sexta-feira, 2 de maio de 2008

A alma de Mahler


Oskar Kokoschka, Noiva do Vento
Durante muito tempo brinquei com o fato de Mahler ser casado com Alma. A música que hoje proponho a vocês fala da alma minúscula de Mahler, maior do que a senhora sua esposa que, por uma brincadeira do destino, chamava-se Alma (sobre ela e a ilustração acima, ver comentários).
Bruno Walter, discípulo de Mahler (que foi, talvez, o maior regente de sua época antes de passar o bastão para Bruno Walter), e quem primeiro regeu, postumamente, o Das Lied von der Erde (O Canto da Terra), dizia que essa peça, que se equilibra entre um extenso lieder e uma sinfonia era "Mahler´s most personal utterance", elogio que mantenho em inglês para me aproveitar do útero lá contido. Pois O Canto da Terra é uterino e absolutamente mahleriano.
Desde que comecei a colocar músicas no blog pensava em colocar esse movimento final do Canto da Terra, mas achava que o "vídeo" que possibilitaria torná-lo aceitável para os padrões que aqui vigoram, fosse ficar muito grande, já que só ele dura mais de 30 minutos (a obra toda tem mais de uma hora). Até já me referi a ele em algum post passado. Pois bem, chegou a hora, ou a quase meia-hora que ele vai tomar dos que acreditarem na minha palavra.
O Canto da Terra é uma peça magnífica e seu último movimento incluo entre as coisas que mais gosto de escutar. Der Abschied, O Adeus, fala da despedida de dois amigos, nos tempos em que haviam despedidas definitivas (a obra se baseia em poemas chineses traduzidos para o alemão por Hans Bethge) e é, de certa forma, também um canto de despedida do próprio Mahler, que já se sabia gravemente enfermo da doença cardíaca que o mataria em 1911. É, também, a última coisa escrita por Mahler antes que seu casamento com Alma chegasse ao fim (em 1910 Mahler consulta-se com Freud por conta de sua crise conjugal). Tendo perdido sua filha Maria Anna, em 1907, descoberto, no mesmo ano, sua condição crítica de saúde, vendo seu casamento desmoronar, Mahler despedia-se como sabia: através da música (de certa forma, a 9ª Sinfonia, escrita depois d´O Canto da Terra, e como esta jamais executada durante a vida do compositor, é uma continuação deste adeus, já que tem, de forma absolutamente serena, ainda que melancólica, a Morte como tema)
O Canto da Tera foi composto entre 1907 e 1909, entre a 8ª e a 9ª Sinfonias (Mahler chamou O Canto da Terra de Poema Sinfônico apesar de ter podido chamá-la de um sinfonia, seja pela extensão da obra , seja por suas características no repertório mahleriano Mahler usou intensamente a voz em várias de suas sinfonias), mas ele acreditava na "maldição" da 9ª sinfonia, a que supostamente encerrou a carreira de três de seus ídolos musicais: Beethoven, Shubert e Bruckner; por ironia do destino, Mahler morre depois de haver terminado a sua 9ª, e houvesse nomeado O Canto da Terra como sua 9ª, teria vencido a maldição e composto 10 sinfonias). Tanto o Canto da Terra quanto a 9ª só foram "descobertas" depois da morte de Mahler (juntamente com um esboço detalhado para uma 10ª Sinfonia que permaneceu inacabada). O Canto da Terra foi apresentado ao público por Bruno Walter, em Berlim, 6 meses depois da morte do compositor em maio de 1911.
E, talvez, pela primeira vez os mais de 30 minutos de seu belo movimento final, encontram um lugar num blog (no Youtube só achei um vídeo com os 10 minutos finais deste movimento que encerra o Poema). Minha adoração, divido-a com vocês esperando incentivá-los a comprar a obra em algum CD (existe um CD com uma versão de 1960 regida por um Bruno Walter, então com 83 anos, mas preferi essa com Georg Solti por achá-la, história a parte, mais bonita que a outra). Com um CD em mãos vocês poderão escutar essa peça sinfônica com a qualidade sonora que ela merece e que as compactações aqui necessárias comprometem.


3 comentários:

Zédu disse...

Alma Mahler era uma femme fatale, daquelas que só o final do século 19 foi capaz de produzir. Além de Mahler, foi casada, ou teve intensos casos amorosos, com vários famosos de sua época. Entre os pintores de sua coleção amorosa vamos encontrar Klimt e Oskar Kokoschka, autor do quadro que ilustra o caso. Morreu velhinha em 1964 na cidade de Nova York, 53 anos depois de Mahler, seu primeiro marido.

Anônimo disse...

Oi Zédu,
Como você disse "O Canto da Terra é uterino e absolutamente mahleriano." Escuto-a no silêncio da casa, da noite e no meu silêncio . Tudo conspira para a melhor escuta de tamanha sonoridade.

Veleu meu amigo,


Um beijo,

Meire

aqui no

Anônimo disse...

Zédu, o Canto da Terra é de uma beleza assustadora.

Mahler me assusta porque torna o sofrimento bonito, sedutor...

um beijo,

Cristina