sábado, 30 de junho de 2007

Só os poetas sabem das coisas





Bueno es saber que los vasos
nos sirven para beber;

lo malo es que no sabemos
para qué sirve la sed.

Antonio Machado

Con-fusão narcísica
















Mauá, anos 80, Colher de Chá, chalé 5 ou 6, igualzinho ao chalé 1 da foto, onde fiquei com outra ela uma outra vez. Eu, ela e dois veadinhos que conhecemos dourando-se nas pedras do Rio Preto. Jovens de dar inveja aos jovens que ainda éramos nos 80´s. Ambos igualmente trejeitosos e dourados. Namoradinhos.
Conversa fiada, vinho, noite fresca como os dois meninos. Surge a idéia/sugestão de "enrolarmos unzinho". Veadinho B se atiça todo, mas veadinho A define:
"Não, queridos! Não gosto quando ele (B) fuma. Ele fica muito autocrítico: só fala mal de mim"
Panos rápidos!

quarta-feira, 27 de junho de 2007

A cara dela


O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Alberto Caeiro




terça-feira, 26 de junho de 2007

Pai coruja

Talk of the town. You can´t miss it.

http://agenciagramofone.wordpress.com/instiga/










Pedro Leite, baterista e autor do prato "Faisão ao curry", alta culinária registrada em nome da banda (e, por mera coincidência, filho de um dos autores do blog; mas nada a ver, certo?)

Garrafas ao mar


Vou me tornando um rato dos sebos de Barão, onde renovo, baratinho, meu estoque de Simenons e outros bons mistérios do gênero, que a cabeça não anda para nada mais sério, perdida em pensamentos já por demais complicados. Vai daí que estava lendo um dos livros que comprei e, de repente, de dentro dele, cai uma folha de papel dobrado. Era esse desenho, que um pai ou mãe, da menina Cristina, guardou e esqueceu. Largado dentro de um livro, virou um daqueles bilhetes que colocamos em garrafas e jogamos ao mar (uma vez, em Mauá, Gilza e eu jogamos um bilhete com nossos mails e telefones nas águas do Rio Preto dentro de uma garrafa de plástico; nunco mais ouvimos dele). O livro viajou, ancorou em um sebo de Barão, A Valise de Cronópio, e terminou em minhas mãos. Dentro dele o bilhete da menina para esse menino que ando sendo.
Quem será, hoje, essa Cristininha que desenhou o bilhete? Espero que continue com os dias cheios de sol, de grama, de palmeiras e em uma casa com vitral colorido.

Dedicado a uma outra Christininha, que já mora no meu coração.

21.444º


Meio menino, meio super homem
Nas nuvens, ainda na praça
Desejos que não me fogem
Homem cheio de medos, menino cheio de graças.

domingo, 24 de junho de 2007

21.442 olhares (proverso versosa em tons de rosa)


Passei uma tarde Manoel de Barros na praça logo ali depois do mundo. Nem vegetal, nem mineral, natural como se esforça ser um olhar meio ofuscado por tantas palavras já lavradas. Soube restos de outono, pisei em folhas secas, colori o olho de meu olhar com um sol cumprindo sina de desaparecer, sujei a bunda de barro ainda cheirando Manoel, aventei-me bem devagar. Pipoca, Fred, pipas, crianças ainda agentes, quase passarinho algum, outras tantas poucas formigas, trilhas minúsculas na grama, aragem de Dia de Santo Antonio, ipê roxo cor de violeta, luz na tangente da bola do mundo. Não fosse por uma ou outra mãe triste cumprindo obrigação, era um quase sem gente que não fosse eu (os corredores vespertinos corriam do meu olhar e não se fixavam, e eram como a cor do vento que não ventava só por querer não ventar). Quase levantei vôo das asas e me encoisei com as pipas e seus rabichos. Me atravessando o prisma, todas as cores. Amarelei em tons do outono que acabou. Fui! Mas já voltei, com o vento que resolveu ventar inventos e uma friagem de inverno recém-nascido.
Bar do Véio, 24 de junho de 2007

Ignorãça


I
Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

II
Repetir repetir - até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo
.
III
Nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.

Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc etc.

Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã
no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral.

Manoel de Barros

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Ama-dor das palavras







Porque a maneira de reduzir o isolado que somos dentro de nós mesmos, rodeados de distâncias e lembranças, é botando enchimento nas palavras.
Manoel de Barros


Obrigado, Inês

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Pretérito Presente

Era uma vez uma menina,
pérola assim meio escondida,
fechada em concha, cumprindo sina,
vivia no escuro, meio sem vida.
.
Poeira de sua própria ostra,
doente de passadas mágoas,
sorria falsa, mulher à mostra,
trancada em si, imersa em águas.
.
Um dia um menino a colhe,
ostra trancada, proibida jóia.
E nele, dela, ele escolhe.
.
Apanha a pérola, devolve a ostra,
que, então, sem ela, nas ondas bóia.
Nele a menina, ao mar a crosta.
.
Pérola a mostra, menino amante.
Mulher exposta, homem o bastante.
.
EE assim supino, meio que de repente,
viraram meninos, e foram para sempre.

Pretérito presente!

.

terça-feira, 19 de junho de 2007

A-mor-te-(c/s)er



Me mato um pouco aos pouquinhos
Vivendo sempre um dia a mais
Pois ao contrário dos AA´s louquinhos
Pouco me importa o dia que jaz.
.
Pois viver é sempre se suicidar
Insistir no apesar, apostar no talvez
Correr os riscos, e se desgastar
Saber que tudo é só uma vez
.
Nada guardar, querer de tudo um mais
Viciar a busca, no impossível insistir
Ousar nos vícios, não desistir jamais
Viver a vida, ousar o ser e o existir.
.
Pois se a morte é certa e a hora incerta
A Medonha é cega e não sabe escolher
E nos cabe, à vida, ser coisa esperta
Que basta estar vivo para depois morrer

Com a mão na massa



Em seu Navio de Cabotagem,
J. Amado dizia, cheio de sacanagem,
querer morrer com a mão nas partes
da sua Gattay.
E se pensarmos, com muita arte,
e sem bobagens,
melhor no hay.

Cumpadrio


Miguel Arcanjo,
rica Elisa.
Um belo arranjo,
foto precisa.
.
Comadre minha,
meu afilhado.
Sacra que eu tinha,
aqui preservado.
.
Falta o Fernando,
meu bom compadre,
Pai deste anjo,
Homem da Madre

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Nós


No meio da paisagem árida, no rastro da poeira que o plano geral revelava, no rasgo de um daqueles desfiladeiros fatais do velho Oeste, cavalgavam as duas figuras solitárias. Um, por escolha mascarado, dito Cavaleiro Solitário, um pouco à frente; o outro, sua sombra fiel, de nome desconhecido ainda que pelo um batizado Tonto, era índio de alma tão branca quanto o corcel do bom mocinho a quem seguia cegamente. De repente, nos cimos do desfiladeiro, nos vários horizontes possíveis, em todos os pontos de fuga, desenharam-se silhuetas inesperadas, sombras incertas de outros índios, estes com alma da cor da própria pele. Olhavam-nos, à dupla improvável, com olhos famintos de vingança e troco. E olhasse o solitário mascarado para onde olhasse, só divisava selvagens enfurecidos em número infinitamente superior ao seu estoque de balas de prata. Pasmado pelo desastre inevitável do qual julgava-se imune, recorda-se do fiel companheiro de sua solidão, vira-se para ele e diz: "Nós estamos perdidos!". Também angustiado pelo real de seus horizontes, de bate pronto rebate o nunca mais tonto:

Nós quem, cara-pálida?

domingo, 17 de junho de 2007

Cabeceira



Confesso, e por isso peco!
No teu mistério, sou sem critério,
No teu não todo, sou mais um bobo.
Pela vida a fora, encontrar agora
O que lá resta, já não me é festa
Na fechadura, em cinemascope,
Espio candura, fujo pro chopp.
Te olhar me salga, mulher de Lot,
Espumas, algas, um Lancelot
Escrevo aflito, escravo dito
Busco palavra e o fim da lavra.
Fico com o fundo e o fim do mundo,
O espanto mudo e o criado tudo

Todo o sentimento



No oco de meu sentimento,
tem brunos e brumas,
pedros e pedras,
gilzas e seixos.
O resto é espumas,
janela aberta,
último leito.
Acontecimento!

Fidalguia



O burguês inverso
perdeu a prosa,
virou do avesso
e peidou rosas

sexta-feira, 15 de junho de 2007

As ondas





É da dívida ser adiada,
e da vontade, satisfeita.
A xícara de café é nada,
a palavra não dita, desfeita.






Waves

Ogata Korin (1658-1716) Edo period

terça-feira, 12 de junho de 2007

Ecos do Inferno

"E orgulho-me todavia de minha humilhação, e por estar condenado a tal privilégio, quase desfruto uma salvação odiosa: acredito ser, na memória humana, o único exemplar de nossa espécie a ter naufragado num navio deserto"

"Nós pensávamos...que a vida no inferno fosse o lugar do eterno desespero...Ai de mim, não, pois este é o lugar da inextinguível esperança, que torna cada dia pior do que o outro, pois essa sêde, que nos é mantida viva, não é jamais satisfeita"

(Umberto Eco - A Ilha do Dia Anterior)

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Para não dizer que não falei das flores.


Homem é tudo a mesma coisa. Só muda de CPF.
(ditado pró-prolar)

Provocação nº 1

Toda mulher, fêmea da espécie dos falentes, sonha ser a Outra. O máximo que conseguem, quando conseguem, é ser a outra, banal personagem de Nelson Rodrigues, macho da espécie. E esquecem, tolinhas, que são sempre uma outra,
(Nó-meação, Ela, Eu e eu)

domingo, 3 de junho de 2007

Recolhimento


Quando eu te contar a verdade,
não diga nada.
Qualquer boa vontade,
será a vontade errada.
Quando eu te disser a verdade,
cale-se! Apenas ouça!
Palavras de louça,
frases rendadas
feitas de espuma,
enfumaçadas,
letras que escorrem
como areia pelos dedos
ou a bruma de umamanhã bem cedo.
Quando eu te falar a verdade,
não tenha medo!
Fica comigo no teu ouvido,
me acolha o colo que nunca dei,
me salgue as lágrimas que não chorei,
escuta o dito que não direi
e tudo que sobrar devido.
E me recolha em concha,
na ponta dos teus dedos,
no seio dos teus medos.
E quando a ostra, como é das ostras,
novamente se fechar,
aceite a trouxa ali recolhida,
e me deixe na praia,
no quebra mar,
entre as espumas,
as brumas e o litoral.
Quando eu te calar a verdade,
não me queira mal!
E guarde, pouco de mim,
em um canto dos olhos teus.
Me leve calada, contida,
no brilho de teu olhar,
a verdade dita,
o fim,
restos do eu.
Resto que deixo,
no teu calar.
O resto é seixo,
para Iemanjá.



O som é a espuma das palavras


What I say is perpetually contradicted. Each time the door opens I am interrupted. I am not yet twentie-one. I am to be broken. I am to be derided all my life. I am to be cast up and down among this men and women, with their twitching faces, with their lying tongues, like a cork on rough sea. Like a ribbon of weed I am flung far every time the doors opens.The wave breaks. I am the foam that sweeps and fill the uttermost rims of the rocks with whiteness;I am also a girl, here in this room.
Virginia Woolf, The Waves

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Junho, Gêmeos, escolho minha ilusão.

Os bares, a boemia vespertina, Barão me acolhia. O boêmio parisiense é de Toulouse-Lautrec



Junho de 2007