terça-feira, 6 de maio de 2008

Zé do Pipoca


O Frango, onde sou fundador, ocupante da cadeira nº 1 e único membro da Academia Penosa de Letras e Música, é o único lugar que frequentei e em que sou conhecido por Edu. Talvez porque quando lá cheguei já houvesse um Zé, e sendo o Zédu coisa de minhas intimidades campineiras de outrora, o bar teve que decidir entre o Carioca inicial e o Edu final. O fato que Zé, por lá, só havia um, esse que fotografei tempos atrás.
O Zé era uma espécie de faz-tudo informal do lugar. Limpava as mesas, esvaziava os cinzeiros, ia ao supermercado para as necessidades do bar (ou até mesmo dos clientes, como foi tantas vezes comprar meu pãozinho fresco), ficava atento aos buracos nas garrafas de cerveja que eu tomava ( e as substituía tão logo elas escoassem por ralos que nunca descobri onde se situavam) e outras pequenas tarefas. Acabava ganhando, além do que o bar lhe pagava, uns trocados da freguesia reconhecida.
Mas, conosco, Pipoca e eu, o Zé acabou desenvolvendo uma relação mais estreita. Confesso que tive pouco a ver com isso; a coisa era entre ele e Pipoca. Pipoca, desde o início, se abanava todo com o Zé, coisa que entendo causada por sentidos caninos que não sabemos perceber, mas que os faz, aos cães, profundos reconhecedores das almas puras. E o Zé se deliciava com as festas de Pipoca (que, é bom ressaltar, sendo inglês, não é de fazer festa para ninguém). Causa disso, o Zé começou a separar as sobras de frango da freguesia e trazer para o Pipoca, mas é justo dizer que a relação dos dois não foi interesseira: Pipoca gostou do Zé antes dos agrados de frango, o Zé gostou do Pipoca na primeira abanada de rabo do baixinho. Tanto eram amigos para além das sobras de frango, que várias vezes Pipoca se abanou como não é seu costume, fleugmático, ao cruzar com o Zé fora das fronteiras do bar, lá pela Praça ou pelas ruas de Barão. Eu pegava as rebarbas dos carinhos do Zé só porque era companheiro do Pipoca.
Zé havia sido um alcólatra brabo em tempos que não conheci. Desde que elegi o lugar como meu lugar de conveniência, nunca vi o Zé caindo (demais) pelas tabelas. A freguesia, os donos do bar, todos tentavam manter um controle sobre a bebida que o Zé nunca abandonou totalmente, mas que mantinha meio sobre controle durante todo o tempo que o conheci. Alguns, mais moralistas, não davam a gorjeta devida por conta da pinga que ele iria beber depois. Eu, que acredito que a renúncia ao prazer é meio que uma coisa neurótica, e em comum acordo com o Pipoca, nunca deixei de aliviar minha carteira do peso das moedas que ia recolhendo ao longo do dia em trocos variados, nas mãos do Zé. O bar tem sua cota de bêbados bem mais inconvenientes do que jamais vi o Zé ser por lá (é justo dizer que no Frango não se servia nada alcoólico a ele), chatos que nunca me serviram, nem agradaram o meu cachorro.. Mas as pessoas, sempre donas das verdades do outro, viviam a azucrinar o Zé contando dos malefícios da bebida, dos riscos para a saúde, essas coisas chatas que as pessoas dizem entre um gole e outro no bar para os bebedores mais humildes. A bebida ainda ia matar o Zé, alertavam os bebedores de famílias quase boas. E lá o Zé não bebia.
No sábado passado, lá pelas 4:00 hs da tarde, tão sóbrio como costumava estar nesse horário, o Zé decidiu ir para casa. Foi atropelado ao atravessar a avenida por um maluco que se julgava em alguma pista de corrida (e que fugiu da cena do crime).
Morreu hoje o Zé do Pipoca. O bar, eu e todos com quem falei hoje, se entristeceram. O Pipoca perdeu um amigo, eu perdi uma pessoa. Sorte do Pipoca que não sabe de nada.
A música que coloco acompanhando este post é a que, de imediato, me fala do Zé e dos zés, sem nenhum moralismo babaca. Aprendi na minha vida de botequim que é no botequim que se despede dos amigos que lá fazemos.
A vida é um tango frágil e o Zé virou pipa e subiu aos céus.

7 comentários:

Anônimo disse...

Que lástima, Zé!

Numa das vezes que fui a SP li uma crônica do Rubem Alves na Folha, sobre a morte e o morrer. Era um texto longo, mas marcou-me uma frase em que ele dizia que a reverência pela vida exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir."
A do Zé quis ir. Por meios tortos, mas quis.

O meu beijo consternada.

Anônimo disse...

Primorosa homenagem ao Zé, pessoa de primeira pra você, amigo do Pipoca. Ele está gostando, tenho certeza. Quanta gente o lerá, ouvirá a música, olha por onde ele jamais será esquecido.

Obrigada, Zédu, pela sensibilidade.

Bj.
Neuza.

Anônimo disse...

Primorosa homenagem ao Zé, pessoa de primeira pra você, amigo do Pipoca. Ele está gostando, tenho certeza. Quanta gente o lerá, ouvirá a música, olha por onde ele jamais será esquecido.

Obrigada, Zédu, pela sensibilidade.

Bj.
Neuza.

Unknown disse...

É isto aí!! Homenagem de quem valoriza os anônimos heróis do dia-a- dia com o registro de alguns fragmentos das suas histórias. Por isto este Zé não se apagará da memória, com seus feitos.

Grande esta de um tango último para o Zé!! Com espuma!

Seu gesto muito bonitinho é como se nele se dissesse - entre mano que alguém vai pagar!

Não me surpreendo com o seu olhar sobre a vida incluindo este outro aparentemente qualquer, que só confirma ser este o Zé(du)

Que o Zé, Iracema, colhido ao atravessar uma rua, descanse em paz.

Deixo a idéia que se institua no bar as latinhas de cerveja como cofrinhos para as moedas destinadas aos Zé(s) da vida. Com certeza isto será fermento para o emergir de uma quase confraria que além de outras coisas a viver, saberá decidir que fazer com o apurado pela época do natal. Talvez um carinhoso palpite infeliz ...

Um beijo

Meire

Zédu disse...

Eu juro que não é impressão minha, mas na volta da Praça, quando parei no Frango para o Gatorade devido, Pipoca, que sempre fica solto por lá, não parou quieto um instante. Andou pelo Frango todo, atravessou o balcão e foi até a cozinha, depois aos fundos do bar onde fica o banheiro e a mesa de carteado dos velhinhos. Depois de não achar o que procurava, ficou atento, mais que o comum, a todos que chegavam. Procurava o Zé?
O mais interessante é que durante todo tempo em que o Zé ficou na UTI, ainda vivo portanto, Pipoca não havia se comportado assim. Os cachorros são um bicho mais misterioso que as mulheres!

Anônimo disse...

Linda homenagem. Sua e do Pipoca com toda sensibilidade a procurar pelo Zé.
Leila

Unknown disse...

Linda e justa a homenagem ao Zé.Boas almas etílicas são assim,não morrem,evaporam.Beberemos algumas "in memoriam" sem esquecer de dedicar aquele golinho ao chão,-Pro Santo!