sábado, 31 de maio de 2008

Fim de maio

Desde o início do blog eu posto, no final do mês, algo que vai aparecer lá no primeiro minuto do início do mês que acaba. A postagem tem por propósito, dar nome e tom ao mês, num só depois que retorna ao início. Vou continuar fazendo isso, mas como o mês realmente ainda não acabou, finalizo aqui minhas postagens de final de maio.
Maio foi quase terminando triste. Depois revoltou-se e virou outra coisa. Meio como eu que estou revoltado numa boa.
Hoje viajo. E viajo leve. Depois decido o que o mês foi. Tenho um mundão de maio ainda pela frente. Não é hora de batizá-lo ainda.
Por enquanto, aproveitem o Chet Baker do dia.
Vejo vocês em junho.


Delicadezas em 3x4

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Sem vergonha,
ouso os poemas
que deixava na fronha.
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Sem remédio,
me entrego à pena
e espanto o tédio.
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Sem censura,
insisto na escrita
e afasto amargura.
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Sem saída,
a palavra me habita,
na volta e na ida.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Sei lá, cinco mil coisas

Meu povo

E não é que ontem, bem antes d´eu ir dormir, o contador me falava em 4900 e poucas pessoas. Passei o dia prá lá e prá cá, volto, clico o blog e ultrapassamos a marca do meio 10000 (já fiquei ambicioso). É muita gente para tão poucos comentários.
Mas como sei que o contador é honesto, ou seja, conta um computador por dia, não importando quantas vezes o computado entra e sai do blog, é muita gente, num ritmo que se acelera devagarinho (mas, engenheiro que fui, e sempre serei, o importante é a derivada positiva, nesse caso até a segunda derivada, a da aceleração).
Aí fico querendo entender quem são essas pessoas silenciosas que por aqui aportam. Já desisti de clamar por comentários, beijinhos, agrados e mimos no blogueiro. Nunca funcionou. As pessoas passam por aqui em silêncio. É claro que tenho umas leitoras constantes (a acreditar nos comentários, só elas deixam marcas de batom), cometadoras ou não. É claro que sei de uns outros 3 ou 4 que passam meio que escondidinhos por aqui. Mas, ainda me espanto, quem são esses tantos outros que visitam, retornam, sem fazer nem um barulhinho bom? Sei lá, sei que são mais do que benvindos.
Mas, vejamos, no 7 de abril eram 3.011 visitantes de 529 cidades. Hoje são 5.008 de 699 cidades. Ou seja, são 1.997 novos acessos e 170 novas cidades, logo, tem muita gente/cidade se repetindo. Mesmo supondo que muitos passam por aqui sem querer, num bate e não volta, ainda assim é muita gente que se repete. Por exemplo, não acho que conquisto Lisboa , mas penso que o número crescente de acessos vindo lá das margens do Tejo me diz que alguns, por lá, vêem e voltam, meio assim meio fiéis e interessados. As mesmas contas posso supor em muitas outras cidades, daqui ou dali. E é estranho essa coisa dos "leitores" silenciosos.
Ao mesmo tempo, não é esse o destino de quem se propõe autor, ainda que seja dessa coisa meio brincalhona, mas muito espelho de mim? Que os leitores te leiam, sem jamais se preocupar em te agradar, coisa que alguns poucos amigos fazem, não é esse o destino da escrita em acha pública?
Sei que é bom, como já foi pesado antes. Em um passado recente (o contador é novidade de 2008), saber que muito mais gente do que supunha minha vã imaginação passeava por aqui era coisa que me pesava, me fazia reconsiderar poemas (meus principalmente; hoje voltei a não ligar, assumindo a coisa como minha), me obrigava ao trabalho (coisa que aprendi a gostar, visto ser um preguiçoso indisciplinado por natureza e criação). Hoje já, novamente, nada me pesa e aqui me divirto comigo mesmo. Os que me dizem também se divertir são importantes (quem não gosta?), mas me divirto para aquém, e além, deles.
Sei lá, o contador me conta mil histórias, na medida exata da minha imaginação e do tamanho dos meus desejos. Mas conta, sempre mais, sempre sempre.
E com isso, me conformo de maneira suave e até gostosa, a ser esse cantador de mim que o contador me garante. Com isso, já adianto a música que escolhi para fechar o mês e comemorar os 5.000 (já vinha ficando blasé, tanto que nem marquei os 4.000) Pois mais do que contador de mim, o blog mantém esse compromisso em que se prometeu lá pelos idos de fevereiro de 2007. Aqui, eu, caçador de mim. Um dia me abato e começo tudo de novo.


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quinta-feira, 29 de maio de 2008

Las meninas

Gozado, sempre tive umas "as minhas meninas". Quase que desde o tempo do Velasquez, quando eu encarnei naquele cão do retrato. Tudo começou, como tudo começou na minha vida, na Emílio Ribas. Cidinha, Denise, Vera, Carmem, Maria Helena, Maria Rosa, tudo vizinha de quadra, cúmplice das primeiras baforadas e professoras dessa coisa complicada que são as mulheres, mesmo que nunca tenha tido aulas práticas. Talvez por isso, as minhas meninas são sempre minhas amigas.
Depois não me lembro se tive meninas em turma, mas sempre tinha mais meninas que meninos nos afetos que se encerravam no meu peito juvenil. Eram Lúcias, Júlias, Annas, Christinas, tudo lá no mais do Rio de Janeiro. Em Campinas, vou tecendo minha rede e lá estão elas, novas Cristinas, Fernandas, Leonores (de quem ando sumido mas volto), Bias, ou seja um monte de meninas, que é como meus olhos insistem em vê-las, tenham lá que idade tiverem, monte que não faz bando a não ser no resto do meu coração.
As meninas são sempre minhas amigas. Me divirto com elas, com algumas estreito laços de amizade confidencial, mas são amigas, que mulher é outra coisa, bem mais complicada.
E eis senão que de repente, novas meninas surgem no pedaço e em minha caixa de entrada. Em bando, barulhentas pelas manhãs, meio vampiras (eu acho) porque somem quando o sol se põe em busca de jugulares menos virtuais, todas amiguinhas umas das outras, com uns meninos tolos que elas suportam, e acolhem, a guiza de tempero na coisa lá delas de meninas. São essas as minhas meninas que deram cara e forma à todas as outras meninas que já chamei de minhas. Apesar de que....

São tantas as minhas gracinhas,
São sempre, quase minha sina.
Mas quantas destas meninas
Eu posso chamar de minhas?

Swingando um pouco

Tanta música e faltavam eles, os malandros do swing branco. Frank Sinatra e Dean Martin brincando como sempre fizeram.
Aproveitem para respirar que depois vem mais poesia. Mas garanto que em tom maior desta vez.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Ai-ai moebiano

A morte voltou em forma de minha,
flor última onde me vejo
e o desejo, de novo, se advinha.

Soneto no espelho


Eles tinham um pouco tão imenso,
Que os amantes restaram satisfeitos.
Depois as sombras, o nevoeiro denso,
E hoje nem de sonhos o pouco é feito.
.
Neles, é como um rio que secou,
As árvores, nos dois, calcinadas,
Marcas do impossível que passou
Em um amargo gosto de nada.
.
Ficou o deserto, a triste paisagem,
O inverno eterno, as almas geladas,
O vazio e um espelho sem imagem.
.
E seguiram, com as vozes caladas,
Para o abismo, a queda, a miragem
Do amor em águas passadas.
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Com uma dor que não se amansa,
Perdidos nos seus grãos de nada,
Saudosos da pouca esperança
E dos sonhos de contos de fada.
.
Mas pagam as escolhas feitas,
O não na boca amargada.
E na teia por eles desfeita
Resta uma aranha alucinada.

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.
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Masaccio, A expulsão do Paraíso

Se ao menos nada não fosse

Se ao menos o grito calasse
Se ao menos a alma dormisse
Se ao menos a dor passasse
Se ao menos este nada sumisse.
.
Se ao menos os olhos eu fechasse
Para o sono desabar em mim
Então, talvez acordasse
Nos tempos depois do fim.
.
Mas o grito já não se cala
A alma ainda não dorme
A dor, nem sequer se abala
E só resta este nada enorme

Data venia

Miró
Mascarado
jamais pronto,
de cara pálida
ainda assim tonto,
eu invento sinais
de fumaça,
de fogo,
de linhas desconexas.
Ouso escritos,
traços,
troços, 
trecos,
letras e coisas,
sexo, nexo e plexo.
Alardeio o perigo,
aponto o fogo,
o lobo,
o bobo.
Apronto, de saída,
a janela
indiscreta 
que resta 
aberta
na fresta
da festa 
à beira mar.
Namoro a morte,
a morta, 
a santa
e a porca miséria.
Sou quilha,
proa,
popa,
cordame e velas.
Encalho aflito,
grito,
choro,
me agarro os pelos
por detrás da porta
onde jaz, 
trancada,
a morta.
Sou pai, sou mãe,
sou filho e filha.
Sou tantos 
e outros tantos
que também são.
Sou o espírito santo,
meu nome é multidão.
Homem,
suposto alado,
sou o que não é, 
sou sem mulher,
uma ilha 
cercada de gentes 
por todos 
os outros lados.
Sou samba, rock,
jazz e bossa,
sinfonia,
quarteto, noneto,
samba canção e fossa.
Sou tango,
bolero,
meu própio fado,
cheio de lero-lero.
Marcho e me acho,
apago o facho
e, como caranguejo,
ando de lado 
e busco desejo
que da morte
já estou farto.

Day and Night and Day

Depois de postar a moça com o rapaz de bigodinho, e de afirmar categórico que não achava nada da dita cantora que não fossem clips de filmes, onde ela era uma atriz que cantava, eis que, no meio da noite, se fez a luz no negrume de meu cérebro. Corri à estante de CD´s, procurei um antigão chamado The Singers, vol2 e, violá, lá estava ela, metida entre Billie, Ella, Sarah, Lena e Liza. Ou seja, eu sempre tive o que afirmei não achar. 
Com isso cumpro promessa antiga e lhes ofereço  Doris Day, the singer. A música, de Cole Porter, escrita para um filme de 1946, virou um standard no cancioneiro americano. Meio que todo mundo ousou gravar.  A gravação da Doris Day é uma entre tantas, mas acho que vale a pena escutá-la.

Pelas veredas do blog



Lais disse...

E o próprio jagunço diria:
"...o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam... viver é um descuido prosseguindo..."
O cair no sozinho do vago dá ao caminhar o sentido do prosseguir. 
A vida é isso, é um "pensar que também há um direito à beleza."

Abs,
Lais

Como acabo de ficar sabendo, o blog perdeu uma comentarista com quem eu já vinha me acostumando e me encantando. Autora de comentários sempre tão bonitos, de uma sensibilidade que sempre me fez imaginar a pessoa por trás do nome, Lais aqui não mais comentará. Algo se perde nestas minhas veredas do blog, um sol se põe e tudo fica mais ser tão... 

Deixo aqui o último comentário recebido dela.

Um beijo, Lais.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Don´t explain


As voltas que o mundo dá (Ser tão veredas)


"Quanto mais ando, querendo pessoas, parece que entro mais no sozinho do vago..." - foi o que pensei na ocasião. De pensar assim me desvalendo. Eu tinha culpa de tudo, na minha vida, e não sabia como não ter. Apertou em mim aquela tristeza, da pior de todas, que é a sem razão de motivo; que, quando notei que estava com dor-de-cabeça, e achei que por certo a tristeza vinha era daquilo, isso até me serviu de bom consolo. E eu nem sabia mais o montante que queria, nem aonde eu extenso ia."

Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas
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domingo, 25 de maio de 2008

Deste tu idos


Klee

Deste tu idos

Hare Khristina, hare, hare!
Em mantra ou cantochão?
Ave, Christinae!
Do Hades retornado, te saúdo,
Sem Cérbero ou vergonha
(but totally ashamed!).
Posso? Para além do Devo?
Saberei desdizer não ditos?
Pois digo que fi-los
como ex-qui-lo
hibernauta de todos os nozes.
Calado e surdo,
tento, aqui, quem sabe,
um mudo!
.
Ridículo talvez,
torrar em vãs palavras
minhas cãs cansadas.
Pois, devido melhor saber,
por dúvidas no estar no ser,
por dívidas a mais não phoder.
.
Rebento, retento!
Mais uma vez, again,
alcançar sem ti
o que, em mim,
além de teu sonho,
é de ninguém
além
do Eu.
.
Insisto!
Sem compromisso,
por só mais querer,
em mil palavras
de mim saber
neste esquisito de insistência,
que sulcas por tua lavra,
e que, em mim, de mim,
poderei colher.
.
Retorno!
Pródigo ex-prodígio explodido,
senão humilde,
que isto jamais soube sê-lo,
também sem ares
de pré-tensa explicação
de justo ficar na razão.
Pois me restam ainda
ares de coragem em tons de sacanagens.
Pois, linda alemoa,
Wo Es War Soll Ich Werden,
numa boa!
.
E tendo dito, ditarei
além do ontem,
prá lá de mim.
Pois,
eu sei, mas mesmo assim....
SS, 1999

Esse poema, composto no século passado, já havia sido postado em 20 de fevereiro de 2007.
Nos tempos menos sem vergonha, minhas bobagens poéticas
se escondiam um pouco.
Hoje, apesar de ainda considerá-las bobagens, já me dou direitos
de melhor mostrá-las.
E assim foi com essa, que revi ao procurar outra coisa em o2/2007.
Achei-a perdida, assim como outras que, quem sabe, ilustro e posto depois.

Parentes do futuro

"O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a

estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos,

para nos fazerem parentes do futuro."

Mia Couto / Terra Sonâmbula
Obrigado, Inês

sábado, 24 de maio de 2008

Palavra de Drummond


A falta de Erico Verissimo
Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.
Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.
Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.
Falta um solo de clarineta.

O Sr. Embaixador na Emílio Ribas

A essa altura do blog, pelo menos os que aqui habi(u)aram, já sabem da Emílio Ribas, logo ali no Cambuí, nos tempos de uma outra Campinas. No entanto, sempre que à Emílio Ribas me referia, era para falar da sala, do vitrolão, do sofá, ou chão, onde eu ouvia música e onde algumas me marcaram de maneira especial. Hoje, no entanto, quero falar de uma música que a Emilio Ribas ficou me devendo, mesmo tendo sido lá que a música se insinuou no meu desejo. Mas levei anos para realizá-lo, e só acabei meio que satisfazendo o desejo, por conta dessa brincadeira de "me lembrar" da Emílio Ribas, a casa de minha estranha família.
Além dos bolachões 78, a casa tinha uma quantidade bastante razoável de livros. A "biblioteca" era um armário embutido que ficava no quarto que eu dividia com meu irmão mais jovem. E os livros se ofereciam sem nenhuma censura do pai ou da mãe. Nada daquela coisa de que isso não é para a sua idade, ou livros proibidos (um dia conto de um que eu marquei como "proibido" por conta própria e, eu supunha, provavelmente cheio de sacanagens que atiçavam a imaginação do garoto de 10/11 anos). Sem censura, numa rua que não me oferecia uma turma de moleques para viver nela (tinha, desde aquela época, as "minhas meninas", como até hoje tenho e prefiro), com a facilidade de "morar" na biblioteca, acabei me tornando um leitor ávido e, graças a Deus, sem nenhum critério na escolha do que ler. O gostoso era a leitura, ainda desgarrada de gêneros, pompas autorais, carimbos de obras-primas etc e tal. O gostoso era a descoberta das palavras (que Lobato me ensinou mais que a escola), as viagens pelos mundos imaginados e imaginários, as aventuras que compensavam a falta de rua e molecagens.
Claro que, bem no início, comecei com Monteiro Lobato e outras obras dirigidas ao "bem menino" que eu já fui. Depois, um pouco dos livros do Edgar Rice Burroughs, ou seja Tarzan e uma África fabulosa, uma pitada de Conan Doyle e um Sherlock, que eu nem desconfiava cocainômano mas que me apresentou o fog londrino (que mais tarde, morando em Londres, descobri já não haver) e os livros de mistério, que até hoje curto. Dumas e seus mosqueteiros e até mesmo Quixote, Sancho Pança e os moinhos de vento, que até hoje enxergo com os olhos do Cavaleiro da Triste Figura. Mas eram ainda todos livros meio infanto-juvenis.
Com o tempo, aos poucos, fui apanhando livros ao léu, que lia como tinha me acostumado a ler as reinações de Narizinho, Pedrinho e Emília (sob os olhares bondosos e nada severos de Dona Benta e Tia Anastácia com seu nome de princesa russa), ou seja, buscava histórias, coisas com começo, meio e fim, que me permitissem um envolvimento com a trama e os personagens, e sonhar, é claro. E esse hábito de gostar de histórias ficou tão arraigado em mim, que nunca cresci muito para a literatura moderna, que para ser moderna teve que explodir com a antiga forma, com o contar história (como na pintura e sua terrível fase abstrata; aliás, bem feito para todos os abstratos, o tempo passou e hoje, entre os pintores da modernidade, são os dois figurativistas ingleses, Bacon (falecido) e Lucien Freud que batem todos os recordes nos leilões).
Com essa leitura desordenada li Flaubert (e nem desconfiei do peso do drama sexual/moral nele implicado), Zola, Dostoievski (sem me dar conta do peso e da amargura que seus livros relatavam, mas, é claro, deixando o "dark" que neles explodia em personagens trágicos, fosse, sem que eu percebesse, passando para dentro de mim com o poder que as palavras têm), Tolstoi (juro que li Guerra e Paz inteirinho), e tantos outros que depois soube serem clássicos. Dostoievski, por exemplo, reli quase todo em uma outra idade, quando já tinha condições de apreender melhor o seu mundo angustiado e neurótico. Mas na Emílio Ribas, eu lia, lia, lia.... E sonhava que a vida era uma aventura de folhetim (e é, de uma certa forma, como demorei a reaprender).
Mas, como o que me fascinava eram as histórias, que viravam aventuras em mundos que eu desconhecia, tempos que eu não vivi, lia, além dos clássicos, alguns excelentes contadores de histórias que nunca se tornaram nomes de peso no cenário literário mundial. Por exemplo, Somerset Maughan que, me parecia, era do agrado de meus pais, já que a quantidade de livros dele que lá havia era enorme. Li Cronin, mesmo sabendo que era tido como um escritor para moças (nunca soube porque). Jorge Amado, por outro lado, apesar de exímio contador de histórias, quase não havia lá em casa, e só vim a conhecer o moço bem mais tarde (acredito que, como ele era comunista, e seus livros muito "socialistas e sensuais", mesmo antes da Gabriela que o libertou do romance engajado para passar a falar, quase, que só das carnes morenas que a baiana tem, ele era propositalmente não comprado por meu pai, que meio que acreditava que o comunismo era uma doença grave, contagiosa e destruidora de lares, ou seja, um perigo a evitar, mesmo naquele lar já tão destruído pelas desavenças conjugais).
Entre os autores nacionais, que eram minoria na biblioteca da casa, o expoente era, sem dúvida, o Érico Veríssimo, delicioso contador de histórias que acabou ofuscado por seu filho tímido (coisas do Brasil, minhas nêgas). Me lembro de umas férias escolares de julho em que, não sei porque razões, não fomos para Santos, nas quais devorei todo O Tempo e o Vento, na época composto por três enormes volumes (O Continente, A Ilha e O arquipélago) que atualmente encontramos divididos em livrinhos menores para os leitores menores de hoje em dia (Um certo Capitão Rodrigo, que até virou mini-série na Globo, por exemplo). Ler a Odisséia, assim mesmo com maiúscula, da família Cambará, conhecer mulheres fortíssimas e independentes, como Ana Terra, acompanhar as guerras, os conflitos familiares, a decadência, ou estilhaçamento, da família, marcou-se como a minha leitura predileta daquela época.
Mas Érico Veríssimo tinha vários outros livros que fui lendo ao longo dos anos. Em 1965, eu já com 17 anos, ainda na Emílio Ribas, li O Senhor Embaixador, cuja história confesso que nem me lembro mais (o outro Érico que me marcou muito já aconteceu na minha fase de estudante de engenharia, já meio visita lá pela Emílio Ribas, em 1971, O Incidente em Antares, obra primorosa que também virou coisa global).
Mas, apesar de me lembrar quase nada do O Senhor Embaixador, me lembro que o personagem passava suas noites no escritório/biblioteca de sua casa escutando, com profundo deleite, a Partita nº 1 para Violoncelo de Bach. E como eu amava Bach (história que já contei) desde meu sofrer de amor brandenburguês, amava o Érico, e achava o Embaixador um homem muito refinado (sempre dei ás histórias um forte cunho de realidade), queria muito escutar essa Partita.
Aí vem minha vida independente, onde comprava meus próprios discos, fazia minhas próprias escolhas musicais. Vem a bossa nova, a MPB moderna pós BN, o jazz, os clássicos sinfônicos, ´ssas coisas. E, por alguma razão que Freud explicaria se eu lhe perguntasse, nunca me lembrava da Partita em questão. Tenho Partitas bachianas para violino, para piano, mas nenhuma para violoncelo. Havia esquecido o Embaixador, vestindo um robe chiquérrimo, no escurinho de sua sala/biblioteca, tomando um bom vinho ou outra coisa chique qualquer, de olhos fechados escutando Bach, enquanto se preocupava com os destinos da América Latina.
Mas com essa coisa de ficar contando historinhas de minha adolescência, rememorando coisas já tão passadas (uma das coisas boas do envelhecer, segundo entrevista recente do Umberto Eco), acabei me lembrando da tal partita. A pesquisa no YouTube não foi farta em resultados, mas prometo que vou encomendar a obra completa. Por enquanto, encerro essa postagem quase tão longa quanto O Tempo e o Vento, com o único vídeo que encontrei com a Partita nº 1 para Cello de Bach. Como o vídeo explicará, fico sem saber quem toca, apesar do vídeo, provavelmente, dar os créditos devidos. Aliás, espero que o malabarismo das imagens no vídeo não atrapalhem a audição da música.
E se um de vocês tem a Partita completa, Pipoca e eu muito agradeceríamos se nos mandassem.

A Doris do dia


Um dia falei na Doris Day cantora, não de músicas de filmes somente, mas de baladas até meio jazzísticas. Juro que procurei uma amostra para provar que a "namoradinha da América" tinha sido outra coisa antes de resolver, com toda razão, ganhar dinheiro fazendo cinema. Falhei vergonhosamente.
No entanto, é só pesquisar no YouTube que vamos encontrar vários exemplos da moça cantando em filmes. Esse que escolhi aqui é para o deleite das mais velhinhas que eu (será que as há?), que, sem dúvida, se encantarão com o charme do bigodinho cafageste do Clark Gable.
Outro dia coloco Pillow Talk e conto a história das matinês no Cine Ouro Verde e as "ficadas" que duravam só o tempo da sessão de cinema. E os meninos aproveitam e matam a saudade do Rock Hudson, que, na realidade, adorava eles.

Teu olhar de encontro ao meu

"Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar."
Cecília Meireles
Obrigado Inês

Sintoma em Preto & Branco


fotos: Zédu
Em outras palavras, é ao barrar o Impossível na Verdade, que na verdade, por impossível, não necessitava ser barrado, que a Lei (Ordem) cria a ilusão do possível e autoriza a busca. Assim, é a Lei que institui o Desejo que bane, e esse, assim instituído, escreve as leis que controlam os desejos. As leis e os desejos, minúsculos representantes da Lei e do Desejo, se tornam, portanto, intrincados, amarrados um no outro, nó-meados, determinando, destarte, uma inscrição desejante para as leis e seus discursos. Inscrição esta que por remeter ao Desejo Original é regulada pela Lei, a mesma que ao expulsar o homem do paraíso, permite que este cresça e se multiplique. Não fosse o Pecado Original (demonstração fabulosa deste caráter duplo da proibição da Lei), bastariam Adão e Eva para completar o nirvana da criação.

Os sujeitos têm, portanto, uma eterna dívida de gratidão para com a cobra paradisíaca, essa grande injustiçada. Aliás, é esse caráter duplo da Lei que nos permite entender melhor a caracterização que, mais tarde, Lacan fará do Super-Ego freudiano. Se a Lei fosse autorizada pelo sujeito, e por isso por ele acatada, ela deixaria de cumprir seus objetivos, pois é preciso que tentemos burlá-la, mesmo que para isso paguemos o preço da culpa e do sentimento de culpa. O desejo do Desejo implica, então, em uma contraposição radical à Lei e à Ordem. E como inscrição da autoridade no interior mesmo do sujeito, o Super-Ego tem que cumprir essa dupla finalidade: ao mesmo tempo que nos controla (como na visão tradicional do Super-Ego como instância censora da personalidade), vive a nos ordenar: "Goza!".

Da mesma forma que vamos encontrar essa inscrição desejante em toda lei, os desejos e seus objetos só serão acessíveis ao indivíduo pela intermediação do simbólico, o que vai inscrever a lei no desejo. Círculo vicioso, aparentemente só se rompe pela castração mas, na realidade, se mantém incólume graças à ignorância do homem quanto às sobre-determinações que o sujeitam, ignorância esta que vai sustentar o livre arbítrio presumido do indivíduo e gerar, pelo desconhecimento e Não-Saber que implica, a repetição viciosa que caracteriza todo o comportamento humano.

Nesse sentido, a castração pode ser entendida como o corte que separa esse intrincamento e como aquilo que permite colocar a lei no lugar da Lei e o desejo no do Desejo, e assim fazendo, tirar o sujeito do redondo vicioso e paralisante do rebatimento obsessivo dessas duas ordens. Nessa transformação algo para sempre se perde, visto que nem a lei é a Lei, nem o desejo o Desejo; o preço do possível é a impossibilidade do Real. Essa castração inevitável, e sob certos aspectos desejável ainda que não desejada, deixa no Simbólico da lei e no Imaginário do desejo uma fenda, um corte, um buraco, marcas da Falta da Coisa que lá nunca esteve.

Buraco negro, a Falta é um vácuo que a tudo suga, não podendo, portanto, permanecer aberto, sob o risco do sujeito continuar paralisado (e agora não mais na be(s)(a)titude paradisíaca original mas em uma espécie de calmaria de olho de furacão). Por isso, a esse buraco tampona-se, costurando-o, sendo as suturas que daí resultam os sintomas dos indivíduos e das civilizações. Cada sintoma é, portanto, uma tentativa de resposta, uma costura, mais ou menos grosseira, do corte cesariano por onde o Simbólico, em um parto ao contrário, instala o Eu dentro do Sujeito e os Nós que o amarram à civilização a que pertence. Cicatriz, o Sintoma lembra a Falta, que lembra o Sonho, que sonha o Desejo, que deseja a Coisa que nunca se conheceu, aquele "eterno enquanto durou" que um dia, por ignorância, pré-sentimos como a um fantasma se pressente. Assim, apesar de solução, o Sintoma é cicatriz e, sempre que o tempo vira, incomoda; no mais das vezes, coça."



sexta-feira, 23 de maio de 2008

Para sempre é só um instante

Se você não demorar muito, posso esperá-la por toda a minha vida.
Oscar Wilde
(via Inês)

A alma entrelaçada dos indescritíveis


Que canto há de cantar o que perdura?
A sombra, o sonho, o labirinto, o caos
A vertigem de ser, a asa, o grito.
Que mitos, meu amor, entre os lençóis:
O que tu pensas gozo é tão finito
E o que pensas amor é muito mais.
Como cobrir-te de pássaros e plumas
E ao mesmo tempo te dizer adeus
Porque imperfeito és carne e perecível

E o que eu desejo é luz e imaterial.

Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?

Hilda Hilst
Obrigado, Inês

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Mensagem de outono

Ontem, um dia meio especial por razões que só Pipoca desconfia, já que caminhava comigo, estava eu lépido e fagueiro caminhando sob o sol dourado deste outono que, por graça, havia dispensado o frio com que vem se apresentando, e como sempre com minha traquitana de tocar músicas acoplada a meus ouvidos, quando Vinícius começou a declamar um poema do qual não me lembrava, acompanhado suavemente por um piano que eu não reconhecia. Lindo poema, declamação que só um autor é capaz de fazer, tudo já muito me tocava, que ando meio sensível nestes frios de outono, nessas manhãs tardias, nessa preparação para o inverno que me ameaça com hibernações necessárias. Mas, vocês não sabem, minha traquitana de músicas no ouvido é programada para escolher, entre as quase 3000 músicas que armazena, aleatoriamente qual a faixa que se seguirá. E Vinícius findo eis que entra um Miles Davis tão suave, e tão rascante, quanto o poema que havia terminado. A combinação, que o espírito da máquina escolheu para meu escutar, encantou-me como se folhas secas derrubadas no meu caminho, sem sorrisos a impedir a minha dor de passear, fossem, o poema e a música. Tocou-me a coisa tocada e, claro, não havia outra coisa a fazer que não fosse dividí-la com vocês.
A coisa é longa, mas a coisa é bela. Escutem. E caminhem comigo nesta mensagem que mando, eu, à poesia.

sábado, 17 de maio de 2008

Autobiografia ligeira em várias encarnações

Quem quiser saber de mim.
Já fui campineiro,
já fui carioca,
hoje estranho estrangeiro
de mui saudosa maloca.
Eu sou assim.


sexta-feira, 16 de maio de 2008

Anna de todos os n´s

Aniversário de Anninha, velha amiga dos bons tempos cariocas. Falar com ela, escutar sua alegria gostosa, sua vontade de viver, e imaginá-la lá na Jerônimo Monteiro, no Leblon que tanto amo, esperando pelos meninos que já foram nossos, pelos amigos, tudo isso me deu uma saudade enorme deste Rio que anda fading out em minha vida.
Para Anna, para todos os amigos cariocas, para a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, minha toda saudade. Um dia eu volto!


quinta-feira, 15 de maio de 2008

Estou cansado

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:

De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —

Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,

E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
Bacon
Álvaro de Campos

Estranho estrangeiro


Hopper, Nightwanks
Já não tenho mais
as minhas horas
todas soltas,
nem tenho mais
os meus dias
todos tontos.
Já não teço mais
a minha eterna
e infindável colcha,
nem viajo mais
na solitária nau
de partir tão pronto.
Re-voltado campineiro,
de retorno tão canhestro,
sou pouco amante
das andorinhas que revoam
tão longe de mim distante.
E como o eterno maestro,
aventura finda,
no instante derradeiro,
me descubro, enfim,
e ainda,
um estranho estrangeiro.

terça-feira, 13 de maio de 2008

No vitrolão da Emílio Ribas

Sobre minha iniciação musical no vitrolão 78 da Emílio Ribas, já contei bastante. Em frente a ele começou minha educação musical. Os bolachões negros dos discos 78 se dividiam entre clássicos, canções francesas e música para piano.
Entre os franceses havia, principalmente, Charles Trenet. E, entre tantas canções, La Mer e Que reste-t-il de nous amour?, ficaram gravadas em mim por razões misteriosas que nem Freud explica. Não acho que a gravação que aqui coloco de La Mer seja a que escutava sem entender palavra, só sorvendo a música que ainda era, qualquer uma, um mistério fascinante para mim (faltam-lhe os chiados dos discos 78 e a coisa toda me parece mais moderna do que me lembro), mas mata minhas saudades mesmo assim, ou melhor, aviva-as, já que é saudade de mim mesmo, de um outro tempo, de uma outra Campinas, muito mais do que do Charles Trenet a coisa que sinto.
A música, de sua autoria, foi originalmente gravada em 1946 (provavelmente a versão que tínhamos em casa), data que aliás corrigi na Wikipédia (versão tupiniquim) que afirmava, erroneamente, que ela havia sido gravada só em 1964 (vantagens de fazer uma pequena pesquisa antes de postar as lembranças de infância por aqui). Assim fosse, que restaria de minhas memórias infantis? Em 64 eu já era Diretor do Departamento de Politização do Grêmio do Culto à Ciência, não ouvia mais discos 78 e tinha minha própria sonata para escutar bossa-nova, jazz, tudo já em LP´s (aliás, por essa época dançavamos La Mer na gravação de Ray Conniff), um moleque metido a adulto vendido para o gosto, e desgosto, dos outros moleques como eu . Não ia perder meu tempo com franceses do gosto de meus pais. Mas, lá pelo final dos 50´s, o papo era outro e o menino bem mais puro. Gostava mais!



Obrigado, Regina, pela música
.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Sob o olhar de Ayan

ME HE QUEDADO SIN PULSO Y SIN ALIENTO

Me he quedado sin pulso y sin aliento
separado de ti. Cuando respiro,
el aire se me vuelve en un suspiro
y en polvo el corazón, de desaliento.

No es que sienta tu ausencia el sentimiento.
Es que la siente el cuerpo. No te miro.
No te puedo tocar por más que estiro
los brazos como un ciego contra el viento.

Todo estaba detrás de tu figura.
Ausente tú, detrás todo de nada,
borroso yermo en el que desespero.

Ya no tiene paisaje mi amargura.
Prendida de tu ausencia mi mirada,
contra todo me doy, ciego me hiero.

Ángel González

Ai de mim, Copacabana!

domingo, 11 de maio de 2008

Para vocês, que têm sido uma mãe para mim

O Dia das Mães é propício para pagar dívidas e comemorar amores impossíveis. Então, para todos vocês que tem sido uma mãe para mim, minhas comentadoras (já repararam que só as mulheres comentam? outro dia Ramasco, que também conheceu o Zé, quebrou uma quase regra que vinha se mantendo há muito tempo, mas no geral, conhecidas ou desconhecidas, são elas que deixam aqui suas marcas), deixo aqui o meu presente, da maneira que posso nesse blog que já não é só meu. Com ele pago minha dívida com uma cantora divina e comemoro meu amor impossível, pois sempre faltoso, com a beleza da boa música. Além do mais
Para vocês, Misty, com Sarah Vaughan, em uma apresentação em Berlim no ano de 1969. A música é uma delicada composição daquele pianista brincalhão que comentamos posts atrás; Erroll Garner, e combina perfeitamente com as manhãs friorentas com que este maio tem me brindado aqui por Campinas.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Só depois

SEM DEPOIS


Todas as vidas gastei
para morrer contigo.

E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.

Rasguei as cartas.
Em vão: o papel estava intacto.
Só os meus dedos murcharam, decepados.

Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só os meus olhos
se desfizeram, redondas cinzas.

Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?

Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.

Todas as mortes gastei
para viver contigo.

Mia Couto

Elis apaixonada

Reparem a carinha de apaixonada com que ela olha para o César Camargo Mariano. E, apaixonada, canta melhor ainda. Aliás, como acho que já disse por aqui, Elis está cantando cada dia melhor.



.Pelo vídeo, obrigado Inês
.

O amor comeu minha paz e minha guerra


texto da foto de João Cabral de Mello Neto
Quero, de novo, ser sonho teu
Dormir-me em ti todas as noites
Os teus calores, fazê-los meus
E ter, de ti, o chicote e o açoite,
E as dores do chegar aos céus.
.
.

Nada es lo mismo



La lágrima fue dicha...

Olvidemos el llanto
y empecemos de nuevo,
con paciencia,
observando las cosas
hasta hallar la menuda diferencia
que las separa
de su entidad de ayer
y que define el transcurso del tiempo y su eficacia.

¿A qué llorar por el caído
fruto,
por el fracaso
de ese deseo hondo,
compacto como un grano de simiente?

No es bueno repetir lo que está dicho.
Después de haber hablado,
de haber vertido lágrimas, silencio y sonreíd:

nada es lo mismo.

Habrá palabras nuevas para la nueva historia
y es preciso encontrarlas antes de que sea tarde.

Ángel González

Coisas da guerra, minha nêga!




Lili Marlene é uma canção da guerra, a mesma que me fez lembrar meu pai posts atrás. Mas, mais que isso, ela tem uma história meio rara: foi, em suas várias versões, usada, como propaganda e provocação, por ambos os lados em conflito. Sua letra foi escrita por um soldado alemão durante a 1ª Grande Guerra (com o título de "Das Mädchen unter der Laterne" - a garora sob a lanterna) e foi musicada somente em 1938. Durante a 2ª Guerra, começou a ser usada pelos alemães (apesar da oposição de Goebbels, o Ministro de Propaganda do 3º Reich), mas foi logo em seguida incorporada pelo Outro Lado ( em uma gravação em inglês de Anne Shelton, tudo isso ainda no final da década de 30). Nos 40´s, gravada em inglês e alemão por Marlene Dietrich, firmou-se como uma música sem fronteiras, apesar de estar para sempre associada à 2ª Grande Guerra. A música, apesar de imortalizada pela Marlene que (en)cantava, teve ainda inúmeras gravações (Carly Simon gravou-a em 1997) ao longo do século XX. Acabou tornando-se um hino de um tempo que se acabou com a guerra, um sonho romântico que se tornou cada vez mais proibido na aurora dos tempos modernos que a Pax Americana inaugurou. Em 1980 Fassbinder filmou Lili Marleen, supostamente a história de Lale Andersen, a cantora de sua primeira gravação em alemão.

É justo dizer que a canção teve, em suas várias versões, letras diferentes da original, sempre ao sabor dos interesses de quem a vinculava (nos comentários coloco um versão brasileira da letra). Mas o ...Lili Marlene....Lili Marlene do estribilho nunca se alterou. Acabou virando uma canção anti-guerra, de celebração da humanidade que as guerras tentam destruir, uma bela canção de amor. E a gravação de Marlene Dietrich, o Anjo Azul que havia voado para o "nosso" lado, fincou-se como a definitiva.



A idéia da postagem veio de um comentário de Meire, lá nos idos de março, quando falei de meu pai, da guerra e de música.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Raridade

Johnny Mathis e Agostinho dos Santos. A qualidade do vídeo, que me mandou Ramasco, não é das melhores, mas a raridade do encontro daqueles dois personagens dos tempos de nossos bailinhos adolescentes faz valer a pena. Aliás, o bom do blog é isso: vivo recebendo coisas para dividir com vocês.
Valeu, Ramascone!

Over the Rainbow, a música.

Um pouco de cinema para compensar minhas ousadias.

Over the rainbow


O gato, Miró


Homem de palha,
de lata,
sou leão,
sou mágico,
sou Dorothy.
So n´Oz
e a imagem
que o espelho embaça
dissolve
e devolve
em meus próprios
sinais de fumaça.
E traça paisagens,
imagens,
miragens,
em que me reconheço
e meço,
como um aprendiz,
as cores
dos meus amores
por um triz.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Zé do Pipoca


O Frango, onde sou fundador, ocupante da cadeira nº 1 e único membro da Academia Penosa de Letras e Música, é o único lugar que frequentei e em que sou conhecido por Edu. Talvez porque quando lá cheguei já houvesse um Zé, e sendo o Zédu coisa de minhas intimidades campineiras de outrora, o bar teve que decidir entre o Carioca inicial e o Edu final. O fato que Zé, por lá, só havia um, esse que fotografei tempos atrás.
O Zé era uma espécie de faz-tudo informal do lugar. Limpava as mesas, esvaziava os cinzeiros, ia ao supermercado para as necessidades do bar (ou até mesmo dos clientes, como foi tantas vezes comprar meu pãozinho fresco), ficava atento aos buracos nas garrafas de cerveja que eu tomava ( e as substituía tão logo elas escoassem por ralos que nunca descobri onde se situavam) e outras pequenas tarefas. Acabava ganhando, além do que o bar lhe pagava, uns trocados da freguesia reconhecida.
Mas, conosco, Pipoca e eu, o Zé acabou desenvolvendo uma relação mais estreita. Confesso que tive pouco a ver com isso; a coisa era entre ele e Pipoca. Pipoca, desde o início, se abanava todo com o Zé, coisa que entendo causada por sentidos caninos que não sabemos perceber, mas que os faz, aos cães, profundos reconhecedores das almas puras. E o Zé se deliciava com as festas de Pipoca (que, é bom ressaltar, sendo inglês, não é de fazer festa para ninguém). Causa disso, o Zé começou a separar as sobras de frango da freguesia e trazer para o Pipoca, mas é justo dizer que a relação dos dois não foi interesseira: Pipoca gostou do Zé antes dos agrados de frango, o Zé gostou do Pipoca na primeira abanada de rabo do baixinho. Tanto eram amigos para além das sobras de frango, que várias vezes Pipoca se abanou como não é seu costume, fleugmático, ao cruzar com o Zé fora das fronteiras do bar, lá pela Praça ou pelas ruas de Barão. Eu pegava as rebarbas dos carinhos do Zé só porque era companheiro do Pipoca.
Zé havia sido um alcólatra brabo em tempos que não conheci. Desde que elegi o lugar como meu lugar de conveniência, nunca vi o Zé caindo (demais) pelas tabelas. A freguesia, os donos do bar, todos tentavam manter um controle sobre a bebida que o Zé nunca abandonou totalmente, mas que mantinha meio sobre controle durante todo o tempo que o conheci. Alguns, mais moralistas, não davam a gorjeta devida por conta da pinga que ele iria beber depois. Eu, que acredito que a renúncia ao prazer é meio que uma coisa neurótica, e em comum acordo com o Pipoca, nunca deixei de aliviar minha carteira do peso das moedas que ia recolhendo ao longo do dia em trocos variados, nas mãos do Zé. O bar tem sua cota de bêbados bem mais inconvenientes do que jamais vi o Zé ser por lá (é justo dizer que no Frango não se servia nada alcoólico a ele), chatos que nunca me serviram, nem agradaram o meu cachorro.. Mas as pessoas, sempre donas das verdades do outro, viviam a azucrinar o Zé contando dos malefícios da bebida, dos riscos para a saúde, essas coisas chatas que as pessoas dizem entre um gole e outro no bar para os bebedores mais humildes. A bebida ainda ia matar o Zé, alertavam os bebedores de famílias quase boas. E lá o Zé não bebia.
No sábado passado, lá pelas 4:00 hs da tarde, tão sóbrio como costumava estar nesse horário, o Zé decidiu ir para casa. Foi atropelado ao atravessar a avenida por um maluco que se julgava em alguma pista de corrida (e que fugiu da cena do crime).
Morreu hoje o Zé do Pipoca. O bar, eu e todos com quem falei hoje, se entristeceram. O Pipoca perdeu um amigo, eu perdi uma pessoa. Sorte do Pipoca que não sabe de nada.
A música que coloco acompanhando este post é a que, de imediato, me fala do Zé e dos zés, sem nenhum moralismo babaca. Aprendi na minha vida de botequim que é no botequim que se despede dos amigos que lá fazemos.
A vida é um tango frágil e o Zé virou pipa e subiu aos céus.

O outro mesmo olhar disse...


Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.

Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E o sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.


Alberto Caeiro / Poemas Inconjuntos

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Para uma nova velha amiga (2ª edição revista, modificada e desculpada)



Não sei onde estava com a cabeça. Talvez na morte que se anunciava e que comentarei no post seguinte, talvez no alemãozinho que anda se encostando em mim e me fazendo esquecer das coisas que já postei por aqui, das homenagens que já prestei, dos charmes que já lancei. O fato é que lá pelos idos de março, quando a velha amiga era realmente nova, e depois de sua (dela) confissão sobre o I Wanna hold your hand como coisa marcante (hello, C.M.R.S, I´m talking about you), eu já havia colocado o vídeo da música nos ares de minhas carambolas. Não que a amiga, agora ainda mais, nova e velha, não mereça a repetição; é que eu tinha mesmo me esquecido, como me esqueço sempre das coisas que aqui vou colocando. Assim, C.M.R.S, também conhecida como Cristina nos comentários que posta, tome meu esquecimento como índice de minha, ainda, vontade de te agradar e reconhecer a alegria que essa nova velha amizade me proporciona.
Mas, autor responsável, tenho que pensar nos meus milhares de leitores (pretensão e água benta, já dizia vovó, não fazem mal a ninguém) e reconhecer que dupliquei-me sem razão justificativa. Assim, mantendo os Beatles, aproveito para colocar um que foi meu, como expliquei em Os Besouros de Liverpool em 22 de março próximo passado (adoro essa coisa do próximo passado), minha rendição à música que vazava da vitrola da Regina na Rua da Paz em Santos.
O Lucy in the Sky with Diamonds que, ingenuamente, escutei sem sub-textos lisérgicos, junto com toda a revolução sonora do LP onde a música se mostrava para mim, é marca para além de mim, coisa da nossa história in-comum (hoje entendo como quanto mais uma história é em comum, mais ela é incomum e universal, como os sertões de Guimarães e as mortes e as mortes de Quincas Berro D´água).
Aproveito que refaço a postagem e confesso: queria ter, quando idade eu tinha, experimentado a coisa, nem que fosse nos inocentes chás de cogumelo que me ofereciam em Mauá e que o careta em mim sempre recusou. Agora é tarde, agora estou na idade do olhar para trás, reler os traços que me fizeram o que serei amanhã. As viagens sem destino, a entrega às cores e à respiração das coisas, ficam confinadas no lisérgico dos desenhos do vídeo, que já não tenho coração (literalmente) para tais entregas. Pena, já que, apesar de filho de Dona Nise, não creio que na próxima encarnação posso tirar o atraso (e, se à Dona Nise eu der crédito, estou, como me garante um abalizado estudo que me foi maternalmente enviado, na minha última passagem por essas coisas encarnadas, fato que já relatei lá na Eununca Suméria, até hoje minha única autobiografia não autorizada).
De qualquer maneira, dos Beatles partimos, nos Beatles chegamos. A amiga continua nova e velha, e o desejo de agradá-la o mesmo.

domingo, 4 de maio de 2008

sábado, 3 de maio de 2008

Regando as palavras... mesmo que sejam as dos outros


Mirando mi calavera un nuevo Hamlet dirá:
—He aquí un lindo fósil de una
careta de carnaval—
Cuatro cosas tiene el hombre
que no sirven en la mar:
ancla, governalle y remos,
y miedo de naufragar.
Todo hombre tiene dos
batallas que pelear:
en sueños lucha con Dios,
y despierto con el mar.
Nuestras horas son minutos
cuando esperamos saber,
y siglos quando sabemos
lo que se puede aprender.
Bueno es saber que los vasos
nos sirven para beber:
lo malo es que no sabemos
para qué sirve la sed.
Antonio Machado "Proverbios y Cantares"

Retrato de Barros



AUTO-RETRATO
.
Ao nascer eu não estava acordado,
de forma que
não vi a hora.
Isso faz tempo.
Foi na beira de um rio.
Depois eu já morri 14 vezes.
Só falta a última.
Escrevi 14 livros
E deles estou livrado.
São todos repetições do primeiro.
(Posso fingir de outros, mas não posso fugir de mim).
Já plantei dezoito árvores, mas pode que só quatro.
Em pensamento e palavras namorei noventa moças,
mas pode que nove.
Produzi desobjetos, 35, mas pode que onze.
Cito os mais bolinados: um alicate cremoso, um
abridor de amanhecer, uma fivela de prender silêncios,
um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc etc.
Tenho uma confissão: noventa por cento do que
escrevo é invenção; só dez por cento que é mentira.
Quero morrer no barranco de um rio: - sem moscas
na boca descampada!
Manoel de Barros/Álbum de família/Ensaios Fotográficos

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A alma de Mahler


Oskar Kokoschka, Noiva do Vento
Durante muito tempo brinquei com o fato de Mahler ser casado com Alma. A música que hoje proponho a vocês fala da alma minúscula de Mahler, maior do que a senhora sua esposa que, por uma brincadeira do destino, chamava-se Alma (sobre ela e a ilustração acima, ver comentários).
Bruno Walter, discípulo de Mahler (que foi, talvez, o maior regente de sua época antes de passar o bastão para Bruno Walter), e quem primeiro regeu, postumamente, o Das Lied von der Erde (O Canto da Terra), dizia que essa peça, que se equilibra entre um extenso lieder e uma sinfonia era "Mahler´s most personal utterance", elogio que mantenho em inglês para me aproveitar do útero lá contido. Pois O Canto da Terra é uterino e absolutamente mahleriano.
Desde que comecei a colocar músicas no blog pensava em colocar esse movimento final do Canto da Terra, mas achava que o "vídeo" que possibilitaria torná-lo aceitável para os padrões que aqui vigoram, fosse ficar muito grande, já que só ele dura mais de 30 minutos (a obra toda tem mais de uma hora). Até já me referi a ele em algum post passado. Pois bem, chegou a hora, ou a quase meia-hora que ele vai tomar dos que acreditarem na minha palavra.
O Canto da Terra é uma peça magnífica e seu último movimento incluo entre as coisas que mais gosto de escutar. Der Abschied, O Adeus, fala da despedida de dois amigos, nos tempos em que haviam despedidas definitivas (a obra se baseia em poemas chineses traduzidos para o alemão por Hans Bethge) e é, de certa forma, também um canto de despedida do próprio Mahler, que já se sabia gravemente enfermo da doença cardíaca que o mataria em 1911. É, também, a última coisa escrita por Mahler antes que seu casamento com Alma chegasse ao fim (em 1910 Mahler consulta-se com Freud por conta de sua crise conjugal). Tendo perdido sua filha Maria Anna, em 1907, descoberto, no mesmo ano, sua condição crítica de saúde, vendo seu casamento desmoronar, Mahler despedia-se como sabia: através da música (de certa forma, a 9ª Sinfonia, escrita depois d´O Canto da Terra, e como esta jamais executada durante a vida do compositor, é uma continuação deste adeus, já que tem, de forma absolutamente serena, ainda que melancólica, a Morte como tema)
O Canto da Tera foi composto entre 1907 e 1909, entre a 8ª e a 9ª Sinfonias (Mahler chamou O Canto da Terra de Poema Sinfônico apesar de ter podido chamá-la de um sinfonia, seja pela extensão da obra , seja por suas características no repertório mahleriano Mahler usou intensamente a voz em várias de suas sinfonias), mas ele acreditava na "maldição" da 9ª sinfonia, a que supostamente encerrou a carreira de três de seus ídolos musicais: Beethoven, Shubert e Bruckner; por ironia do destino, Mahler morre depois de haver terminado a sua 9ª, e houvesse nomeado O Canto da Terra como sua 9ª, teria vencido a maldição e composto 10 sinfonias). Tanto o Canto da Terra quanto a 9ª só foram "descobertas" depois da morte de Mahler (juntamente com um esboço detalhado para uma 10ª Sinfonia que permaneceu inacabada). O Canto da Terra foi apresentado ao público por Bruno Walter, em Berlim, 6 meses depois da morte do compositor em maio de 1911.
E, talvez, pela primeira vez os mais de 30 minutos de seu belo movimento final, encontram um lugar num blog (no Youtube só achei um vídeo com os 10 minutos finais deste movimento que encerra o Poema). Minha adoração, divido-a com vocês esperando incentivá-los a comprar a obra em algum CD (existe um CD com uma versão de 1960 regida por um Bruno Walter, então com 83 anos, mas preferi essa com Georg Solti por achá-la, história a parte, mais bonita que a outra). Com um CD em mãos vocês poderão escutar essa peça sinfônica com a qualidade sonora que ela merece e que as compactações aqui necessárias comprometem.


quinta-feira, 1 de maio de 2008

Orfeu e Eurídice (Gluck)


Em algum lugar do passado recente do blog, postei a homenagem emocionada de Nelson Freire a Guiomar Novaes tocando essa peça da ópera Orfeu e Eurídice de Gluck. A coisa era de colocar nos nossos olhos as mesmas lágrimas que denunciaram Nelson Freire. Mas, a melodia de Gluck era de uma beleza que ouso repetí-la aqui. Da percussão do piano às cordas do violino de Jascha Heifetz, a melodia me encanta, me emociona, me toca, cordas e superfícies, com sua beleza triste, tão condizente com a friagem que prenuncia o ventoso inverno campineiro (aliás, percebam como, na única tomada da platéia, as caras lembram as que acompanhavam Nelson Freire na outra postagem). Christoph Willibald Ritter von Gluck (1714-1787) demonstra que algo na música atravessa os séculos imaculadamente. Minto pois não consigo ver, neste nosso século, uma música que nos tome tão emocionalmente quanto essa passagem de Gluck. Mais ainda, serve para demonstrar que a ópera é um conceito vasto, e antigo, já que a música de Gluck se situa séculos antes do apogeu dos autores que costumamos reconhecer como operísticos.
Mas isso é tudo abobrinha, e abobrinha não é carambola, já que a música retorna por ser linda e, agora, poder ser escutada por si mesma.

Maio, mês do meu povo

Mês do povo
e do começar de novo.