terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Feliz Ano Novo (part. especial: Rubem Braga)


PASSOU.

O ano passou. Não sei se vós, leitor amigo, ou vós, distinta leitora, o passastes bem. Eu, como já passei muitos, os tenho passado de todo jeito, e ainda hoje esse segundo que vem depois da meia-noite me perturba.

Já passei ano só, em terra estranha, ou – o que é mais amargo – na minha; ou andando como um tonto na rua ou afundado num canto de bar ruidoso; ou tentando inutilmente telefonar; dormindo; com dor de dente. E quando digo de todo jeito estou dizendo também de jeito feliz, entre gente irmã ou nos braços de algum amor eterno – braços que depois dobraram a esquina do mês e da vida, e se foram, oh! provavelmente sem sequer a mais leve mágoa nos cotovelos, apenas indo para outros braços.

Passam os anos, passam os braços; mas fica sempre, quando a terra dá outra volta em si mesma, essa emoção confusa de um instante. Conheço pessoas que fogem a esse segundo de consciência cósmica, afetando indiferença, indo dormir cedo – como se não estivessem interessadas em saber se esta piorra velha deste planeta resolveu continuar girando ou não. É singular que entre tantas festas religiosas e cívicas nenhuma chegue a ser tão emocionante e perturbe tanto a humanidade como esta, que é a Festa do Tempo. É como se todos estivéssemos fazendo anos juntos; é o Aniversário da Terra.

Se a alma estremece diante do Destino, o espírito se confunde; reina uma tendência à filosofia barata; vejam como eu começo a escrever algumas palavras com maiúsculas, eu que levo o ano inteiro proseando em tom menor, e mesmo o nome de Deus só escrevo assim para não aborrecer os outros, ou para que eles não me aborreçam..

Já ao nome do diabo, não; a esse sempre dei, e dou, o 'd' pequeno, que outra coisa não merece a sua danação. A ele encomendamos o ano que passou - e a Deus, o Novo. Que vá com maiúscula também esse Novo; fica mais bonito, e levanta nosso moral.

E se entre meus leitores há alguma pessoa que na passagem do ano teve apenas um amargo encontro consigo mesmo, e viveu esse instante na solidão, na tristeza, na desesperança, no sofrimento, ou apenas no odioso tédio, que a esse alguém me seja permitido dizer: "Vinde. Vamos tocar janeiro, vamos por fevereiro e março e abril e maio, e tudo que vier; durante o ano a gente o esquece, e se esquece; é menos mal. E às vezes, ao dobrar uma semana ou quinzena, ás vezes dá uma aragem. Dá, sim; dá, e com sombra e água fresca. E quem vo-lo diz é quem já pegou muito sol nos desertos e muito mormaço nas charnecas da existência. Coragem, a Terra está rodando; vosso mal terá cura. E se não tiver, refleti que no fim todos passam e tudo passa; o fim é um grande sossego e um imenso perdão.

Rio, janeiro de 1952

Rubem Braga


Mais uma coisa roubada das mensagens que recebo. Recebido da Nina, que recebeu de alguém, que recebeu de.... Essas coisas são passarinhos que quando pousam em nossas máquinas temos que fotografá-los no álbum de nossos belezuras e, em seguida, deixá-las voar novamente. Colocada agora na data coerente com o dizer do texto, são esses nossos votos, meus e do Pipoca, para todos que têm caminhado comigo por aqui. E fiquem atentos; mesmo nesse tantinho de acabar de chegar, 2008 já começa a ir embora. Façam dele bom proveito!

7 comentários:

Leila disse...

Gostei da foto! Dos dois presentes e dos presentes ainda por abrir (?).
Acho que o meu AN será de tédio, nas palavras de Rubem Braga que julguei suas até o fim do fim. Leila

Zédu disse...

Leila,
Leitora nova e já assídua. Aproveita o tédio do Ano Novo (e o meu é maior, já que já passei por mais anos novos do que você) e passeie pelo blog. Aí, quem sabe, vc não me confunde mais com o velho Braga, legítimo filho de Cachoeiro de Itapemirim.

Anônimo disse...

Oi moço,

A crônica é ótima, mas vê-lo sorridente neste sofá com essa leveza toda...ahhh como isto é bom...com todas estas cores em você e ä sua volta é delicioso: vivre la vie!! gracias a la vida!!

beijão meu amigo do coração

Meire

Anônimo disse...

Cometi uma falta, uma ingratidão tremenda ,em nem mencionar meu amigo da primeira hora, com cheirinhos e mimos tão merecidos - Mr. Pipoca é parte desta importante da cena que comemoramos!

Anônimo disse...

As cores, a luz e sua fisionomia muito alegre, fizeram deste seu post meu mais sincero cartão de feliz ano novo. Espero que em 2008 seu rosto se ilumine sempre em todas as cores, e que o contato entre nós possa frutificar em renovadas alegrias.

Anônimo disse...

Feliz 2008 para você também, Zédu.

Anônimo disse...

Memorándum...

Uno llegar e incorporarse el día
Dos respirar para subir la cuesta [ladeira]
Tres no jugarse en una sola apuesta

Cuatro escapar de la melancolía
Cinco aprender la nueva geografía
Seis no quedarse nunca sin la siesta

Siete el futuro no será una fiesta
Y ocho no amilanarse todavía
Nueve vaya a saber quién es el fuerte

Diez no dejar que la paciencia ceda
Once cuidarse de la buena suerte
Doce guardar la última moneda

Trece no tutearse con la muerte
Catorce disfrutar mientras se pueda

Mario Benedetti

p.s.
... Quinze desejo, com Todo Sentimento, que o belo sorriso da foto, encontre reais motivos para perdurar.