir para São Paulo, um bom motivo.
Acabarei gostando? Sei lá. Mas sei que, sim ou não, isso só dirá de mim, nunca mais da cidade.


O nascimento do cravo



montagem fotográfica: Zédu
Para você, um cravo
Bem apimentado
Temperos fortes
Que te quero dados
Agora que és o norte
De meu (n)ovo reinventado.
E, naquilo que de ti me importa,
Te beijarei atrás da porta.
Sonho desperto,
Olhos bem abertos,
Apostando tudo
No criado-mudo
Que nos espiará, discreto.

Para M.
Frango, 24 de setembro de 2008

Herivelto







Não preciso de bengalas,
porque enxergo.
Nem de fazer as malas,
porque não me vergo.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Menina com brinco de pérola























O que me encanta é a magia,
Que resiste ao nada que a sustenta
O que me seduz é a beleza,
Que resiste às carnes corroídas
O me diz é o carinho
Que resiste à ausência que se impõe ao toque.
.

O que sei é o que me sinto,
Belo, encantado, acolhido
Como a pérola da qual nada sabe a concha
Me resguardo em quem não me sabe.
Escondido, escandido, nada para nenhum olhar
.

Até que um pescador me colha e me revele,
Outra pérola em busca de uma menina
Que me fixe enfeite, enfeitiçada,
E me retorne ao nada donde parti.
.
.
Para ser lido, e olhado, escutando Bizet, Les Peucheurs des Perles, de preferência cantado por Alain Vanzo
ver comentários sobre o retorno da postagem

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Pérolas do brinco de uma menina




Para sempre me ficou esse abraço.
Por via desse cingir de corpo minha vida se mudou.
Depois desse abraço trocou-se, no mundo,
o fora pelo dentro.

Agora, é dentro que tenho pele.
Agora, meus olhos se abrem apenas
para as funduras da alma.

Nesse reverso, a poeira da rua me suja é o coração.
Vou perdendo noção de mim, vou desbrilhando.

E se eu peço que ele regresse é para sua mão
peroleira me descobrir ainda cintilosa por dentro.

Todo este tempo me madreperolei,
em enfeitei de lembrança.

Mas o homem de minha paixão se foi
demorando tanto que receio me acontecer
como à ostra que vai engrossando tanto
a casca que morre dentro de sua própria prisão.

Mia Couto
De Inês, no 24 de setembro de 2008 

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Ausências e despedidas




Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos deseperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra almadiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei ... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu te trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinícius de Moraes





O comentário que virou post



Era o teu rosto.
Era a tua pele.
Antes de te conhecer,
existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens
que olhava ao fim da tarde.
Muito longe de mim,
dentro de mim,
eras tu a claridade.

José Luís Peixoto

comentário de Inês em Venezianas

sábado, 20 de setembro de 2008

Alegria passarinha de Moraes. Passará?




A um passarinho

Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.

Deixa-te de histórias
Some-te daqui!

Vinicius de Moraes

Jacobinos e girondinos




A canção, On the sunny side of the street, composta em 1930 por Jimmy McHugh tem deliciosa letra de Dorothy Fields, uma letrista quase esquecida (escreveu mais de 400 canções, várias delas inesquecíveis) mas tão grande quanto outros que não esquecemos jamais. Essa sunny song virou standard do cancioneiro popular americano, e tem quase tantas gravações instrumentais (Dave Brubeck, Louis Armstrong, Benny Goodman, Lionel Hampton, Errol Garner, Dizzy Gillespie, e Count Basie, entre outros), quanto vocais (Frankie Laine, Ella Fitzgerald, Judy Garland e Frank Sinatra, além de vários outros) . Acabou se tornando uma das Sinatra´s songs, sem que necessariamente a gravação dele seja a melhor. Aqui ela comparece numa deliciosa interpretação de Willie Nelson.
Sobre os jacobinos e girondinos? Isso não conto, mas dois lados de uma revolução, um deles fica, hoje, on the sunny side of the street.



quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Impressão Digital



Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem lutos e dores
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros, gnomos e fadas
num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.


António Gedeão

(Portugal/1906-1997)

Obrigado, Inês

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Botequinesca



Serviço
Garçon!
Na caipira,
de cachaça,
pouco açúcar,
e muito gelo.
O chopp,
sem colarinho.
Depois,
com afetada simpatia
e servil zelo,
favor nos deixar
sozinhos.

Reescrita e dedicada no 16 do 09 de 2008

Musiquinha infantil





Se essas ancas, essas ancas fossem minhas
Eu mandava, eu mandava a mão pousar.
Com carinhos, com carinhos de amante,
Para o meu, para o meu amor sonhar.







Pisadas Astrológicas


Às vezes, pisamos nos astros distraídos. Mesmo depois de sabermos deles pelos astrólogos de plantão. Pois pisar vem  no nosso destino, nos astros revelados, e é sina do mesmo sintoma que goza quando os astros, na palavra de um outro, nos bem dizem. 
Por outro lado, Chão de Estrelas é marco da MPB. Maysa é musa. A coisa toda é linda. Juro que, tivesse eu mais tempo (quem sabe?) faria com a música algo mais elaborado. Enquanto não faço, e enquanto fico sem saber de meus astros, distráidos ou não, curtam a música.


segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Frestas Venezianas







Descobrindo os véus das musas




A musa,
usa e abusa,
do poeta que nela se inspira.
O poeta acordado,
trabalha, transpira
e poema dobrado.


"Porque eu não acredito na existência das musas. Em primeiro lugar, penso que que o sussurro da criatividade, o murmúrio do daimon e dos brownies é sempre conquistado na base do esforço (como dizia Picasso, que a inspiração te pegue trabalhando); e também estou convencida de que ... as musas mais eficientes não são os verdadeiros amados, e sim as ilusões passionais. Quer dizer, a pura fabulação. Quanto mais longínquo, mais frustado, mais impossível, mais irreal, mais inventado for o relacionamento sentimental, mais possibilidade tem de servir como estímulo...O imaginário reaviva a imaginação, enfim, enquanto a realidade pura e dura, o ruído imediato da própria vida, é péssima influência literária" (Rosa Montero em A Louca da Casa).

Godot não chega nunca, por definição


E como disse Lacan, na abertura de um de seus seminários (que imagino repleto de histéricas transferidas na platéia): "Eu não quero que me amem, quero que me tratem bem"


Habla, Lacan!




Amanhecer no Araguaia

Cantiga de Acordar (Edu e Chico)

Foi uma ilusão

Uma insensatez
Há que pôr o chão
Nos pés

Era como um trem
Que anda sem passar
Era um tempo sem
Lugar

Mas
Foi um sonho bom
De sonhar porque
Me sonhava com
Você
E então seu canto veio me acordar

Era uma ilusão
No interior
De uma outra ilusão
Maior

Mas
Você foi pro sol
Noite me envolveu
Num silêncio igual
Ao seu
E então seu canto veio me acordar

Tudo é uma ilusão
Os que estão aqui
Esses não estão
Em si
Do universo, o além
Faunos ou mortais
Vão restar mais nem
Sinais

Tudo o que se vê
É o sonho de algum
Pobre sonhador
Todas as estrelas
Todas as misérias
Todos os desejos
E a canção do meu amor
Tudo o que se viu tudo o que se foi

Última ilusão
Amanhece já
Vai-se abrir o chão
Quiçá
A ilusão se esvai
É uma cena só
E a cortina cai
Sem dó
Vai cessar o som
A sessão já foi
Despertar é bom
Mas dói

Pedras vão rolar
Choram serviçais
Vão se espatifar
Vitrais
Tomba o refletor
Ardem camarins
Cai no bastidor
A atriz
Descarrila o trem
O pilar cedeu
Vai morrer meu bem
E eu

Num jardim fugaz
De espirais sem fim
Eu corria atrás
De mim
O homem se distrai
Dorme em boa fé
Sua sombra sai
A pé

Mas
Foi uma ilusão
Uma insensatez
Há que pôr o chão
Nos pés

 Edu Lobo  & Chico Buarque

domingo, 14 de setembro de 2008

Estudo para um vídeo cheio de vazios e sombras




O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite.
Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio,
minha dor de cabeça, meu medo da morte

Joãpo Cabral de Melo Neto

Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

Carlos Drummond de Andrade

Perdoa-me por ser tão só, e falar-te
ainda do meu exílio. Perdoa-me se não
te peço a paz. Apenas pergunto: que me
darias se a pedisse?

Casimiro de Brito

Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você
não conhece como mergulhei.

Clarice Lispector

Depois de te perder
Te encontro com certeza
Talvez num tempo de delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei, como encantado,
Ao lado teu.

Chico Buarque

E o que redime a vida
É ela não caber
em nenhuma medida.

Miguel Torga

Quem foi que à tua pele conferiu esse papel
de mais do que tua pele ser pele de minha pele?

David Mourão Ferreira

Pergunto-me desde quando
deixou de haver futuro nas janelas.
Janeiro dói nos olhos
como areia

Rui Pires Cabral

I´m all of me, can´t you see?


A música, com Willie Nelson, ficou uma delícia. Desde que a escutei pela primeira vez no dia 31 de maio, bem na virada de algo que me marcou outro em mim mesmo, eu queria colocá-la por aqui. Precisei esperar as caras felizes, o menino sorridente, e muitas outras dificuldades que a música me colocou. Valeu todas as penas!



Tessituras


I.

Repetição:
Teu fantasma, meu fantasma,
Assombração.

II.

Quando a alma caatinga
o poeta se recolhe
e a poesia míngua

III.

Chocante!
Absurdo!
Um moço tão falante,
mas tão surdo.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Cem anos de perdão (pelo vídeo roubado) ou Presente final


Era uma vez uma menina muito curiosa. Vivia dizendo que queria aprender comigo essa coisa dos filminhos que eu inventava por aqui. Nunca tive tempo de ensinar-lhe nada.
Um dia ela, bem como ela é, meteu as caras no Windows Movie Maker e fez um filminho que me deu de presente. Respondi com outro e não falamos mais nisso.
Bem pouco tempo depois ela faz essa belezura que vocês também poderão ver lá onde lá onde ele se explica melhor. Morri de inveja. Roubei.
E se vocês querem entender melhor o video, a arte da escolha que nos confunde a princípio, cliquem aqui. Aí, além de dar todo o sentido ao vídeo, com as palavras que aqui florescem como as outras flores,vocês vão cair em um espaço cheio de nacos de beleza por escrito.
Palavra deste ladrão que, roubado, aqui implora seus devidos cem anos de perdão.



Adorando os 60


Foto: Neuza

Estou adorando essa coisa de fazer 60 anos. Não sei se é porque as pessoas ficam com dó do velhinho, mas nunca fui tão acarinhado em um aniversário como neste. Acho que vou parar nos 60, e repetí-lo até o fim.
E o blog vai servindo como meu lugar de guardar presentes que continuam a chegar das pessoas queridas. Esse veio de Neuza, encontro antigo e fugaz que virou amizade gostosa.
O Zorba foi, em 1964, época de tantos filmes cabeça, uma explosão de alegria, uma leveza que nos lavou a alma. Absolutamente combinando com a minha alma hoje.
A foto, com a qual Neuza embrulhou meu presente, é linda, é em paz, outra coisa que fala deste day after de meu mais querido aniversário.
E divido com todos vocês, meio que agradecendo as linhas, os livros, os telefonemas, as dedicações, as lembranças, que me farão, por muitos dias ainda, um meio Zorba, alegre, cantante, dançante, amante.
Meu presente são meus amigos.
PS. Anthonny Quinn era uma criança quando fez o filme, 49 anos. E eu juro que assisti achando-o um velhinho encantador. Pois é!




Grande amiga, sempre presente





 

Deter o andar do tempo
Antonio Miranda Fernandes

Como faz, suponho, quase toda gente,
Eu, às vezes, para avaliar os meus passos,
Interrompo o caminhar e olho para trás.
Neste mundo em que quase tudo se
Compra e se vende,
Vejo um tabuleiro aberto, talvez pequeno,
Com coisas que dividi e ainda o faço,
(mesmo porque a bagagem ficaria pesada)
Sem nada pedir em troca.
Meu coração não tem sombras como abrigo,
E raramente vivi medo que eu não esperasse,
Ou fiz meia-volta diante de um perigo,
Se o meu objetivo estava adiante.
Mas hoje me pergunto que corda usar,
Que laços fazer para deter, num avançar lento,
Sem que ele deixe de ser meu,
Este andar do tempo que me incomoda.

Presente de |Meire

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Menino encantado

O ano que hoje incio foi um ano de grandes conquistas. Saindo de uma solidão necessária em setembro de 2007 (que revejo nos poemas que postei como "Contagem regressiva"), o ano foi de consolidação de perdas passadas, de moças do sonho, de gente nova, novas perdas que doeram mas me mostravam vivo, doenças de amor, encontros e reencontros, idas e vindas, e, mais que nada, uma aprendizagem muito grande através dos mais variados tipos de amigos que fui recolhendo durante esse ano todo até a data de hoje.

De certa forma, o ano foi de confirmação do menino que suporta o idoso que hoje tornou-se oficial. Esse menino que vai ajudando tudo que em mim era velho a aprender o valor da ternura, da confiança em um outro, do encantamento com o simples, da desnecessidade dos rótulos, dos perigos dos nomes que nos engessam. Mais menino, vou brincando de viver com 60 anos. E me divertindo.

Por isso a volta da música que aqui já compareceu, as palavras de Vasco Gato, e a dedicação a todos que hoje caminham mais encantados ao meu lado. E meu agradecimento mais sincero àquela que tanto me ajudou nessa passagem dos últimos meses. Minha mais querida, e muito mais que querida, amiga. Com ela ganhei, de mim mesmo, uma aposta. E começo, hoje, outra.

Presente de aniversário


Clock Explosion - Salvador Dali
SONETO DE ANIVERSÁRIO

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.
Faça-se a carne mais envilecida

Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura..

E eu te direi: amigo meu, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.


Vinicius de Moraes - Rio, 1942.


Presente de Inês

sábado, 6 de setembro de 2008

Contagem regressiva: -2 (Meu presente aniversário)



Pela primeira vez neste século
ninguém convidará meus amigos,
encherá balões coloridos,
escolherá o bolo do aniversariante.
Nem enfeitará as mesas
de um improvável Azeitona,
que se tranformava no seu ser radiante.
Ninguém fará a feijoada impossível,
de fogão inaugurado só para meu ser feliz.
Ninguém enfeitará o gramado,
com mesas de bem querer.
Ninguém convidará Francisquinho,
Eliza, Fernando,
e meu doce Miguel Arcanjo.
Ninguém me dará a risada da Anna,
a alegria do Jorge,
Marco Aurélio, pai de mesa e cama,
e a brisa de minha sacra família
e a vista a perder de vista.
Sem Christininha de Moraes,
sempre muito mais Gurjão,
Azeitona, Severo, Toninho,
Olavo que não há mais,
todos meninos do velho bar que morava em meu coração.
Ninguém me dará uma festa,
surpresa que eu sempre dizia besta.
Com ninguém teimarei nada querer,
não farei de conta um desejo de ficar só,
manha bobinha da criança que sempre quis dó.

Estarei só.
De todos vocês.
Estarei só
de quem, sempre, tudo isso fez.
Só!
Sem Gilza.
De vez.

Meu aniversário morreu.
Sobrei eu.
E os anos que insistem em passar,
até eu mandar parar.

postado em 06 de setembro de 2007

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Aniversário (2007)




Aniversário
[Álvaro de Campos]

No TEMPO em que festejavam
o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam
o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

recebido de Inês, como um comentário, e presente, a 
uma postagem de 06 de setembro de 2007

Escritura


De repente, te vi
querida amiga distante.
Tão dentro de mim,
tão impossível instante,
tão eu já não mais de ti,
breve começo que já chegava ao fim.
E foi na alegria
por ti sentida
que me descobri
assim de partida.
Nos sorrisos do dia,
restos em minha imaginação,
no teu rosto a sonhada alegria,
a inevitável comemoração.
Pizza, família, folia.
Lá eu não estava,
nem poderia.
E só me restava
dar algumas palavras frias
deste calor primeiro que me invadiu,
deste novo gostar que vou descobrindo
dos véus amorosos,
dos dias gostosos em que você não fugiu
- e  foram tão poucos -
de meu coração repartindo,
do mudo que ficou rouco,
da ida agora sem volta,
da volta para detrás da porta.
E a palavra entristecida
que não podia ser dita,
que não cabia no dia,
que não deveria,
criou raízes em mim.
E fiquei, alegre e triste,
assim.
Como quem já não insiste
e troca
o sonho
pelo que não existe.

Frango, 02 de setembro de 2008

Contagem regressiva: -3



De linda menina do Rio,
a musa do canhestro Frango,
jamais uma decadência.
Antes, a prova, a sangue frio,
que seja qual for o marmanjo,
teu charme é uma indecência.

Uma fêmea em tom maior,
uma beleza daquelas raras;
além de meus olhos de amor
e todas as minhas taras.

Pois seja, minha menina,
em todo teu resplendor,
mulher em minha retina,
sonho onde morro de amor.

Bar do Frango, 05 de setembro de 2007

Feeling the blues

Coisas que só a madrugada explica. Mil coisas!


quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Quem nunca foi brega que atire a primeira pedra

Morreu hoje Waldick Soriano, um dos reis do brega-brega, que outros, e até bem mais chiques, bregas continuam por aí. Mas Waldick era um brega orgulhoso e, principalmente, não era cachorro não. Com seus óculos escuros, seu chapéu, bregas, é claro, Waldick já embalou bebedeiras e nos divertiu em noitadas de botequim (que estas, quanto mais avançam, mas deixam confessar o brega em nós; ninguém termina a noite cantando O Barquinho; não teria a menor graça, nem combinaria com os cotovelos doídos). 
Andava sumido o Waldick e, agora, sumiu de vez. Era tão autenticamente brega que não havia lugar para ele nesses tempos de breguices fabricadas e marketadas.
Saravá, Waldick. Pipoca manda um abraço de quem também pensa que não é cachorro.



E la nave vá



No teu corpo me redimo
de outras poucas maldades.
E retomo de mim meu arrimo,
senhor de minhas vontades.

No teu sorriso reencontro
a fala julgada perdida,
a palavra, a letra, o ponto,
a escrita desaparecida.

E me revejo em teu olhar
em brilhos que em mim ardem
e me obrigam um novo sonhar.

E em ti refaço a coragem
de jamais temer o falar.
Sem covardias, sigo viagem.
Frango, 03 de setembro de 2008

Contagem regressiva: -4 (Odisséia do mero eu)























Se desse seu navegar a toa
Acabei virando porto,
É melhor esclarecer, numa boa,
Pra que nada nos reste torto.

Que você esteja atento
Nessa minha parca odisséia,
Aos versos soltos ao vento
e minha toda prosopopéia.

Não falo aqui de sereias,
Que coragem não tive tanto,
De me amarrar com correias
Para delas escutar o encanto.

Nem conto de outros monstros,
Nem de lutas c´outras gentes.
Pois se Homero me assopra o ponto,
Meu grego é bem diferente.

Não lerá sobre ilhas mágicas,
Nem de como carambolei ciclopes.
Mas, de tudo a coisa mais trágica,
É Penelope, que perdi em duro golpe.

Odisséia, apesar e mesmo assim,
Aqui canto um quase nada
Da história de como sarei de mim
E toquei minha jornada.

Pois se grega foi a tragédia
Onde tudo começou,
Aqui, sem ser jamais comédia,
Do drama pouco restou.

Mas você tem que querer
Ler o blog de cabo a rabo,
Sendo o cabo o seu nascer
E o rabo o que aqui não acabo.

Pois quando, vindo lá do começo,
Aqui você retornar,
A menos de algum tropeço,
Mais viagem há de encontrar.

Por isso, lhe peço, atente,
Para o ritmo da falação.
E sabendo que sou só gente,
Há de costurar a questão.

Fique então, pois, avisado,
Se aqui acabou de chegar,
Que meus versos ficam pelados
Se ao começo não se emendar.

Mas confesso, sem vergonha,
Que preferia esses versos cantar
Para uma cabeça na fronha,
Para a mulher de meu deitar.

Assim, se souber de alguma
Que se encante com tanto querer,
Me aponte, me mostre a uma
Que vai comigo a-mor-te-cer.

E, depois de tão confessado,
Lhe deixo com sua vontade,
E lembro que preguiça é pecado
Que faz da vida metade.

Mas se você não está contente
Com esse meu cordel encarnado,
Não se avexe, siga em frente,
Meu prazer já está postado.

postado no 04 de setembro de 2007

Lacaniana


Dürer
A mulher para um homem é um sintoma;
O homem para uma mulher, uma tragédia.
Mas o sexo de cada um só se conforma
Nos atos de uma particular comédia.
03 de setembro de 2008

Contagem Regressiva: -5 (Só as palavras me acreditam)

Vivo pelas palavras,
É nelas onde me acredito.
Mas elas não me são escravas,
ao invés, me escrevem os ditos.

Das palavras sou sujeito,
Em um amor de perdição.
São rochas, areias e seixos,
Ferramenta, enfeite, facão.

Não me abandonam nos sonhos,
Acordado me tecem as telas.
E amoroso , triste, alegre ou risonho,
As palavras ventam minhas velas.

Com elas encanto amores,
Acolho, penas e risos, dos amigos,
Consolo minhas próprias dores
E piso nos astros distraído.

Mas as palavras são poderosas.
Bem ditas, me fazem as vontades
Mas, mal ditas, são perigosas
E semeiam tempestades.

Há que cuidar no dize-las,
Com desejo, torná-las benditas,
Com amor, bem escolhe-las
Para que valham a fala e a escrita.

Postado em 03 de setembro de 2007
ver comentários

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Martha, my dear


Quando os Beatles apareceram ficamos numa encruzilhada. Por um lado tinha a música que nos apontava algo novo; por outro, os velhos comportamentos românticos que insistíamos em continuar sob o novo som. Tolinhos, não percebemos que algo muito mais fundamental que um novo som estava começanco a reformar a nossa sujeição (aliás, nem os meninos da banda sacavam isso). E só por isso os Beatles até hoje marcam esse momento de reviramento nas artes e manhas do discurso que nos sujeitava/sujeitaria.
Os ecos dessa virada vinham desde muitos anos atrás, mas muitos mesmo! Freud, avô da Xuxa, inventando a sexualidade infantil que a neta até hoje explora, nem desconfiava o que a clareza que sua análise da cultura permitiria um Outro bem maior que as tonterias vienenses ousavam a apontar corrigido pelo futuro de uma ilusão que morreu na praia que em Viena nunca houve. E muito mais ensinou o bom velhinho ao discurso atemporal que o continha. Ou alguém tem dúvida de que a Psicanálise mudou o mundo e reensinou o Outro?
Quando os alegres meninos de Liverpool chegaram, sem saber de onde vinham, nem para onde apontavam (lembrem-se que os Rolling Stones já eram bem mais mal comportados que eles e, por isso, nunca maracaram a virada que exigia uma ingenuidade que já não tinham), ainda vivíamos, nós, os que namoramos ao som deles, nos limites de uma pré-história romântica e tolinha. E isso, mais a brincadeira aqui nomeada, é o que nos mostra este vídeo: o ridículo e a modernidade (a pós só viria depois, como soe acontecer com tudo que vem após). O Outro, cansado de ser sensor, começa a se propor nosso sensor, o seis por meia dúzia que mudou tudo.
Mas a música é divertida, o nome se encaixa e o século é pós pós, doutorando-se em cada vez mais novas formas de sujeição.
Sorry pelo pequeno tratado. Curtam a música e, como diria o da Sociologia Príncipe, esqueçam tudo que eu disse.



A razão é uma loucura caseira


Aprendizado


Respiro o teu corpo

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

Eugénio de Andrade
Inês

Ouvindo estrelas



... Diz tua boca: "Vem!"

"Inda mais!", diz a minha, a soluçar... Exclama 

Todo o meu corpo que o teu corpo chama:

"Morde também!" 

Ai! morde! que doce é a dor

Que me entra as carnes, e as tortura! 

Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,

Morto por teu amor!


Olavo Bilac / Sarças de Fogo

The big question: Wiil you?

Preparando os sessenta que já me espiam na esquina da semana, mudo meus critérios e já olho para o mais além. Aproveito e me divirto um pouco com os velhinhos de Liverpool. E me lembro da época em os 64 ficavam em um futuro remoto.


segunda-feira, 1 de setembro de 2008