terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Comovido como o diabo


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres
A tarde talvez fosse azul
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração

Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte
Quase não conversa
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo
mais vasto é meu coração

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Poema de sete faces, Carlos Drummond de Andrade
desenho por: marllon martins


2 comentários:

Anônimo disse...

Que entrem na roda do poema sete faces, o Com licença poética, CDA (Imitado)” e Até o fim” , escritos respectivamente por Adélia Prado, Orides Fontela e Chico Buarque.

Me dê licença Zédu, para trazer na peneira da esteira desse caldo de pura e nada ingênua intertextualidade, especialmente a Adélia no que ela fala essencialmente da mulher como que parodiando as sete faces de Drummond. Gosto dos dois poemas.
Mas se mulher é desdobravel e eu sou, neste particular eu fico com ela. Ora pois!

"Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou."

Anônimo disse...

Oi Zédu,
A anônima sou eu, Meire. DÉ que deu um troço aqui no computador e publicou assim

Como lhe disse , por favor me inscreva urgentemente no próximo curso de férias.
Beijos

Meire