sábado, 29 de setembro de 2007

O peso do possível






Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossivel,
Há sem dúvida quem nao queira nada...

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possivel,

Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser…

Álvaro de Campos

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Moebiana


Teço, torço,
faço e aconteço.
Sou velho, sou moço,
fim e começo.

De dia anoiteço
com ares de lua nova.
De noite amanheço
e versejo a prosa.

No mais, treco, troço,
ossos e caroços,
dívidas e preço
deste eu que não mereço.

Eu que insiste em mim,
sabendo, mas mesmo assim,
o que um dia, sem querer,
acabo por bem dizer



Do eu para ti

.
.


.
.
.
.
Para ti, minha caravela,
que navega este meu mar a fora,
ofereço esta minha orelha
e acolho o que, em ti, chora.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Meio termo

Monet-Lillies


Sou cicatriz
Sou por um triz,
esse sempre quase feliz.

Quisera ser tatuagem,
em ti me fazer colagem,
do amor nosso próprio pajem.

Mas, sem ti sou só espanto
na história desse todo encanto
que continua, apesar e entretanto.

O véu das águas passadas




Te aviso! Fiquei sombrio.
Perdi sorrisos e esperanças,
e olho para a margem do rio
assim como triste criança
de brinquedo surrupiado,
de sonhos de não querer sonhar,
desejos mal completados,
angústias de um grande amar.

E, no entanto, ainda sou teu,
fantasma de algum passado,
vulto fugaz de um adeus
que nos marca cicatrizados.
E faz com que nosso presente,
na dor que já foi vivida,
torne-se o grande ausente
desta nova despedida.

Frango, inícios de setembro


foto: Zédu

Quixote de lo Photoshop

























foto: Zédu
arranjo, direção da photoshopagem: Edson Françozo
assistente de produção e palpiteiro maior: Rogério


Meus moinhos são de pedras
onde quebro as minhas lanças.
Habitam o Pico das Cabras,
terriveis como os de la da Mancha.

Mas armado de megapixels,
sem Sancho ou bom companheiro,
sem Rocinante ou corcel,
derroto o dragão no tinteiro.

E ofereço à minha Dulcinéia,
que de musa não sou perdido,
o monstro, em cores cheias
e o morto descolorido.

Bar do Frango, 26 de setembro de 2007

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Ai-ai dos desamantes


Na mesa em frente,
o casal se cala em tédios.
O amor resta silente,
tragédia dos sem remédio.

Degas - Absinthe Drinker

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Duelo de Titãs e um pai coruja

Brincando de vídeo. Divulgando a banda. Lambendo a cria.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Você pinta como eu pinto? ou O Fantasma da Perversão.


" .... dizer algo em nome prório é muito curioso, pois não é, em absoluto, quando nos tomamos por um eu, por uma pessoa ou um sujeito, que falamos em nosso nome. Ao contrário, um indivídio adquire um verdadeiro nome próprio ao cabo do mais severo exercício de despersonalização, quando se abre às multiplicidades que o atravessam de ponta à ponta, às intensidades que o percorrem." (Gilez Deleuze)

"Vários, como eu sem dúvida, escrevem para não ter mais rosto. Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo: é uma moral do estado civil; ela rege nossos papéis. Que ela nos deixe livres quando se trata de escrever" (M. Foucault)

Pelo conjunto da obra, Oscar Wilde

Meu aniverário foi uma festa.


A velhice em mim só aumenta
Desde o ano de quarenta e oito.
E no sonho que me amamenta,
Continuo, a penas, o fim de um coito.

Já sou quase sessentão,
Nesse quase que me sustenta
Em festa e comemoração
O ainda dos meus cinqüenta.

Impávido, o tempo passa
Como nuvem que nunca chove.
Um brinde, um roçar de taças,
Aos meus cumpridos cinquenta e nove.

Mas, no entretanto vivo,
E sigo o que me tornei,
Pois o tempo é meu amigo,
Foi nele que sempre errei.

Sou homem, jovem, criança,
Paladino de meus próprios ais,
Quixote de minha santa pança,
Sou hoje para nunca mais.

Meus fantasmas são moinhos
Que rodam na minha mancha.
Sou mais velho, estou sozinho,
Mas dono de minhas tamancas.




Começei lá no berçário,
Vivi do meu palavrório.
Hoje faço aniversário,
Amanhã vou ser velório.


oito de setembro de 2007, no Frango, é claro

Ai-ai do Quais d´Orsay





.
Os impressionistas?
Conheço-os,
de vista.

Aqui, onde sou passado.

Para você que se aproxima,
com pés mansos de areia
me trazendo encantos,
de sua sereia,
chegando com seu nada querer,
ofereço minhas campinas,
traço,
berço,
fracasso,
lugar de meus entretatos,
destino de meu com viver.
Aqui, onde ajoelhado
rezo,
e teço,
o desejo e o terço,
de um eu de mim libertado.

Se te interessa a proposta
deste eu que já não sei,
te acolho em minha porta,
levanto as paliçadas
do castelo,
e para ti serei
o menino singelo
que um dia deixei na estrada
quando vim ser nada
e me tornar rei.

Cassatt - Self Portrait of the Artist (1878)

Geração saúde? Pois sim!

Recebido de um colaborador anônimo, mas cheio de razões.

Pois veja bem o senhor, que já andou dando suas reclamadas aqui mesmo neste blog. Agora é esse papo dos médicos, tomando nosso inteiro viver nas mãos das ciências lá deles. E tome isso não pode, isso faz mal, isso mata, isso é prejudicial à saúde, e tantos issos que no fim, ao pobre vivente, sobra lá uma vida de pouca valia nos regalos que a própria oferece. No entanto, veja meu caso, desmentido cabal dessas ousadias dos doutores. Na vida não tive meias medidas. Fumei todos, bebi todas, comi muito e bem variadamente, tanto de me fartar. Dormir, foi o que deu quando deu, o mulherio, sempre que deu. Não escutei lorotas e fui dono de meu prazer. E, como o senhor poderá constatar clicando lá no retratinho que meu amigo Leonardo fez de mim, cá estou eu, inteiraço, 39 aninhos. Pode?

Clique na manchinha acima e confira

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Uma dor em cada encanto





Nos perdemos porque éramos jovens
Nos perdemos porque estamos mortos
O tempo de nós dois é uma viajem
Que jamais se encerra em seu porto.

Somo feitos de gaivotas,
Que nos carregam mensagens,
Flores, amorosas notas
Que enfeitiçam nossa miragem

Fumaças de um acordar sonhado
Trapaças de uma vida feita
Que nos decidiu, por passado,
Um samurai e sua gueixa.

Condenados a jamais viver
O amor que vivemos tanto
Traço aqui esse muito sofrer
De nós dois em cada encanto.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Nossa Senhora das Dores



Cansei!
Da ausência
de todos vocês.
Cansei!

Lhes falta tempo,
que a mim me sobra,
de ficar atento
ao que aqui se obra.
E sopra o vento,
e tudo arrasta,
sem sim, nem tento,
mail em garrafa.
Cada vez mais sem,
por escolha só,
sonho com quem,
de mim tem dó.
E viro metro torto,
perco as medidas,
e, aqui, quase morto,
falo em feridas.
Mas no verso insisto,
nas letras sou,
menos que existo,
mais do que soul.
E fico, aqui postado,
para dizer a você,
que estou cansado
de, aqui, não te ver!

Procurando outra coisa, dei de cara com essa postagem que nunca foi.
Datada de 28 de maio, marca os tempos em que ainda me emputeciam
a solidão do blog e a preguiça dos amigos.
Isso passou já faz tempo. A solidão continua e os amigos
rareiam por aqui cada vez mais,
mas já não ligo.
Mesmo assim, só para sacaneá-los, posto a coisa,
com data de hoje, quando já não estou nem aí .
E meio nem aqui,para falar a verdade,
apesar de cada vez mais estando aqui.

Nossa Senhora das Dores era a igreja que
eu freqüentava, missa das dez, a que tinha
mais meninas em flor e os meninos de minha turma.
Duro era não pecar, em pensamentos, até a hora da comunhão.
Comunguei muitas vezes com medo que a hóstia sangrasse
em minha boca, castigo suposto de quem comungava em pecado.
Pois confesso que pequei, mas acho que Deus se divertia com
nossos pecados de adolescentes recentes.
E, ironia da vida, aos 59 anos,
só peco em pensamento.

sábado, 8 de setembro de 2007

Turbo Cat (texto de Gilza)































Para o menino Eglon,


cujo pai também tinha navio...
Para o homem Eglon,
por ser fraterno e me dar estímulo.










Simas, super gato, vascaíno, pêlo curto brasileiro, part color, nascido em 1996, provavelmente no Hospital Pedro Ernesto, no pátio, era manco, fraquinho, pulguento e medroso quando foi adotado por uma nobre família. Hoje, forte e poderoso, Simas é o dono do novo computador. Elemento perturbador da ordem, monstro desumano, facínora, moleque, grossinho, flagelo de Deus são alguns dos carinhosos epítetos pelos quais Simas é chamado pela família desde que deixou de ser um filhotinho Fuffy e tornou-se um adulto radical, bastante radical. Hoje, 23 de maio de 1998, vamos entrevistá-lo para conhecer alguns aspectos de sua curiosa personalidade da sua vida.












Moça – Simas, seu nome é Simas mesmo ou Seixas?

Simas – Você pode me chamar de Simas, mas na verdade meu nome é Anastácia Romannof, sou a filha desaparecida de Nicolau e Alexandra que, por conveniência política, encolheu, gatizou-se e mudou-se. Um dia voltarei para reivindicar o trono que me pertence.

M – Simas, você bebeu?

S – Leite.

M – Está bem, está bem... vamos falar de outra coisa. O que é um ataque de já-começa?

S – É um ataque que não é para atacar ninguém! No fundo, no fundo, é uma manifestação cultural e racial.

M – Mas às vezes vira ataque mesmo...

S – Mas às vezes não vira.

M – Nas vezes que vira...

S – Prefiro falar das vezes que não vira. É uma extraordinária manifestação de técnica acrobática, vigor físico, graça, velocidade e elegância que todos deveriam ser capazes de imitar, mas...

M – Mas...

S – Infelizmente nem todos são capazes. Lamento por vocês que não são.

M – Ah... obrigada. Mas, enfim, o que causa o ataque?

S – Uma determinação genética associada a gases intestinais e a uma patologia embrionária do mediastino.

M – Parece complicado!

S – Talvez para você. Para mim é simples...

M – Está bem, vamos mudar de assunto outra vez. Quem é seu cantor predileto?

S – Sérgio Malandro.

M – E o seu ator predileto?

S – Sérgio Malandro.

M – E o seu autor predileto?

S – Sérgio Malandro. Ele é ainda o político que mais admiro.

M– Mas... ele é um tipo sórdido!

S– Na verdade, eu adoro o Sérgio Malandro...

M – Vamos ter que mudar de assunto de novo.

S – Quero declarar que Chico e Caetano são dois nojentos, além de medíocres. Agora sim, podemos mudar de assunto.

M – Qual o seu prato predileto?

S – O dos outros.

M – E o seu perfume predileto?

S – Peixe.

M – E o Dune? Já senti esse perfume em você...

S – Foi mamãe que colocou À força. Um ato covarde!

M – Sua mãe é covarde?

S – Sim. Ambas.

M – E você? É corajoso? Do que tem medo?

S – De quase nada! Apenas de saco plástico, aspirador de pó, respingo de água, tambor, da "maluca da caixa", cachorro, de ir na rua, do Biscoitinho, do Flávio, passos no corredor, do entregador de Coca-Cola, fogos, estalinho, banho, estranhos, Copa do Mundo, chuva, cotonete...

M – Simas, você não tem medo de fogo?

S – Não.

M – Mas, uma vez, quando você era ainda era pequeno chegou muito perto do fogo e queimou-se.

S – Isso é mentira. Eu queria era fazer um curl nos bigodes e consegui.

M – Mentira é o que vocÊ está dizendo. Você queria roubar comida e saiu chamuscado.

S – Cuidado com as palavras. Roubar é uma palavra pesada. Gato não rouba, gato gatuna. Gato não pede, gato não paga, gato pega. Os conceitos dos humanos nem sempre podem ser aplicados aos gatos. Além do mais, não tenho medo de fogo, já disse e não vou discutir. Vou apenas conceder a endrevista.

M – Endrevista?

S – Sim, endrevista. Quando qualquer um pergunda e a autoridade responde!

M – O certo é entrevista e pergunta...

S – Ouvi assim na televisão.Tudo que falam e mostram na televisão está certo e é verdade. Quem disse pergunda e endrevista foi o Paulo Maluf, uma pessoa que eu admiro muito!!!!!

M – Está bem. Mas não seria melhor, em vez de "qualquer um" dizer "alguém"? Não seria mais delicado?

S – Isto é uma endrevista ou uma aula? Não recebo aulas de qualquer um, não vou discutir!

M – Vamos mudar de assunto. É verdade que você tem um irmão, Simas?

S – É verdade. Pelo menos um eu tenho certeza. Ele é meu gêmeo, o nome dele é Samis, ele mora no Arpoador e até já apareceu na Revista de Domingo!

M – Ah... ele também é famoso?

S – Nem tanto...

M – Objetivamente, quem é mais famoso, você ou ele?

S – Isto não é uma pergunda, é uma provocação rasteira. Você quer me deixar em situação embaraçosa. Não quero e não vou magoar meu irmão. Vamos dizer que entre os meus irmãos, o mais famoso é o Socks.

M – Quem??

S – É o meu irmão que mora nos Estados Unidos. Ele mora numa casa bonita, branquinha! A mãe dele chama-se Chelsea Clinton. Ela também é famosa. Eles já saíram na capa da Caras.

M – Só pra confirmar, Simas, seu irmão é o neto do Bill Clinton?

S – É, mas ele repudia o avô, que envergonha a família...

M – Você esteve lá na casa branquinha onde ele mora?

S – Não. Infelizmente, como acontece em quase todas as famílias felinas, fomos separados ainda muito pequenos. Nós nos reconhecemos como familiares pelo instinto e pelo cheiro. Em relação ao Socks, reconheci-o pelo cheiro quando o vi na capa da revista.

M – O cheiro que você sentiu na capa da revista não seria da tinta de impressão? Isto se aplicaria também ao Samis, que você reconheceu pelo cheiro, na revista. Se for assim, todos os gatos part-color preto-e-branco que apareçam nas revistas são seus irmãos.

S – O que os humanos entendem de olfato? Os humanos são motivo de piada entre os outros animais! Não reconhecem nada, nem os próprios filhos, pelo cheiro! Portanto a sua observação é um pouco impertinente. Samis e Socks são meus irmãos e eu sou mesmo uma criatura muito fraterna.

M – Mudando um pouco de assunto... nesta entrevista afirmou-se que você nasceu no Hospital Pedro Ernesto, que tem um irmão que mora nos Estados Unidos e outro que mora no Arpoador, que na verdade é a Anastácia Romannof, herdeira do trono russo, que por conveniência política encolheu e gatizou-se. Confirma? Simas, tudo isso parece muito complicado! Você seria capaz de traçar a sua árvore genealógica?

S – Não entendi bem o sentido da sua pergunta. Em relação à arvore prefiro dizer que gosto de subir em todas, de qualquer espécie. Não sei se esta, ''genealógica'' é diferente das outras, mas afirmo que sou capaz de subir nessa também e, ainda mais, de comer as folhas.

M – Acho melhor mudarmos de assunto outra vez. Vamos falar das suas ocupações diárias?

S – Bem, tanto quanto os outros gatos sou perspicaz, atlético e habilidoso. Mas sou mais inteligente que muitos e muito, muito instruído. Meu nível de instrução é incomum para um gato. Estudei francês, flauta doce e história da arte, além, é claro, das matérias obrigatórias do curso de gatices da PUG.

M – PUG? É espantoso! Mas... enfim, que aplicação dá a tantas habilidades e conhecimentos no seu dia-a-dia?

S – Caço moscas, baratas e mariposas com um percentual altíssimo de bons resultados.

M – É só?

S – Não, também farejo as sacolas de quem entra, os embrulhos todos, sem exceção, bolsas e similares.

M – É só?

S – Não é suficiente? Pois então ouça: dou um pulo à maçaneta que é o delírio das minhas mães. É uma técnica que eu mesmo criei... sou muito criativo! Acompanhe a descrição: quando alguém fica segurando a maçaneta e rodando-a, sem abrir a porta, já sei que é um convite, então me coloco em posição de 3/4 de perfil em relação à porta, sentado sobre as patas traseiras com o rosto, digo, o rostinho vi...

M – Rostinho?

S – Por favor não interrompa! Rostinho virado para a maçaneta, então dou um impulso e vou até a altura da mão da pessoa, e da maçaneta, abraçando-a rapidamente com as patas dianteiras enquanto com as traseiras dou um coice de leve na porta, uns dois palmos abaixo. Desço, isto é, volto ao chão descrevendo um arco com o corpo em posição quase vertical e com o rostinho virado para baixo.

M – ??? Para que serve???

S – Para minhas mães rirem. Elas gostam muitíssimo, fazem muitos elogios.

M – É só? Isso é uma abobrinha...

S – Acho que você está de má-vontade, mas eu também sei outras técnicas de pulo à maçaneta para abrir as portas mesmo, que eu poderia usar em caso de incêndio...

M – Já usou em alguma situação útil?

S – Útil para mim? Já!

M - É a décima vez que vamos ter que mudar de assunto...

S – Estou percebendo sua dificuldade de conduzir a endrevista. Fique calma...

M – Claro... estou calma... Como você se sente a respeito de ter duas mães? É incomum mesmo para uma pessoa, desculpe, para alguém exótico como você.

S – Olhe, fique calma... eu não me importo que me chamem de pessoa, não me ofendo não, até compreendo... Eu me pareço mesmo com uma pessoa! Quanto a ter duas mães, acho curioso, mas sou diferente mesmo, exótico como você disse. Sem arrogância, acho que sou muito filho para uma mãe só.

M – Suas mães queixam-se de que você é bagunceiro, arruaceiro e destruidor... que morde as cabeças delas quando estão dormindo, detona os arranjos de flores, entra na geladeira, tira ao quadros do lugar, tira papel do cinzeiro espalhando cinza de cigarro, desmancha a pilha da roupa limpa, come lápis, não deixa a Eunice varrer a casa e fica rolando e deslizando em cima do lixo... e outras coisinhas assim...

S – Aprendi no curso de Psicologia Humana que fiz na PUG que as pessoas têm animais de estimação exatamente para isso, ainda que disso não estejam conscientes. Para se divertirem com ele, surpreenderem-se com o que ele é capaz de fazer. Movimento, dinâmica e novidade no dia-a-dia. Faço o que posso para cumprir essa finalidade. Se elas reclamam é porque são mal resolvidas!

M – Mas precisa destruir os sofás?

S – Bom, esta é a contrapartida, digamos, ruim, da história. Todo gato destrói os sofás, estofados, ao seu alcance. É uma compulsão, é inevitável, quase uma obrigação para o gato. Falo dos gatos normais. Aproveito esta endrevista para alertar aqueles que têm gatos que não destroem os sofás: seu bichinho está doente, ou triste, ou com medo que você brigue com ele. Sabia que existem famílias que infelizmente brigam, para não dizer batem, nos seus animaizinhos porque eles estragam os sofás? Ao final da endrevista darei o telefone do Movimento Viva Gato, que é uma ONG que presta assistência a gatos e suas famílias com problemas.

M – É demais!

S – Não acho. Acho que devia haver mais organizações deste tipo, uma só é pouco e o governo devia investir nisso também.

M – Vamos mudar de assunto outra vez... Vamos voltar à sua curiosa biografia, vamos tentar esclarecer suas origens. Quem eram seus verdadeiros pais?

S – Essa pergunta é tão banal! Prefiro começar usando a classificação de Lineu:

Reino: Animal
Classe: Média
Família: de Melo, com um ''L'' só.
Gênero: Masculino
Espécie: Rara

M – Mas Simas ... a classificação de Lineus não é assim! Você está confundindo coisas! Classe, em Lineus, não é a classe social! A sua classe é a dos mamíferos, a sua família não é ''de Melo'' e sim Felidae.

S – Com quantos ''eles''?

M – Vamos deixar a classificação pra lá... Vamos continuar com a história das suas origens. Fale de sua mãe e de seu pai.

S – Mamãe era uma tremenda gata!! Lembro bem dela. Bem pequeno eu ficava enroladinho embaixo da barriga dela mamando, bem quentinho e protegido. Era muito bom. Eu amava mamãe. Depois que cresci um pouco ela foi me encorajando a enfrentar o mundo sozinho, pelos meus próprios meios. Nessa fase nosso relacionamento foi ficando difícil. Um dia, mamãe decidiu que não ia mais me alimentar e que eu devia ir viver sozinho. Então deu-me conselhos, falou sobre os homens, as cidades, os automóveis, os cachorros, a chuva, a vida e a morte, as vacinas, como procriar, quando usar as unhas, enfim, o essencial. Ela me disse: “Filho, pelo temperamento que já percebo em você, acho que seria um bom animal de estimação. Você é esperto, bonito e alegre, poderia dar muitas alegrias a uma boa família. Se tiver sorte, vai morar numa casa com quintal, telhado e crianças, que são seres humanos sinceros, pacientes e bondosos com os animais”. Disse que eu deveria ser grato a essas pessoas, mas também ser exigente e andar sempre com o rabo erguido e nunca, nunca deixar que meus instintos se apagassem. Saímos de baixo do caminhão onde estávamos conversando, mamãe na frente, eu atrás, fomos andando pelo pátio do hospital até um lugar que mamãe achou estratégico, onde ela me mandou ficar parado miando bem fraquinho. Disse que ia se esconder, que eu ficasse olhando pra ela, que quando aparecesse uma pessoa com cara boa, com jeito de quem gosta de gato, ela me faria um sinal. Então eu cairia de lado, bem molinho. A pessoa iria me apanhar no colo – eu não devia reagir – me levaria com ela e, com sorte, cuidaria de mim pelo resto da minha vida. De longe, mamãe me daria adeus! Foi o que aconteceu.

M – Puxa, Simas, que comovente... e depois?

S – Bem, custei a ver naquele estilo de vida que se iniciou ali as vantagens que mamãe descreveu. Para começar, a tal pessoa de cara boa que mamãe escolheu era muito esquisita e me colocou dentro de um saco. Só me tirou de dentro dele quando estávamos num lugar estranho, no qual eu senti medo de tudo. Me enfiei no primeiro buraco que encontrei e não saí mais. De lá fiquei observando tudo. A tal pessoa chamava uma outra de filha e essa filha era tão esquisita quanto ela. Ambas tinham rabo, mas ele saía do alto da cabeça! E eram enormes! Só muito mais tarde entendi que aquela era a dimensão humana comum. E como eram barulhentas, faziam barulho até para andar, soltavam fumaça pela boca de vez em quando e faziam muitas coisas terríveis. Apesar disto, tinham um comportamento amistoso e logo entendi que eram elas que controlavam a comida. Toda a minha ligação com elas veio daí: elas me ofereciam comida. Uma hora resolvi aceitar, saí do buraco e comi, comi e comi. Acho que estava tão estressado que, com a barriga cheia, caí no sono, como todo bebê. Quando acordei, não sei quanto tempo depois, dei de cara com as tais duas sentadas no chão bem perto de mim, me fazendo carinho na cabeça e me chamando carinhosamente de Simas. O comportamento delas me lembrou o da minha mãe, e acho que elas leram meu pensamento, pois uma disse: “Vem cá com a mamãe, Simas”, e me pegou no colo! Disso eu gostei muito... se as gigantes iam me proteger eu não precisava mais ter medo. Mas a que me pegou, que estava sentada e levantou de repente, me levou lá para as alturas onde ficava a cara dela, muito longe do chão, aí eu comecei a miar apavorado, esqueci tudo que a mamãe recomendou e miava e esperneava e miava... Mas elas não se zangaram com isso e passaram a me carregar no colo com muito cuidado para eu não cair e faziam tudo pra eu não ter medo. Gostei disso e comecei a entendê-las. Aconteceram umas coisas inusitadas, a...

M – Inusitadas? Com é possível um gato usar tal palavra?

S – Se você ainda não percebeu, quero informar que tenho amplo domínio da linguagem. Sei usar palavras surpreendentes, estapafúrdias, inconstitucionais, preventivas, conceituais, mirabolantes etc. etc....

M – E o que quer dizer "etc."?

S – Quer dizer "e assim por diante".

M – Muito bem, mas continuo achando que você sofre de uma certa confusão mental... Vamos continuar com as coisas inusitadas...

S – Sim, as pulgas. Elas arranjaram uma solução inusitada para o problema das pulgas que me incomodavam. Me submeteram a um tratamento horrível , chamado banho. Depois, por preocupação com a minha saúde, me fizeram engolir à força umas coisas que chamam de remédio, depois veio a tal vacina que mamãe tinha me falado; essa tiveram que chamar um pelotão de homens para me segurar e mais um comandante, que se chamava ''o veterinário'', que não segurava, mas era o pior de todos, porque as idéias eram dele. Foi ele que teve a idéia de me dedetizar!

M – Simas, você era mesmo manco?

S – Não, era encenação.

M – Sua mãe ensinou você a fingir que mancava para despertar a piedade das pessoas?

S – Esta é a visão humana do fato. Sob esta ótica, sim. A resposta é sim. A moral dos gatos é outra. Minha mãe me ensinou a verdade das verdades: sobreviver.

M – Agora você não manca mais...

S – Não é mais necessário mancar para conquistar simpatias, abrigo, alimento. Agora sou adulto, forte, poderoso, sou o Turbo Cat... o dono do computador!

M – Você tem um computador?

S – Tenho um micro. Alguém comprou para mim. Mandou de presente numa caixa. Minha mãe abriu e estava escrito na tampa da caixa interna e no teclado: TURBO-CAT. Pulei em cima , dei um longo miado e gritei: “É meu!” Todos acataram! Você sabe o que é acatar, não sabe?

M – Sei.

S – Ótimo. E quer ver o meu rostinho impresso pelo meu computador?

M – Quero sim. Está muito bom, muito fiel. Quem fez?






S – O meu computador, já disse!

M – Está bem. Vamos, fale agora de seu pai.

S – Infelizmente não lembro do papai. Só lembro, pouco, das coisas que mamãe contava dele. O nome dele era Nicolau, era preto-preto-todopreto e muito bonito pelo que a mamãe contou. Brilhoso, fortão. Mamãe disse que ele bebia muito... Não podia ver uma latinha de cerveja jogada, corria em cima, rolava ela e lambia tudo, mesmo quente.

M – Que triste, um gato alcoólatra!

S – Pois é, a mamãe parece que ficava triste com isso, e parece que ele também ficou triste com ela porque os filhotes nasceram todos assim, como eu, part-color. Ele queria um filho preto-preto-todopreto. Era muito orgulhoso de sua cor. Mamãe disse que não foi ela que escolheu, que foi a natureza. Eu acreditei nela. Mamãe contou que ele olhava para o ninho dos filhotes e balançava a cabeça miando, desconsolado e saía para procurar cerveja. Então ela mandou ele ir embora.

M – Sua mãe era gata de estimação?

S – Não, os dois eram da rua.

M - E o nome de Seixas? E Fuffy?

S - Quanto a Seixas não quero comentar, mas uma idiota que confunde tudo e que vive trocando meu nome criou esta confusão e Fuffy não é nome nem apelido, é um adjetivo. Quer dizer bolinha de pêlo, fofinho, neném.

M – É verdade que você teve um bercinho de papelão rosa escrito em cima "Dormez vous”?

S – Não.

M – Não?

S – Rosa não.

M - Teve ou não teve?

S – Era lilás... mas eu rasguei ele todo e fiz xixi em cima. Nunca dormi nele. Elas é que queriam me colocar nele à força, tirar um retratinho... essas coisas! Nunca fui Fuffy! Neste aspecto já comecei decepcionando!

M – E esse coraçãozinho e o guizo no pescoço? É Fuffy fashion não é?

S – Absolutamente! É útil! O coração tem o meu número de telefone gravado. Caso eu me perca na rua quem me encontrar pode telefonar para minha família e pedir resgate. É para minha segurança. O guizo é para segurança dos outros, pois avisa que estou chegando perto e em que velocidade.

M – Não seria o contrário?

S – Como assim?

M – O telefone para a segurança das pessoas que saberiam assim que você é animal vacinado e o guizo para chamar a atenção para o lugar onde você estivesse... digamos, talvez, quem sabe... fazendo alguma coisa que não devia?

S – Vou abstrair a sua insinuação. Continuemos.

M – Suas mães pagariam um bom resgate por você?

S – Pagariam.

M – Quanto, ou o quê?

S – Tudo que tivessem.

M – Bem... mas para gravar o número do telefone precisava ser um coraçãozinho?

S – É que na loja só tinha dois modelos, esse e um ossinho...

M – Compreendo. E a coleira vermelha?

S – É por causa do Vascão! Ficou linda em mim! Ganhei no Natal! Também tenho uma preta, de grife, da Cãopany.

M – Vaidoso?

S – Eu me valorizo. Sou um cara bonito.

M – Diga o que acha bonito em si mesmo...

S– Meu nariz é lindo, meus bigodes, a máscara toda, a barriga, as manchas-botões nas costas, a língua, os dentinhos...

M – E o rabo?

S – O rabo? O rabo... sim, o rabo... o rabo é... bonito.

M – Você não acha seu rabo bonito? Qual o problema com o rabo?

S – Não tenho problema com meu rabo! Ele é que tem um problema comigo!

M – Como assim?

S - Como assim como? Ele tem um problema, ora! Será que você nunca ouviu falar de animais ou pessoas que estranham determinadas partes do próprio corpo? As mulheres com o cabelo, os adolescentes com o nariz, os mais velhos com as rugas? Nunca ouviu falar nisso, hein?

M – Em pessoas já, em animais não.

S – Em pessoas chamam neurose, em animais não tem nome, mas é a mesma coisa, a mesma coisa!

M – Eu não queria aborrecê-lo.

S – Não aborreceu. Veja, meu rabo é bonito, grosso, peludo, todo preto, esticadinho, comprido, um rabão!

M – Então, resumindo, você está contente com seu rabo?

S – Com a aparência dele mais ou menos estou... é que às vezes não conseguimos conviver. Embora ele seja meu e eu seja dele não conseguimos estar de acordo a esse respeito.

M – Não estou entendendo! A respeito de quê?

S – A respeito de quem é o dono de quem.

M – Você é o dono dele!

S – Parece... mas não é tão simples... Meu rabo é rebelde, parece que tem autonomia, que quer tomar conta do resto de mim, ser eu. Ele se sacode sozinho, me põe nervoso, não dorme quando eu durmo, se arrepia sem eu querer, se molha, me atrapalha, me inferniza. As pessoas não entendem isso, dizem que o bicho é maluco, riem porque corre atrás do rabo ou dizem que tem vermes, que está doente. É uma infelicidade!

M – Sério assim?

S – No meu caso, com o poder da mente tento controlar a situação. Mamãe vai arranjar um psicólogo se chegar a precisar.

M – E fazer que tipo de tratamento?

S – Qualquer um, aceito qualquer tratamento desde de que não me separem dele. Tenho horror à idéia de ficar cotó. Cotó, não! Vamos mudar de assunto, por favor!

M – Simas, acho que li em algum lugar, talvez na Caras, que o Sérgio Malandro já teve rabo e agora vive feliz cotó.

S – Mesmo?

M – Parece que o Paulo Maluf também...

S – Não acredito. Gente não tem rabo de verdade... Será?

M – A entrevista é com você. Você é a autoridade. Deixe que eu faça outra pergunta...

S – Estou nervoso. Quero tomar um pouco de água, como fazem nas entrevistas da televisão.

M – Pires?

S – Copo!

M – Está bem assim?

S – Sim, obrigado.

M – Vamos falar agora de sua família atual, de suas mães. Já sabemos que adotaram e cuidaram de você desde pequeno. Você disse que ambas são covardes. Quem são elas, como se chamam, que queixas você tem delas, como convivem? Quer falar sobre isso?

S – Gosto delas e minha família atual é minha família definitiva, isto eu já decidi. Vivo mais ou menos satisfeito assim. As queixas que tenho delas agora são queixas menores. Aprenderam a não me tratar como um Fuffy, querer colocar perfume em mim, me dar susto... Ninguém dá susto em mim, eu é que dou. Foi difícil, infelizmente tive que bater muito nelas. Entenda o meu ponto de vista: um gato não é uma boneca, um brinquedo, não é um cachorro que não faz barulho e obedece a tudo. Gato não espera, não adere aos projetos da família, aos interesses alheios, às boas maneiras. O gato é sempre e só ele mesmo. Quem quiser que se adapte, se não, arranje cachorro ou papagaio.

M – Radical!

S – Autêntico. Estas são as minhas condições, minhas e de todos os gatos!

M – E o que o gato dá em troca do que recebe?

S – Gato não entra nessa. Gato não dá nada, ou melhor, gato trata bem os seus servos e dá a oportunidade de apreciar uma das mais perfeitas criações da natureza. Temos isenções especiais.

M – Simas, você não acha que todos os animais são iguais?

S – Vou citar George Orwell no famoso A revolução dos bichos: "Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais que os outros".

M – Resumindo... os gatos são criaturas perfeitas e têm mais direitos que os outros animais?

S – É isso aí! Agora sim, parabéns!

M – Suas mães, coitadas, pobres coitadas, quem são afinal?

S – São mamãe e mamãe. Quem são, o que fazem depois que passam pela porta que vai para fora da casa não me interessa. Só me interessa o que trazem para mim quando passam para dentro da casa.

M – E o que trazem?

S – Comidas, fígado, brinquedos, coleira nova, gosto de novidades.

M – E de que novidades mais você gostaria?

S – Um sítio com muitas galinhas, uma caixa de borboletas sortidas da Kopenhagem, ar-refrigerado na cozinha, uma árvore bem em frente à televisão, suprimento semanal de lagartixas, baratas e mariposas que voem baixo e, naturalmente, a cabeça do veterinário!

M – Que horror! Que exigente!

S – Moça, você está me censurando?

M – Mas você é um monstrinho!

S – Ah é?!!!!!

M – SOCORRO... Ai, aaaii... pára! SOCORRO!!!!! Fera!!!!







Gilza Rocha de Melo

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Meu presente aniversário


Pela primeira vez neste século
ninguém convidará meus amigos,
encherá balões coloridos,
escolherá o bolo do aniversariante.
Nem enfeitará as mesas
de um improvável Azeitona,
que se tranformava no seu ser radiante.
Ninguém fará a feijoada impossível,
de fogão inaugurado só para meu ser feliz.
Ninguém enfeitará o gramado,
com mesas de bem querer.
Ninguém convidará Francisquinho,
Eliza, Fernando,
e meu doce Miguel Arcanjo.
Ninguém me dará a risada da Anna,
a alegria do Jorge,
Marco Aurélio, pai de mesa e cama,
e a brisa de minha sacra família
e a vista a perder de vista.
Sem Christininha de Moraes,
sempre muito mais Gurjão,
Azeitona, Severo, Toninho,
Olavo que não há mais,
todos meninos do velho bar que morava em meu coração.
Ninguém me dará uma festa,
surpresa que eu sempre dizia besta.
Com ninguém teimarei nada querer,
não farei de conta um desejo de ficar só,
manha bobinha da criança que sempre quis dó.

Estarei só.
De todos vocês.
Estarei só
de quem, sempre, tudo isso fez.
Só!
Sem Gilza.
De vez.

Meu aniversário morreu.
Sobrei eu.
E os anos que insistem em passar,
até eu mandar parar.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Consolação antecipada







Há males que vêm para bem.
Vou fazer sessenta anos,
mas só no ano que vem.

Versinhos para surpreender crianças


De linda menina do Rio,
a musa do canhestro Frango,
jamais uma decadência.
Antes, a prova, a sangue frio,
que seja qual for o marmanjo,
teu charme é uma indecência.

Uma fêmea em tom maior,
uma beleza daquelas raras;
além de meus olhos de amor
e todas as minhas taras.

Pois seja, minha menina,
em todo teu resplendor,
mulher em minha retina,
sonho onde morro de amor.

Bar do Frango, 05 de setembro de 2007

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Odisséia do mero eu
























Se desse seu navegar a toa
Acabei virando porto,
É melhor esclarecer, numa boa,
Pra que nada nos reste torto.

Que você esteja atento
Nessa minha parca odisséia,
Aos versos soltos ao vento
e minha toda prosopopéia.

Não falo aqui de sereias,
Que coragem não tive tanto,
De me amarrar com correias
Para delas escutar o encanto.

Nem conto de outros monstros,
Nem de lutas c´outras gentes.
Pois se Homero me assopra o ponto,
Meu grego é bem diferente.

Não lerá sobre ilhas mágicas,
Nem de como carambolei ciclopes.
Mas, de tudo a coisa mais trágica,
É Penelope, perdida em duro golpe.

Odisséia, apesar e mesmo assim,
Aqui canto um quase nada
Da história de como sarei de mim
E toquei minha jornada.

Pois se grega foi a tragédia
Onde tudo começou,
Aqui, sem ser jamais comédia,
Do drama pouco restou.

Mas você tem que querer
Ler o blog de cabo a rabo,
Sendo o cabo o seu nascer
E o rabo o que aqui não acabo.

Pois quando, vindo lá do começo,
Aqui você retornar,
A menos de algum tropeço,
Mais viagem há de encontrar.

Por isso, lhe peço, atente,
Para o ritmo da falação.
E sabendo que sou só gente,
Há de costurar a questão.

Fique então, pois, avisado,
Se aqui acabou de chegar,
Que meus versos ficam pelados
Se ao começo não se emendar.

Mas confesso, sem vergonha,
Que preferia esses versos cantar
Para uma cabeça na fronha,
Para a mulher de meu deitar.

Assim, se souber de alguma
Que se encante com tanto querer,
Me aponte, me mostre a uma
Que vai comigo a-mor-te-cer.

E, depois de tão confessado,
Lhe deixo com sua vontade,
E lembro que preguiça é pecado
Que faz da vida metade.

Mas se você não está contente
Com esse meu cordel encarnado,
Não se avexe, siga em frente,
Meu prazer já está postado.

Frango, 31 de setembro de 2007

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Só as palavras me acreditam


Vivo pelas palavras,
É nelas onde me acredito.
Mas elas não me são escravas,
ao invés, me escrevem os ditos.

Das palavras sou sujeito,
Em um amor de perdição.
São rochas, areias e seixos,
Ferramenta, enfeite, facão.

Não me abandonam nos sonhos,
Acordado me tecem as telas.
E amoroso , triste, alegre ou risonho,
As palavras ventam minhas velas.

Com elas encanto amores,
Acolho, penas e risos, dos amigos,
Consolo minhas próprias dores
E piso nos astros distraído.

Mas as palavras são poderosas.
Bem ditas, me fazem as vontades
Mas, mal ditas, são perigosas
E semeiam tempestades.

Há que cuidar no dize-las,
Com desejo, torná-las benditas,
Com amor, bem escolhe-las
Para que valham a fala e a escrita.

sábado, 1 de setembro de 2007

Quem ama inventa


Quem ama inventa as coisas a que ama…
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava…

E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições…

Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,

Ou sozinhos, num ritmo tristonho…

Ó! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado… e ter vivido o sonho!
Mario Quintana

Setembro, m(in)ês de presente


O sol me espera para além da porta já aberta



Setembro de 2007