sábado, 24 de maio de 2008

Sintoma em Preto & Branco


fotos: Zédu
Em outras palavras, é ao barrar o Impossível na Verdade, que na verdade, por impossível, não necessitava ser barrado, que a Lei (Ordem) cria a ilusão do possível e autoriza a busca. Assim, é a Lei que institui o Desejo que bane, e esse, assim instituído, escreve as leis que controlam os desejos. As leis e os desejos, minúsculos representantes da Lei e do Desejo, se tornam, portanto, intrincados, amarrados um no outro, nó-meados, determinando, destarte, uma inscrição desejante para as leis e seus discursos. Inscrição esta que por remeter ao Desejo Original é regulada pela Lei, a mesma que ao expulsar o homem do paraíso, permite que este cresça e se multiplique. Não fosse o Pecado Original (demonstração fabulosa deste caráter duplo da proibição da Lei), bastariam Adão e Eva para completar o nirvana da criação.

Os sujeitos têm, portanto, uma eterna dívida de gratidão para com a cobra paradisíaca, essa grande injustiçada. Aliás, é esse caráter duplo da Lei que nos permite entender melhor a caracterização que, mais tarde, Lacan fará do Super-Ego freudiano. Se a Lei fosse autorizada pelo sujeito, e por isso por ele acatada, ela deixaria de cumprir seus objetivos, pois é preciso que tentemos burlá-la, mesmo que para isso paguemos o preço da culpa e do sentimento de culpa. O desejo do Desejo implica, então, em uma contraposição radical à Lei e à Ordem. E como inscrição da autoridade no interior mesmo do sujeito, o Super-Ego tem que cumprir essa dupla finalidade: ao mesmo tempo que nos controla (como na visão tradicional do Super-Ego como instância censora da personalidade), vive a nos ordenar: "Goza!".

Da mesma forma que vamos encontrar essa inscrição desejante em toda lei, os desejos e seus objetos só serão acessíveis ao indivíduo pela intermediação do simbólico, o que vai inscrever a lei no desejo. Círculo vicioso, aparentemente só se rompe pela castração mas, na realidade, se mantém incólume graças à ignorância do homem quanto às sobre-determinações que o sujeitam, ignorância esta que vai sustentar o livre arbítrio presumido do indivíduo e gerar, pelo desconhecimento e Não-Saber que implica, a repetição viciosa que caracteriza todo o comportamento humano.

Nesse sentido, a castração pode ser entendida como o corte que separa esse intrincamento e como aquilo que permite colocar a lei no lugar da Lei e o desejo no do Desejo, e assim fazendo, tirar o sujeito do redondo vicioso e paralisante do rebatimento obsessivo dessas duas ordens. Nessa transformação algo para sempre se perde, visto que nem a lei é a Lei, nem o desejo o Desejo; o preço do possível é a impossibilidade do Real. Essa castração inevitável, e sob certos aspectos desejável ainda que não desejada, deixa no Simbólico da lei e no Imaginário do desejo uma fenda, um corte, um buraco, marcas da Falta da Coisa que lá nunca esteve.

Buraco negro, a Falta é um vácuo que a tudo suga, não podendo, portanto, permanecer aberto, sob o risco do sujeito continuar paralisado (e agora não mais na be(s)(a)titude paradisíaca original mas em uma espécie de calmaria de olho de furacão). Por isso, a esse buraco tampona-se, costurando-o, sendo as suturas que daí resultam os sintomas dos indivíduos e das civilizações. Cada sintoma é, portanto, uma tentativa de resposta, uma costura, mais ou menos grosseira, do corte cesariano por onde o Simbólico, em um parto ao contrário, instala o Eu dentro do Sujeito e os Nós que o amarram à civilização a que pertence. Cicatriz, o Sintoma lembra a Falta, que lembra o Sonho, que sonha o Desejo, que deseja a Coisa que nunca se conheceu, aquele "eterno enquanto durou" que um dia, por ignorância, pré-sentimos como a um fantasma se pressente. Assim, apesar de solução, o Sintoma é cicatriz e, sempre que o tempo vira, incomoda; no mais das vezes, coça."



5 comentários:

Anônimo disse...

Cicatriz, sintoma, falta, sonho, desejo, pré-sentimento, tempo.
De que valem tão marcantes palavras diante de uma tão curta vida? Não seria melhor vive-la em silêncio? Não seria melhor não ouví-las?
Lais

Unknown disse...

Preto e branco também são cores.

Um beijo,

Meire

Anônimo disse...

Coisa mais difícil de entender, Zédu! É muita "psi" para um leigo como eu. Vou escutar a música do sintoma pra ver se eu entendo a aula. Abs.

Zédu disse...

O texto é só eu me lembrar dos tempos em que só escrevia coisas sérias e que só tinha a Psicanálise como amante.
Agora escrevo minhas abobrinhas sabor carambolas e estou quase me amasiando com Pipoca.
Um dia ainda volto a fazer as duas coisas.

Zédu disse...

Ia me esquecendo...
A música dá, realmente, para servir de exemplo do lado perverso (eu sei, mas mesmo assim...) do Sintoma nosso de cada dia.
Mas, com música do Tom, letra do Chico, o Sintoma fica uma gracinha.