quinta-feira, 31 de julho de 2008

Devaneio



foto: Chema Madoz

No auge de seu devaneio, ele entendia tudo.
O sabor da maresia, os pássaros, todas as flores,
Os barulhos do dia, a noite e seus restos mudos,
As paixões, as gentes, o amor e seus temores.

Mas escutou uma voz quieta, que de longe vinha,
A lhe dizer saudades, desculpas, medos, receios,
Assim como quem, num sonho, vem e se faz sozinha
E, só por desejo, se refaz nele por todos os meios.

E viu, ao lado, um sonho ali onde foi devaneio,
E desistiu respostas, verdades,  qualquer saber.
Fechou os olhos, recolheu a alma e seus anseios,
E se deixou beijar, com calma, até adormecer.

Frango, 29/31 de julho de 2008

segunda-feira, 28 de julho de 2008

domingo, 27 de julho de 2008

Uma viagem


Recebi tuas palavras
e nelas bebi todo um final de semana,
em que viajei como quem lavra,
semeia, colhe e, depois, proclama.

O sonho, a campainha,
as carícias,
o Ti que foi minha,
nossa delícias.

Com elas fico neste eu que gosto,
nesta vontade tanta de ser por elas.
Hablo com ellas, no teu revisto rosto,
e vou buscar a borboleta na janela.

E sorrio, essa cara minha,
e emociono, essas letras tontas,
e acolho esse teu tanto carinho
no real de nosso faz de conta.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Caderno Vermelho


..

Nenhuma campainha vai tocar,
mas queria tanto que uma tocasse.
Tenho nenhum sonho para sonhar
que uma campainha acabasse.

Canção para reinventar um tempo antigo



Faz–de-conta que o tempo é uma varanda
voltado para um pátio circular:
faz-de-conta que em canto de ciranda
regressamos ao cais de regressar.

Faz-de-conta, nas águas do destino,
um aquário de luas nos espera:
faz-de-conta que um canto repentino
traz de volta uma antiga primavera.

Faz-de-conta que esta contradança
nas varandas do nosso coração
reacende os sóis de antigamente:

Faz-de-conta que os rios da lembrança
reacendem a flama da canção
neste pátio-passado – tão presente.

Maria de Lourdes Hortas

Espera

Enquanto, em vésperas, espero
a conversa, sempre talvez final,
descubro que o que mais quero
é o aceitar-me mortal.

Pois, ali, nessa conversa
com a criança que já fui,
desejo, quase com pressa,
rolar o tempo que já não flui.

E, em ti, tento o impossível
de mim mesmo um me escutar
nesse em ti que me faz crível
quando me encontro em teu olhar.

Mas, desejo sem saber se devo,
proponho, sem saber se posso.
E espero, sem saber se vejo
e quero, sem saber se gosto.

Atendendo Meire, cheio de desculpas


Billie Holiday nunca é demais. No post anterior Meire me pede um vídeo onde uma criança canta à maneira de Billie Holiday. Achei o vídeo lá pelo YouTube, cujo link coloco aqui para os que se interessarem. Mas o som é péssimo, a criança é muito criança e seria um desrespeito com Billie Holiday achar que a menininha canta como ela. Pois Billie tinha seu cantar marcado por uma vida cheia de sofrimentos, seja nas relações amorosas (todas péssimas, numa repetição sintomática impressionante), seja na sua relação com as drogas, seja na sua condição de mulher negra em tempos  de cólera, de racismo, de mulheres quietas. E todas essas dores foram ficando marcadas em sua voz e sua interpretação. Como esperar de uma criança tanta vida?
Mas, como Meire, minha mais fiel colaboradora e amiga como poucas, merece alguma resposta, escolhi uma música pouco conhecida, ´Deed I Do, gravada na última sessão de gravação que Billie realizou na vida. A canção é uma deliciosa bobagem (a letra não poderia ser mais simples), Billie já demonstra a economia necessária em seu cantar, mas gênio é gênio e ela consegue fazer dessa pouca coisa algo para ser escutado com o mesmo prazer que escutamos suas gravações mais famosas. Letra e créditos podem ser encontrados neste link.
Espero que Meire me desculpe e, principalmente, goste do que lhe dedico em troca. 
Beijão, minha  querida amiga.
 

    

Fim de noite

Outra música de final de noite, de fechar botequim, de encher o saco do garçom e do ex-amad(o/a).  Faz par com Sinatra de posts atrás. 
Essa vai dedicada a Sé, o boa praça. 

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quinta-feira, 24 de julho de 2008

Veneziana



.

Para Ti, que vai gostar




Delicadeza vespertina

O genial Amadeus, que já vinha faltando por aqui. 
O difícil é escolher na enxurrada de coisas do moleque da música. Mozart é, antes de mais nada, prolixo. Essa peça quem escolheu, como tantas outras, foi minha traquitana musical que insiste em mandar músicas aleatórias aos meus ouvidos. Essa bateu e ficou.
Achei que combinava com meu humor neste final de tarde do dia 23 de julho. Preciso de outras razões?
Um divertimento ligeiro, uma bela peça musical, um pequeno pedaço da genialidade do menino Mozart. 
Que seja! Eu ando mesmo cheio de delicadezas de final de tarde. Mesmo quando só posto no bem de noite.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Última entrevista



Última entrevista


La última entrevista fue triste.
Yo esperaba una decisión imposible:
que me siguieras a una ciudad extraña
donde sólo se había perdido un submarino alemán
y tú esperabas que no te lo propusiera.
Con el vértigo de los suicidas
te dije: « Ven conmigo» sabiéndolo imposible
y tú -sabiéndolo imposible- respondiste:
«Nada se me perdió allí» y diste la conversación
por concluida. Me puse de pie
como quien cierra un libro
aunque sabía -lo supe siempre-
que ahora empezaba otro capítulo.
Iba a soñar contigo -en una ciudad extraña-,
donde sólo un viejo submarino alemán
se perdió.
Iba a escribirte cartas que no te enviaría
y tú, ibas a esperar mi regreso
-Penélope infiel- con ambigüedad,
sabiendo que mis cortos regresos
no serían definitivos. No soy Ulises. No conocí
Itaca. Todo lo que he perdido

(Cristina Peri Rossi, 1941, Uruguai
in "Inmovilidad de los barcos" - 1997)
 

Tragédia imprevista, mas de-vida.








There are only two tragedies in life. One is not getting what you want and the other one .... is getting. 

Oscar Wilde




Obrigado, Cristina

Ensaio sobre a cegueira

Foto: Sebastião Salgado

A Lucidez Perigosa
Clarice Lispector

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
 
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
 
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
- essa clareza de realidade
é um risco.
 
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

Obrigado, Cláudia

terça-feira, 22 de julho de 2008

Tem dias que a gente se sente...

Tem dias que eu só queria tardes de vinho, taças de chuva.
Peter Laroca, senhores! 

domingo, 20 de julho de 2008

Restos dominicais


Para vocês, toda minha delicadeza.

.

música: Comptine d´autre étè, Yann Tiersen

Cara metade

Matisse
Eu vou dizer o que você é.

No mais irredutível básico,
naquilo que sobra de tanta elocubração,
depois de escarafunchar, afásico,
todos os lados da questão, 
eu sei o que você é
para este m´eu que foi te saber.
Em um mar, que de tão raso escasso,
faz  do pouco pérola brilhante,
você é uma oportunidade
que quero no meu seguir adiante.
Outras palavras, maiores e mais pomposas,
ficam aquém desta singularidade,
pedem mil linhas de prosa,
duvidam-se no nascedouro,
enroscam-se, na língua, verbosas,
e como Midas tranformam em ouro,
engessam, congelam em sal, 
o espaço das possibilidades,
o futuro do bem e do mal.

Por isso sempre te disse,
que à cena prefiro o encontro,
a construção, passo a passo,
às vezes com passos tontos,
outras, nervos de aço,
de uma nossa colagem, coisa tua
que fiz minha e nossa,
quebra-cabeça surpreendente,
 de sol, estrelas e luas,
sonhos, alegrias e fossas,
cartas, bilhetes e recados,
medos, artes e manhas,
e duas vozes de cada lado.
Painel de surpresas coladas,
de coisas inimaginadas
(neutras, bonitas ou feias,
cada qual um grão de areia),
com espaços já reservado,
para leituras do passado, 
que o futuro ainda vai trazer.
Desta cola e desta vontade,
deste tempestuoso bem querer,
com os anos das nossas verdades,
tecemos a nossa colcha,
vivemos nossa odisséia,
e nos deixamos ser trouxas,
Quixotes e Dulcinéias,
duas caras metades.

Barão, 20 de julho de 2008

Pausa dominical





Lentas lágrimas sucias



Walking Around

Sucede que me canso de ser hombre.
Sucede que entro en las sastrerías y en los cines
marchito, impenetrable, como un cisne de fieltro
Navegando en un agua de origen y ceniza.

El olor de las peluquerías me hace llorar a gritos.
Sólo quiero un descanso de piedras o de lana,
sólo quiero no ver establecimientos ni jardines,
ni mercaderías, ni anteojos, ni ascensores.

Sucede que me canso de mis pies y mis uñas
y mi pelo y mi sombra.
Sucede que me canso de ser hombre.

Sin embargo sería delicioso
asustar a un notario con un lirio cortado
o dar muerte a una monja con un golpe de oreja.
Sería bello
ir por las calles con un cuchillo verde
y dando gritos hasta morir de frío

No quiero seguir siendo raíz en las tinieblas,
vacilante, extendido, tiritando de sueño,
hacia abajo, en las tapias mojadas de la tierra,
absorbiendo y pensando, comiendo cada día.

No quiero para mí tantas desgracias.
No quiero continuar de raíz y de tumba,
de subterráneo solo, de bodega con muertos
ateridos, muriéndome de pena.

Por eso el día lunes arde como el petróleo
cuando me ve llegar con mi cara de cárcel,
y aúlla en su transcurso como una rueda herida,
y da pasos de sangre caliente hacia la noche.

Y me empuja a ciertos rincones, a ciertas casas húmedas,
a hospitales donde los huesos salen por la ventana,
a ciertas zapaterías con olor a vinagre,
a calles espantosas como grietas.

Hay pájaros de color de azufre y horribles intestinos
colgando de las puertas de las casas que odio,
hay dentaduras olvidadas en una cafetera,
hay espejos
que debieran haber llorado de vergüenza y espanto,
hay paraguas en todas partes, y venenos, y ombligos.
Yo paseo con calma, con ojos, con zapatos,
con furia, con olvido,
paso, cruzo oficinas y tiendas de ortopedia,
y patios donde hay ropas colgadas de un alambre:
calzoncillos, toallas y camisas que lloran
lentas lágrimas sucias.




Pablo Neruda

Piaf pour Piaf


Piaf e sua música. Os mais velhos lembrarão.
O que talvez poucos saibam é que a música foi cantada em memória de Marcel Cerdan, pugilista francês com quem teve um caso de amor daqueles para ninguém botar defeito. Marcel morre em um acidente aéreo em outubro de 1949. Com a morte de Marcel, Piaf cai ainda mais no seu vício com a morfina mas, por outro lado, compõe, com Marguerite Monnod, em 1950, essa música que ficou para sempre marcada por sua interpretação.
Piaf morre em outubro de 1963, aos 47 anos, marcada pela morfina e os sofrimentos amorosos.







sábado, 19 de julho de 2008

Imprevisto


Foi quando ele disse: "não quero mais esse negócio de você longe de mim" que a coisa complicou...
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sexta-feira, 18 de julho de 2008

Minhas cores


Eu queria essas cores para meu inverno.
Esse nosso, quase outono, quase esse vermelho, quase amarelo, quase.
Aí eu peguei a foto. E ganhei as cores.
Meu inverno é destas cores. 
Eu quero!

Operando gravemente


Têm dias que a gente jazz. Têm dias que mpbeio. Têm dias que nem coiso, nem oitro, como quando buiko ou vareio. E têm dias que eu opero. Profundamente.
Aí, fica difícl escolher o que operarei com vocês. A Callas vem sempre na primeira lembrança, me incomodando nessa neurose de nunca gostar do que parece devido. Aí, penso outra coisa que opere junto comigo.
Aí, penso nela.
Foi assim hoje. Espero que gostem.


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quinta-feira, 17 de julho de 2008

Livremente



Leblon, Rio de Janeiro

Para Ti


DAME TU LIBERTAD...

 

Dame tu libertad.
No quiero tu fatiga,
no, ni tus hojas secas,
tu sueño, ojos cerrados.
Ven a mí desde ti,
no desde tu cansancio
de ti. Quiero sentirla.
Tu libertad me trae,
igual que un viento universal,
un olor de maderas

remotas de tus muebles,
una bandada de visiones
que tú veías
cuando en el colmo de tu libertad
cerrabas ya los ojos.
¡Qué hermosa tú libre y en pie!
Si tú me das tu libertad me das tus años

blancos, limpios y agudos como dientes,
me das el tiempo en que tú la gozabas.
Quiero sentirla como siente el agua
del puerto, pensativa,
en las quillas inmóviles
el alta mar. La turbulencia sacra.
Sentirla,
vuelo parado,
igual que en sosegado soto
siente la rama

donde el ave se posa,
el ardor de volar, la lucha terca
contra las dimensiones en azul.
Descánsala hoy en mí: la gozaré
con un temblor de hoja en que se paran
gotas del cielo al suelo.
La quiero

para soltarla, solamente.
No tengo cárcel para ti en mi ser.
Tu libertad te guarda para mí.
La soltaré otra vez, y por el cielo,
por el mar, por el tiempo,
veré cómo se marcha hacia su sino.
Si su sino soy yo, te está esperando. 

Pedro Salinas

(tradução nos comentários)


Calado mudo


Quando eu falo,
eu mudo.
Quando calo,
surdo.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Para Júlia, dona de minhas castanholas.

Buika foi um presente de Júlia, minha espanhola predileta, amiga de tantas coisas, de tanta vida. O vídeo é só isso, índice de uma saudade imensa que aqui publico e reconheço. E boa música que, quase garanto, muitos de vocês não conhecem. 
O poema, de Pedro Salinas, coloco como lembrança de outro presente da mesma sempre amiga, quando me apresentou o poeta tempos atrás (ver postagem de 20 de abril de 2007). 
Música e poeta, minhas mais preciosas castanholas.
Agradeçam à Júlia.



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TE BUSQUÉ POR LA DUDA

Te busqué por la duda:
no te encontraba nunca.
Me fui a tu encuentro
por el dolor.
Tú no venías por allí.

Me metí en lo más hondo
por ver si, al fin, estabas.
Por la angustia,
desgarradora, hiriéndome.
Tú no surgías nunca de la herida.

Y nadie me hizo señas
-un jardín o tus labios,
con árboles, con besos- 
nadie me dijo
-por eso te perdí-
que tú ibas por las últimas
terrazas de la risa,
del gozo, de lo cierto.

Que a ti te encontraba
en las cimas del beso
si duda y sin mañana.
En el vértice puro
de la alegría alta,
multiplicando júbilos
por júbilos, por risas,
por placeres.
Apuntando en el aire
las cifras fabulosas
sin peso de tu dicha.

 

Pedro Salinas
(tradução nos comentários)

R.I.P.









Eu queria ficar em paz.
Descansei.
Hoje tanto faz.

Crise



Caravaggio
A VECES
Escribir un poema se parece a un orgasmo:
mancha la tinta tanto como el semen,
empreña también más en ocasiones.
Tardes hay, sin embargo,
en las que manoseo las palabras,
muerdo sus senos y sus piernas ágiles,
les levanto las faldas con mis dedos,
las miro desde abajo,
les hago lo de siempre
y, pese a todo, ved:
¡no pasa nada!
Lo expresaba muy bien Cesar Vallejo:
"Lo digo y no me corro".
Pero él disimulaba.
Ángel González

terça-feira, 15 de julho de 2008

Italiana ou O primeiro YouTube a gente nunca esquece

Falta de imaginação tem lá suas vantagens. A gente uma boa música, dessas pouco comuns que talvez vocês não conheçam, uma letra que diga alguma coisa para alguém e, voilá, o blog anda.
Afinal, ser dono do blog tem que ter lá suas vantagens. Mas acho que vocês vão gostar.
Mais ainda, a interpretação de Zizi Possi é primorosa, melhor do que qualquer coisa que vocês possam achar no YouTube com essa canção.
Daí que resolvi abrir minha conta por lá, no YouTube. Com isso evito os dias em que o Blogger fica irritantemente lento e uso a maior rapidez do YouTube. 



sábado, 12 de julho de 2008

Lei sêca

Eu queria fazer uma postagem sobre o Frango, sobre o bar onde este blog se escreve e se pensa. Queria inventar um filminho que colocasse música em imagens que contariam para todos um pouco do que o Frango é.
Pois o Frango não é tão simples de definir. É um botequim, claro, mas um que não se enquadra exatamente, ou mesmo quase exatamente como lembraria o engenheiro em mim, em algumas das categorias hoje vigentes: chique, de grife, metido a diferente, pé sujo, bar da molecada da Unicamp (categoria barão-geraldense), mais ou menos qualquer das coisas acima, uma lista quase tão grande quanto aquelas que Borges organizava nas suas malucas classificações. O Frango é, no que me diz respeito, inclassificável, em todos os sentidos da palavra.
Assim saí eu, me metendo a me pensar capaz de ensaiar, fotograficamente, esse Frango que me identifica e afeta. A bateria da máquina foi mais esperta que eu e resolveu ser melhor arriar-se do que submeter-se à bobagem proposta.
Pior, que aqui confesso: a música que o Frango sustentaria com suas imagens, com um certo imaginário que no vídeo se venderia, seria uma coisa longe do espírito do lugar, ainda que falasse em bebidas e bêbados. O Frango não será jamais um bar daqueles americanos onde, no balcão (nome de bar classificável de São Paulo, o Balcão, que até me garantem bom), alguém se afoga no whiskey e na suposta intimidade com o garçom, como cansamos de ver encenado em filmes americanos. Coisa que não faz a música ruim, mas não coloca o Frango nela.
Logo, desistido que fui de minha tentativa de antropologia do Frango pelo mais saber da bateria de minha máquina, restei com a música, que postarei assim mesmo. E fico devendo algum Frango, com alguma outra música, algum outro momento.
Mas faço, em memória de todos os nossos botequins, seja o Rick´s de Casablanca e seu amor impossível, seja aquele em que cada um foi infeliz em algum fim de noite. E desejando que todos vocês possam curtir o vídeo sem estarem, como não estou, um infeliz de botequim.
Beijos de botequim!


sexta-feira, 11 de julho de 2008

Encontro raro

Hoje cedo me chegou um mail de Ramasco com um link para um vídeo de Oscar Peterson e Joe Pass. Coincidência, já que este mesmo vídeo já estava aqui no computador na fila esperando a vez para ser postado. E na fila continuará, apesar de ser um outro encontro raro, não tanto pela frequência (Oscar e Joe gravaram muita coisa juntos na Pablo Records de Norman Granz), mas pela qualidade do vídeo, do som e da performance dos dois com o conjunto de Oscar.
No entanto, tendo ido até o YouTube para conferir o link de Ramasco, acabei batendo com o vídeo que aqui posto, este sim um raro encontro de três grandes nomes da cena jazzística. Nat King Cole, Oscar Peterson e Coleman Hawkins, que vocês acabaram de escutar, poucos posts atrás, tocando com Sonny Rollins All The Things You Are. Aqui interpretam Sweet Lorraine, cançao de 1928 que Nat King Cole imortalizou na década de 40. Boa viagem!



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Carne e unha

Caravaggio, Narciso
Por que em você eu cravo
esses dentes e unhas
que já nem sabia que tinha?
 
Por que de você o escravo,
essas garras que não supunha
e que só sangram as carnes minhas?
 
Por que o como sempre interdito,
o de novo que jamais será
e esse sonho de não poder sonhar?
 
Por que nesse querer insisto,
nessa cena que não se fará,
nesse caminho de não poder voltar?
 
Por que te afogo em dívidas
se serei sempre o endividado?
 
Porque te cubro de beijos
se não sou capaz do pecado?
 
Por que essa fogueira no inverno,
esse arrancar de roupas no frio,
se o desejo é meu inferno
e te deixo sempre no cio?
 
Por que não te escuto o grito,
os avisos em repetição
e, surdo, me faço aflito
e recuso o dizer não?
 
E por que esta tonta nudez,
esse despir publicado,
essa impossível mudez,
esse desvario denunciado?

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Alegretto


Lá pelo início da década de 80 começaram acontecer os Free Jazz Festival  no Rio. Numa de suas edições, ano que já não me lembro qual, fomos, Nina e eu, a alguns dos dias. Um deles fechava-se com Sonny Rollins. A emoção que me tomou quando, saido detrás das coxias, ele entrou em um solo solitário e poderoso com seu instrumento, me fez seu fã para sempre. A força, a musicalidade, a alegria do artista com sua arte, tudo isso escancarados de uma foma visceral, até hoje, quando me lembro, ressoam dentro de mim e me fazem balançar. 
Eu já havia postado um belíssimo solo de Sonny Rollins em Body and Soul em algum lugar do passado do blog. Mas o moço nunca é demais e nunca faltarão gravações estupendas deste que que é um dos colossos do jazz moderno. Quem quiser saber mais do personagem, pois é isso que Sonny Rollins é, para além de um músico excepcional, pode começar consultando o verbete com seu nopme na Wikipédia (em inglês) clicando aqui.
A música de hoje, uma superba gravação de Sonny Rollins ao lado do gigante que foi Coleman Hawkins, é jazz na maior acepção da palavra. Talvez até meio jazz demais para aqueles que têm se acostumado com as baladas mais românticas que normalmente posto por aqui. Mas, that´s jazz! And I love jazz!
Gravada em 1963, All The Things You Are, um standard da canção americana que até acho que já postei por aqui em outras versões, nas palavras de Ken Burns testify to his (Sonny Rollins) gladiatorial instincts; the track with Hawkins, in particular, captures some of Rollins´s most adventurous and boldly conceived work on record. E como Sonny Rollins, junto com Coltrane, faz parte das minhas divindades do sax, eu não precisava de maiores razões para dividí-la com vocês.
Além disso, aproveito a carona na alegria solta desta gravação e presto contas de outras alegrias, outros improvisos, outras canções que vão se construindo na junção de outras artes e manhas. Só espero que meu sorriso besta não atrapalhe a audição da música.



terça-feira, 8 de julho de 2008

Humano, demasiadamente humano

foto: Sebastião Salgado
COMPANHEIROS

quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho

e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados

deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros

mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faça justiça

por ora
basta-me o arco-íris

em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço

companheiros

Mia Couto

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Ich bin das Fleisch das stets bejaht


Toda poesia fica suspensa
até a palavra poder dizer
o que nela não se deixa falar.
Por ora, deixo à música contar,
com cravos de bem querer,
o que se diz onde não se pensa.

..

Eternas


Something Cool era o nome de um LP  de June Cristy que marcou época no meio da década de 50. O estilo "cool" com que a cantora interpretava as canções do disco ajudaram a marcar uma diferença que depois resultaria em uma nova maneira de interpretar. É quase possível dizer que June Cristy antecipa Chet Baker e, até, João Gilberto. 
O YouTube tem "video" cantado por ela. Aqui escolhi a deliciosa interpretação de Ruth Cameron para homenagear June Cristy.  Mas, deixo aqui o link do YouTube com a gravação original da década de 50 (que serve também para sempre que o Blogger se recusa a passar os vídeos que posto). É só clicar aqui.

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Baby, it was cool outside

Pois é, foi só falar que inverno não havia por aqui que as noites resolveram me desmentir. Não só gelaram como me trouxeram uma gripe chata que me deixou sem ânimo para o blog e as postagens. Não fosse o omentário da Leila, até o 7.000º visitante teria passado desapercebido, entre espirros, tosses e desconfortos variados.
Mas, já nos ensinaram, ovos quebrados, faça-se uma omelete. Aí lembrei dessa coisinha gostosa do Ray Charles e resolvi brincar com a música. E dar um tranco na coisa por aqui para ver se pego novamente no embalo.
De qualquer forma já estava devendo um Ray Charles, cuja importância na minha adolescência ainda volto outra hora para contar. A música que aqui posto tem um porém: ela consta em meus arquivos como sendo interpretada por Ray  Charles e Nina Simone, coisa que duvido muito. A voz de Nina Simone é muito marcante e bem diferente da que aqui acompanha a canção. Portanto, se alguém souber melhor quem é que canta junto com ele, favor avisar o povo do blog nos comentários.
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PS: A questão de quem canta com Ray Charles foi devidamente esclarecida pela Tita (é Betty Carter). Vejam comentários. Beijos agradecidos.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Confidencial

CONFIDÊNCIA

Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suamente
pronunciares o meu nome

Mia Couto
foto: Ralph Gibson Bastienne 

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Quase outono

Não temos inverno. Temos um quase outono. Pelo menos aqui nesse fim de trópico donde posto.
Minha Praça, por exemplo. Os caminhos por baixo das árvores são cobertos de folhas secas, amareladas. Talvez sem a profusão de cores dos outonos mais rigoros em seu outonar. Estalam sob meus pés, ainda que para isso tenha que me desviar dos caminhos sempre limpos onde correm-se as pessoas. Mas posso, sempre que queira, pisar nelas e lembrar de uma vida inteira. Até daquela que ainda não me inteira. Aquela na qual, se você não demorar, te esperarei para sempre. Aquela em que sempre esperei por ti, ainda que não saiba quem és e mesmo que ainda não tenha sido uma vida inteira ( e aqui cito outros poetas).
Mais ainda, esse quase outono me lembra a música, as folhas e Miles. Acho que ainda não coloquei ele nessa música, pois não? Se já o fiz, perdoem essa recaída outonal. Se ainda não, perdoem a demora.
Tive que esperar por esse quase outono. E por esse querer de uma vida inteira.


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Carrossel

foto: Sommer
Tan difícil y tan fácil a la vez.

Es sólo cuestión de limpiarse los ojos de polvo.

Engalanarse el alma con la incertidumbre del mañana.

Engañarse con que el pasado nunca fue mejor.



Así empiezan las buenas historias,

punto y seguido de alguna derrota.

Zapatos limpios para recorrer,

y un buen armario donde guardar las preguntas.



Reescribiremos sensaciones, repetiremos exclamaciones.

Subiremos de nuevo al cume, descenderemos a la barrera de coral.

¿No es la vida es un carrusel ?

Debemos esperar a que se nos pase el mareo para volver a subir.



Ara / España

Às vezes...

Chris Langstroth
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos

E por vezes encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

David Mourão-Ferreira 1927/1996

terça-feira, 1 de julho de 2008

Os amantes


Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.

Carlos Drummond de Andrade

Julho, o amor do menino

Cravaggio, Amor

Julho de 2008, brincando de amor