segunda-feira, 31 de março de 2008

Se queres saber

Piet Mondrian, Gray Tree, 1911

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Mia Couto
Moçambique

domingo, 30 de março de 2008


Porgy and Bess é uma ópera. Porgy and Bess é meio jazz. Porgy and Bess foi uma ousadia de de George Gershwin (com seu elenco, desde 1935, composto só de cantores negros). Porgy and Bess era a obra preferida de seu compositor. Porgy and Bess é uma coleção de lindas canções que, depois, o jazz e seus intérpretes incorporaram (Summertime talvez seja a mais conhecida). Quem quiser saber melhor da ópera, sua história, seus outros co-autores, siga o link acima para a Wikipédia.
Aqui, numa delicada interpretação de Keith Jarrett, vamos ouvir I Love You, Porgy.
Bom domingo. I love you all.

sábado, 29 de março de 2008

Zé e Edu



Sempre gostei de Edu Lobo como cantor, desde os tempos do Zédu aí ao lado. Só hoje, no entanto, me dei conta que temos algumas coisas em comum. Além do nome, a voz grave de Edu é, gosto de imaginar, como seria a minha se cantor eu fosse. Mas, mais importante, há uma certa sensibilidade que me faz imaginá-lo meu companheiro nesse fundo melancólico-musical que trago comigo desde muito menino. Meu canto triste e a moça do sonho, tão minhas, tão lindos na voz de Edu.
Assim, e por outras tantas razões, dobro a promessa que fiz no post anterior e me junto ao Edu nessa trinca que espero que ele perdoe.
Dois Edus de cada Um, o Outro do Z(Edu), uma trinca.






Canto Triste


A Moça do Sonho

sexta-feira, 28 de março de 2008

A filha que nunca vou ter

Gosto tanto desta música, e da outra do Tom que fala na Ana Luiza, que esse era o nome que eu gostaria de colocar em uma filha minha. Tive o Bruno e o Pedro, e achei que a Nina não ia gostar se eu batizasse um dos meninos como Luíza. Fica para a próxima encarnação, me garantiria Dona Nise.
Além da música, que nunca precisa de justificação, do Tom que já foi devidamente falado por aqui, fica a homenagem a essa figura incrível que é Edu Lobo. Magnífico compositor (suas parcerias teatrais com o Chico são antológicas), excelente cantor e exímio arranjador, Edu é de uma modéstia irritante, jamais se expondo mais do que exigem suas obras. E por isso, vive sumindo da gente, principalmente nessa época em que a mídia sofre de Alzheimer, não tem nenhuma memória, e nunca vai chamar esses gigantes musicais que ainda vivem entre nós. Edu ainda voltará por aqui. Tem uma música dele com Chico que me é especialmente cara e qualquer hora posto. Quem viver verá!
Edu e Tom, e chega de conversa!

quinta-feira, 27 de março de 2008

O Filósofo, as mulheres e os botequins

Na década de noventa, século passado, tive um outro período em Barão Geraldo. No início em um dividir-me entre Rio e Campinas. Mais tarde, quando fui tentar tornar-me um douto ignorante na Psicanálise, lá na PUC de São Paulo, tirei todas as licenças a que tinha direito na UFRJ e aboletei-me por aqui em Barão. Mas tudo isso já foi dito lá no Eununca Suméria, primeira parte de minha autobiografia não autorizada. Aqui me interessa a história que leva à música de hoje.
Naqueles tempos havia um barzinho em Barão, de nome Salsichic, que era meu ponto habitual nas noites baronenses. O Salsichic era um bar muito especial, destes que quase já não se fazem mais e, sem dúvida, melhor do que qualquer coisa que já conheci nesta Barão século 2i em que me meti.
O Salsichic era um bar pequeno, sem nenhuma frescura, com música ao vivo todas as noites, cerveja geladíssima, preço mais do que justo, que dificilmente fechava antes das 3:00 ou 4:00 hs da madrugada, qualquer que fosse o dia da semana (com exceção dos domingos, em que fechava lá pela meia-noite, não por vontade do dono mas por falta de movimento. Os horários do bar eram tão inusitados que nem no Rio, de onde eu vinha, conhecia qualquer lugar semelhante.
A música, com cantores e/ou pequenos conjuntos de MPB e chorinho, era da maior qualidade, as pessoas vinham de Campinas, Paulínia e outros lugares todas as noites para encher o bar de risos e cantorias, sem que isso me impedisse de, lá na minha mesa quase cativa, eu estudasse Lacan, escrevesse trabalhos de doutorando (meu primeiro trabalho para a PUC/Renato Mezan foi dedicado ao bar assim: Ao Salsichic, pelo lugar.
Minha mesa ficava quase na entrada do banheiro masculino e era tão quase cativa que Miltinho, o Gerard Depardieu em miniatura que ficava atrás do balcão vivia me prometendo uma plaquinha e um abajur para facilitar a leitura, coisas que nunca se cumpriram. E a caminho do banheiro, quase que todos os dias, passava um já mamado Ramón, parava ao meu lado e, com o dedo em riste, me acusava: Você é uma fraude! Só Sartre estudava em botequim. E seguia impávido para atender os chamados da natureza. Ramón e esse Deux Magots tupiniquim, lembrei em um poema em fevereiro de 2007, lá pelos inícios do blog (depois coloco nos comentários).
Os outros homens todos não me acusavam de fraude, pelo menos não como Ramón, mas juravam que tudo não passava de uma cena para impressionar as moças do lugar. E como realmente impressionava, não adiantava eu querer dizer que estudava de verdade, escrevia coisas seríssimas, elocubrava nós borromeanos e bandas de Moebius enquanto o corpo balançava com a música. De um certo modo, eu me sentia sendo mais divertido do que Sartre, que há muito já havia caído de moda. Além disso sempre fui mais bonito que o medonho filósofo francês (e as mulheres que eu impressionava eram bem mais bonitas que a Simone do outro). E não falava francês, só lacanês.
Pois alí eu estudava, pelo menos até uma certa hora, até o momento de me juntar a alguma outra mesa e ficar até o fechamento do bar. Na maior parte das vezes, Jailson, o dono, fechava as portas e mantinha um grupinho bebendo por conta da casa. Não era raro o dia que bebíamos até lá pelas 6:00 hs da manhã e, depois, seguíamos em romaria para o café da manhã na casa de Jailson.
Às quartas, cantava um rapaz muito bom, Marcílio, cheio de marcilietes. Marcílio cantava MPB moderna acompanhado de seu violão. Tipo Chico, Caetano, zum de besouro, luz da manhã,´ssas coisas que a gente gostava sem vergonha nem saudades. Inevitavelmente, em algum momento da noite, Marcílio gritava lá do seu "palco": Esta é para o filósofo, e apontava para mim, metido com meus Lacans e cadernos. Eu sorria de volta e ele mandava, com a maior seriedade, a música que posto hoje.
E não me perguntem porque ele achava que a música combinava comigo. Deve ser porque, para ele, que não me achava uma fraude ou um sedutor disfarçado de intelectual, só podia haver uma explicação para aquele afastamento da bagunça reinante no ambiente; uma dor de amor mal resolvida. Mal sabia ele que era só porque estava apaixonado. Pela Psicanálise.
Mas a música me caía bem. Até hoje.

terça-feira, 25 de março de 2008

Velhos (e) musicais


Essa coisa aqui está ficando cada vez mais "memórias de uma geração". Mas que foram bons tempos, lá isso foram. E realmente, no meio de tanta música, faltava um musical. E poucas cenas de musicais foram tão marcantes quanto essa que ganhei de presente de Páscoa de minha querida amiga, e colaboradora, com seus comentários aqui no blog, Meire. Obrigado, amiga.
Boas recordações!

domingo, 23 de março de 2008

Presente de Páscoa

Consciência de Zeno

Modigliani
"Preciso parar de fumar, ou melhor, vou parar de fumar. Esse que agora acendo é o último, o derradeiro. Enfim me libertarei. Apesar de que, pensando melhor, acho que pararei depois do cardiologista. É isto. Jurarei contrito frente ao Dr. Murilo e, depois, nada de cigarro. Pulmões saudáveis, coronárias em flor. Juro! Prometo! Depois do nazista médico serei outro homem, não mais subjugado por esse vício hediondo. Me sinto outro desde já. Vou comemorar fumando outro cigarrinho que já se incluirá na lista dos últimos. Juro!
Às vezes, quebrar os vícios - e os temos aos borbotões, muito além daqueles que o Ministério da Saúde nos adverte ou o Código Penal classifica - exige uma certa literalidade. Por exemplo, o abandonar velhos caminhos, coisa que me propus, ou melhor ainda, sair do lugar onde restava imóvel desde muito tempo atrás, vicioso deixar-me estar que ela jogou pela janela.
Pois quando me vi lá embaixo, depois da queda que caí na dela, levantei tonto feito coelhinho de parque de diversões, sem saber que direção tomar, para onde caminhar. Os amigos, atrás da cerca como nos parquinhos, colocavam suas apostas nos números das casas para onde eu seguiria. Eu, triste coelho assustado, só sabia que tinha de sair dali, caminhar para fora daquele centro que me imobilizava ridículo.
Aí, tendo corrido para minha casa nova, descobri que só poderia ser plenamente se mantivesse o caminhar, se fosse me buscar lá fora, longe dos entornos da casinha e pronto para me deixar ser navegado pelo nunca dantes. Mas era um viciado em casinhas, cantinhos, azeitonas sofás amigos, todos lugares de me abundar em assentos que não alteravam a minha gramática. Foi quando comecei a ser literal, e me vi apostando em litoral, areias sem fim, pegadas apagadas pelo eterno retorno da onda que nos demarca a fronteira, sempre outra, litorânea. Comecei a caminhar, literalmente. Todos os dias. Cada vez mais.
Dou voltas na praça, com marcha de soldadinho cada vez menos de chumbo. Obrigo as pernas, que já não se cansam tão cedo, assopro indolências, me coloco em movimento. Caminho, toda manhã, cada vez mais, pelos jardins do Pipoca.
Alguns dirão que não vou a lugar nenhum. Que dou voltas, saindo e chegando a um mesmo lugar. Ao que responde o caminhante: não é essa a definição de uma revolução? Esse girar sobre seu próprio eixo e, como um rio, repetir-se jamais o mesmo? Não mais ver o bonde passar, mas revirar na unilateralidade de minha própria, e exclusiva, Banda de |Moebius?
Caminhando, sem seguir canção alguma que o sonho acabou faz tempo, caminho. Que era o que eu precisava. O resto é coizinhar metáforas e fazer delas prato saboroso. Um novo vício em que vou me viciando.
Mas o cigarro, juro que deixo. Logo depois deste que agora acendo no fogo do texto. O último.
Tão bom!"
.
Hoje é domingo de Páscoa, dia de celebrar ressuscitações, de se alegrar com a nova vida que se abre em frente, de celebrar com todos os queridos, a vida que continua depois de todas as mortes morridas no ano que a Páscoa marca passado. Estava em casa, depois de um devido delicioso almoço pascal, quando, janelas abertas, um pé de vento espalhou papéis que em antigas pilhas se empoeiravam na mesa do escritório. Ao catá-los, descobri o texto acima, escrito em já não sei mais quando, mas com todo o cheiro de coisa dos inícios do ano passado. Deve ter sido a primeira coisa que escrevi sobre o parar de fumar. Provavelmente a semente do que depois acabou virando o Com Ciência de Zeno lá pelos idos do março passado. Afinal, como acabei batizando-o, março de 2007 foi o mês da descoberta da Praça e do caminhar.
O quanto caminhei desde lá, as metáforas que coizinhei em pratos desta minha culinária das carambolas, os vários vício que venci, a janela que virou moldura do mundo e da vida que o habita, tudo isso me foi presente de algum coelhinho misterioso nesse dia de olhar para trás porque vamos em frente.
Pelo texto, era muito grande a solidão naqueles dias. De lá para cá, muitas pessoas ali nem desconfiadas, entraram em minha vida e caminharam meio que comigo. Outras vão entrando agora, mas já as sinto como velhos companheiros de jornada. Outros, que nem desconfio quem sejam, me conta o contador de mim, como meu amigo(a) de Mountain View, Califórnia, que virou minha referência de todos os desconhecidos que por aqui se repetem. Com todos vocês quero dividir esse meu presente de Páscoa (e muitos saberão que, apesar do cigarro que continuo fumando o último, há muito que celebrar). E recoloco, como meu presente a todos, meu coelhinho mágico, que apareceu de alguma cartola misteriosa no final de novembro quando eu, finalmente, abria as janelas para que saíssem todos os insetos.
Love you all!









PS. Sobre o cigarro, ainda fumarei o último até o último. Quem sabe seja essa a missão que a Páscoa me reserva. Mas já não prometo nada, só continuar fumando o último.

sábado, 22 de março de 2008

Bis

Queridos ouvintes,
.
Vocês já repararam como as gravações de músicas de jazz nunca soam antigas? A gravação do post anterior, gravada no final da década de 30, ainda é absolutamenjte moderna. A idade só se faz notar na qualidade da gravação, e mesmo isso é, hoje, passível de ser corrijido.
Mas a música The Man I Love, que ficou associada à Lady Day, teve, e ainda terá, inúmeras outras gravações, da própria Billie Holliday inclusive. Ella, Dinah Washington, Diane Shurr, e várias outras cantoras, gravaram essa música que se transformou em um standard. Entre todas elas (e as citadas tenho nos meus arquivos), gosto particularmente da gravação de Etta James. A gravação faz parte de um CD totalmente dedicado à Billie Holliday e chamado Mistery Lady. O Cd é uma maravilha que recomendo fortemente. E como a música merece, posto aqui este bis na voz de Etta James.
E com isso inauguro, com a mesma falta de caráter com que já inaugurei Tarot´s e outras coisas que não sustentei, a idéia de colocar uma música por dia, independente da dita cuja ter ou não um significado especial para mim. Algumas comentarei um pouco, outras irão sem muito papo, só porque gosto delas. Vou tentar evitar o óbvio e colocar coisas menos conhecidas, versões diferentes de standards da música, MPB antiga, árias, whatever. Só não garanto a periodicidade porque como tenho que transformar a coisa em vídeo, dá um certo trabalho. E o tempo, de repente, anda me faltando.

The women I love


Modigliani
Sou um homem das mulheres,
Do cada uma que elas são.
Mas como nunca aprendi os talheres,
Só sei comê-las com as mãos.
.
Mas quando às vezes me vejo
Triste, solitário e à míngua,
Sobre elas solto o desejo,
E como-as com a língua.
.
E se mão e língua me faltam,
Nunca me dou por perdido.
Sereias, sempre me encantam
E me deixo ser comido.
.
Quixote cheio de manchas,
Ulisses de pouca odisséia,
Sempre que a noite me alcança,
Vou sonhar com Dulcinéias.
.
E nos sonhos que sonho então,
Me acredito ser delas o rei,
E me banho na doce ilusão
Do homem de Billie Holliday.




Os besouros de Liverpool

O que foi mesmo que os Beatles inauguraram? Não foi o rock, que já era bem velhinho quando os meninos de Liverpool começaram já nos entrando dos 60. Seria isso que virou, para além do rock, e que passou a ser chamado de pop? Também não, os garotos merecem mais que isso. Ou foram os meninos o primeiro exemplo da coisa midiática que hoje consome celebridades com apetite digno do gigante Piamã de Macunaima? Seja lá o que for, eles entraram puramente na brincadeira, com a desculpa dos primeiros que não faziam a menor idéia e a inocência de uma virgindade discursiva que ajudaram a deflorar.
Mas aqueles são os Beatles de outros tratados, de outra História. Eu, por aqui, continuo interessado na minha historinha comum, ou, na suposiçao de um certo leitor que me movimenta o contador, uma história em comum. Eu, pretenciosamente, me suponho cavalo dos meninos e meninas que um dia fomos, depois do rock, durante os Beatles, atravessados pelo pop, e atônitos frente a mídia enlouquecida, meio sem saber onde foi parar tanta coisa e onde tantas outras irão acabar. Pois os tempos que os Beatles inauguraram é esse, onde as coisas acabam não muito depois de começar.
Mas, de novo, chega de sociologia. Vamos de volta aos Beatles e eu. Menino bossa-nova, festivamente à esquerda naqueles tempos em preto e branco, aquela música vinda lá do centro do Império do Mal, não foi recebida por mim com os braços exatamente abertos. Além do mais, romântico, sempre temperado por uma certa melancolia, a música dos Beatles, em letras que não entendia, eram meio alegres demais, frenéticas demais, vivazes demais. Tanto que o primeiro Beatles que me lembro admitido foi essa balada, quase langorosa, que eu e Nina trocamos como nossa.
Aliás, foi com Nina, que ao contrário de mim não era sujeita ao bom mocismo de esquerda que me engessava as confissões, que eu, meio escondido no escurinho do namoro, me permiti escutar vários estrangeiros da época como The Monkeys, The Mamas & The Papas e outros tantos. E tudo isso tendo ao fundo os ecos mais raivosos de Janis Joplin e Jimmy Hendricks que a vitrola do cunhado berrava do outro lado do portão (links para vídeos no YouTube).
Mas a minha rendição final aos Beatles se deu, junto com Nina e Igino, cunhado e amigo, na Rua da Paz em Santos, casa de Regina, namoradinha do Igino. Ano incerto, que eu poderia precisar pesquisando um pouco não fosse minha incurável preguiça. Mas foi o ano do lançamento do disco Sargent Pepper´s Lonely Hearts Club Band (vai ver foi meu coração solitário que fez, finalmente, que eu me juntasse ao clube). With a little help from my friends, eu me dei, definitivamente, o direito de gostar daqueles maluquinhos e a buscar, de vez em quando, diamantes no céu. Daí para frente foi uma frenética tentativa de recuperar o tempo perdido comprando os LP´s mais antigos, curtir o Album Branco, Abbey Road, etc.
Depois foi acompanhar as tensões que começaram a se criar no grupo, ter raiva da pobre da Yoko, até ter meus (nossos) sonhos adolescentes assassinados com John no dia 08 de dezembro de 1980. A morte de John Lennon tornou os sonhos mais difíceis de serem imaginados. O mundo que os Beatles inauguraram em cantoria havia crescido tanto que teve que matar o menino que ainda esperneava e resistia. O sonho havia acabado. Acordávamos para a modernidade yuppie, para a roda viva da obselescência programada, para a metonímia maluca dos pequenos desejos que nos sujeitam.
Restava viver, e nesse sentido, crescemos (alguns) com a morte dos Beatles (que morreram definitivamente com John, mesmo que já tivessem se desmanchado antes; agora não era mais possível sonhar com o retorno da banda de nossa adolescência tardia). Mas tudo havia se tornado mais chato. Havia que descobrir outros sonhos, mas agora com a certeza de que tudo é ilusão e só nos cabe escolher as de nossos desejos, solitários como são essas coisas do desejo.
Depois de muitos anos, estou quase aprendendo a escolher só as engraçadinhas, como me desejou Gilza um dia. Só espero não fazer como o cavalo do inglês que, quando estava quase aprendendo a viver sem comer, morreu.
Mas confesso, essa música que aqui posto, foi minha última "nossa música" com minha última namoradinha, apesar de não ter faltado "nós" em minha vida, nem músicas. Mas as músicas agora eram "marcantes", e cada um de meus encontros, e despedidas, amorosos teve lá sua série delas.

Mas, chega de conversa e vamos à música que aqui tem endereço em rendição certeira.

PS. Todos os links da postagem remetem a vídeos do YouTube relacionados com o artista e/ou album em questão. Abram-nos em outra aba nos seus navegadores, e o post vira a mais longa viagem musical que por aqui postei.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Humor de Noel

Essa é o Henrique Cazes que vai contar para vocês.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Águas de março

No blog chovem recordações,
tentativa de lembrar tudo
recobrar todos amores
e as noites de meus bens.
E assim, entre tantas canções,
Pipoca vai acabar Veludo
e eu, liberto das dores,
tornarei a ser nenén.
.
E como nos tempos do Bosque,
que me falta na recordação
mas se marca como sinal,
retiro de meu estoque
a imagem do Chorão
e renasço um ponto final.
Na foto, Veludo, eu e uma pontinha do Chorão.

Tenente Oswaldo Mendes Leite, meu pai.


Escutei muito esta canção, patriótica como devia ser, bem era Vargas, como agora reconheço, nos meus tempos de menino de verdade. Junto com as medalhas na parede, a Canção do Expedicionário, música de Spartaco Rossi e letra do Príncipe dos Poetas, Guilherme de Almeida, sempre foi mais IIª Grande Guerra do que os filmes que eu assistia nas matinês dos cinemas. Afinal, era a guerra do meu pai.
O disco, um bolachão 78, tocava sem parar, não pela beleza da música, mas pelo pai que eu ali ouvia. Como ouvia suas histórias da guerra, na cama antes de dormir. Quando minha mãe viajava para Caçapava, sua terra natal, e onde eles se conheceram por causa da guerra (eles ficaram muito tempo aquartelados em Taubaté antes de partir para a Itália), eu, filho mais velho, filho da guerra, tinha o direito de dormir com ele na cama do casal. Aí eram muitas as histórias, sempre as mesmas, mas que meus ouvidos de criança ouviam sempre maravilhados e orgulhosos. Meu pai tinha ido para uma guerra de verdade. Os alemães e seus canhões, como mais tarde diria Chico, do alto das colinas d´Itália, bombardeavam meu pai sem cessar, mas ele era maior que as bombas e me contava as histórias na cama lá na Emílio Ribas. Meu pai, meu herói.
Adolescente, costurei o emblema da FEB em uma japona, junto com o do Vº Exército americano, no qual a FEB estava inserida. Mas já não ouvia mais a canção, nem as histórias dos alemães e seus canhões. O pai já não era um herói, sobrara o orgulho bobo do adolescente querendo se mostrar.
Mais tarde, já mais velho, fui perceber, no tom das mesmas histórias que eu agora escutava adulto, que a guerra havia sido uma experiência que ele preferiria não ter passado, uma coisa que não tem nada de bela ou heróica, um dever que ele cumpriu da maneira como cumpria todos os seus deveres: dando o melhor de si. Atendeu uma convocação que melhor não tivesse vindo, e que nunca foi bem vinda. E nos deixou, aos filhos, com a honestidade com que nos contava da condição humana, suas fraquezas e seus horrores, a lição da estupidez das guerras e dos guerreiros, talvez principalmente destes, os que gostam das guerras e nelas exercitam um sei lá o que de mais gozar. E a lição do cumprimento do dever, para além do desejo, o necessário do Outro, como mais tarde aprendi a falar bonito, mas coisa que ainda não sei se aprendi direito, apesar de seu exemplo tão marcante. Virou outro tipo de herói, meu pai. Sinto nunca ter deixado ele saber disso.
Minha história com ele é tão complicada como costumam ser as histórias com o pai que insistimos em olhar como Pai. E cobramos, e negamos, e demoramos para conseguir ver ali um homem, um outro homem, um filho de nossas mitologias pessoais, uma humana trindade encarnada. Mas, o Tenente Oswaldo Mendes Leite, tenente da artilharia no 6º RI, apesar de já médico formado, esse me ensinou muitas coisas, e veste as lembranças mais doces que tenho dele nos meus tempos de criança, esse que eu encanto aqui, como cantava em frente do vitrolão da sala.
O vídeo é por ele e, um pouco, como ele gostaria, pelos três mosqueteiros (e pelo D´Artagnan que um dia ainda serei): Massaki, Piason e Oswaldo. Três médicos no front, três homens como poucos. DREI BRASILIANISCHEN HELDEN, como diriam seus amigos alemães (que sempre foram adversários naquela coisa estúpida, só esperando a guerra acabar para poderem ser amigos outros homens)
E mais não sei falar aqui, que pai é coisa que sempre nos engasga.
A benção, meu pai!

Mais sobre a FEB na Wikipédia (ou no Google)

sexta-feira, 14 de março de 2008

Rua Hilário Magro, 91

O post Primeira Letras rendeu frutos inesperados e mexeu com muita gente que, como eu, descobriu naquela época uma poética na MPB que se encaixava nas primeiras paixões que vivíamos. A elegância musical de Tom, e a poesia de Vinícius feita música, nos permitiram aquilo que Dolores Duran, que vinha de outros tempos, adivinhasse na letra de Estrada do Sol. Um novo tempo amanhecia nos nossos amanheceres.
E foi tanta coisa que derivou, e derivará daquele post, que pela primeira vez o blog atende a pedidos e coloca no ar uma das outras músicas do LP de Agostinho. A música foi feita para Orfeu da Conceição, que foi, na prática, a inauguração desta união de sensibilidades e modernidades que hoje reconhecemos na dupla Tom e Vinícius. Era, a música que aqui se posta, de qualquer forma, outra de minhas preferidas, e aqui a acolho o pedido com muito prazer e uma certa diversão. Assim como Eu não existo sem você, a música a seguir também foi muito cantada na Rua Hilário Magro Jr, talvez não exatamente no número 91, mas na casa de Antonieta, onde nos reuníamos em turminha, e cantávamos, ríamos, numa alegria que parece, hoje, nunca mais tida tão pura (é claro que o título do post é uma brincadeira com a Rua Nascimento e Silva, 107, onde Tom ensinava para Elizeth as cançoes de Canção do Amor Demais que, por sinal, não incluia essa música que Agostinho, no mesmo ano, escolheu para gravar).
Quanto à música pedida, entre todas as possibilidades de vídeos, caseiros ou youtúbicos, me pareceu que essa minha coisa modesta, e afetada, era uma forma melhor de homenagear todas as pessoas que aqui presto honra e reconhecimento (ver dedicatória ao final do vÍdeo)
Sobre as outras consequências do post Primeiras Letras quem sabe outra hora eu conte para vocês, mas adianto que, moebianamente, reviro e começo de onde um dia parti, mesmo que elas não saibam (ainda)



Ele é carioca

Faltavam eles, o samba e Paulinho da Viola. Na minha vida, vêm juntos e cheiram Rio de Janeiro.
Em 1972, era muito difícil ter o Rio de Janeiro sem samba. Depois de algum tempo de agonia, o samba ressuscitava. E Paulinho da Viola era peça fundamental nisso tudo.
É claro que que Nara já havia cantado alguns sambistas da velha guarda no Opinião, já era de bom tom, gostar de samba. Mas era ainda meio preconceituoso, aquela coisa de meninos da classe média, filhos da Bossa Nova, meio assim visitando uma reserva ecológica, olhávamos o samba antropologicamente. Isso visto desde esse cenário paulista de onde eu olhava as coisas, parecia o samba do Carlos Cachaça (ou seria Nelson Sargento?): O nosso amor é tão bonito, ela finge que me ama e eu finjo que acradito.
Mas aí, quase no imediatamente antes de me mudar para o Rio, comprei um LP de Paulinho da Viola. E um outro Rio se apresentou em minha vida. Acho que já viajei em direção à Cidade Maravilhosa, meio que maravilhado, com samba no sentimento. Meio que sambando peguei a D. Pedro, pista única, e fui. E Campinas dançou, até que, num outro século, eu voltasse para suas valsas vienenses.
Sem saber, viajei com Paulinho, semente de Viola, samba que já chorava em mim.
Naquela época era impossível estar no Rio e não respirar samba, que na minha cabeça de menino suposto homem, se misturava com a liberdade possível que o Rio me ofertava. Samba e mulheres, o gingado da Bossa Nova feito carnes gingando pelas minhas taras paulistanas e o samba me falando que eu estava em outro universo. O Rio era um outro mundo, do tipo de outros mundos que só eram possíveis naqueles tempos em que Rio e São Paulo se separavam por uma distância infinita, sem TV´s que nos unissem, sem essa coisa de hoje que me oferece o mundo ao alcance das teclas de meu computador.
E foi o Paulinho que eu já trazia comigo, essa espécie de Ataulfo Alves renovado, com sua elegância, letras formosas e gravações de músicas da velha guarda de uma forma absolutamente moderna e fiel, quem foi me introduzindo no samba como ele deve ser ouvido. Era samba e era meu compadre, era raiz e era contemporâneo. Era Paulinho e sua turma.
Mais ainda, mesmo no cenário carioca, Paulinho foi padrinho de vários sambistas mais velhos que ele, na maioria da da velha guarda da Portela, como Monarco, Carlos Cachaça, etc (o espetáculo Rosa de Ouro foi um marco na história da cidade dita capital do samba). E havia o Cartola tirado da cartola de uma redescoberta, poeta maior que já baixou aqui no blog, e havia Nelson Sargento, Zé Keti (desde Nara), Nelson Cavaquinho, e tantos outros. O samba, para o homenzinho que no Rio aportava, era "blue", letras que remetiam ao choro, lamentos sem exagero, tudo isso no ritmo do gênero que renascia esplendoroso. Pois o samba é a tristeza que balança, como dizia o poeta na inveja de sua Bossa Nova. Como uma outra folha de um tubo que ainda desenrolava, o samba achou seu espaço no meu desejo musical. E foi me acostumando carioca, construindo morros em mim, velhas guardas, novos amores.
No belíssimo documentário de Izabel Jaguaribe, Paulinho da Viola - Meu Tempo é Hoje, existe uma linda cena onde Paulinho pede a benção a seus afilhados em um memorável almoço regado a cerveja, boa comida e muito samba. Me lembra meus tempos de mestrando quando as reuniões de orientação de "tese" na casa de meu orientador constavam de cerca de meia hora de discussões sobre o progresso do trabalho e, depois, pelo resto da tarde,muita cerveja e muito samba no aparelho de som. Éramos, Winston e eu, fãs de Paulinho de seus "afilhados", que íamos reconhecendo em nossa admiração pela viola do Paulinho. Paulinho era o cavalo do samba, a via régia para nossa humilde aceitação da poesia chorada que ainda escorria dos morros.
O clip aqui selecionado é do documentário acima referido, coisa finíssima que ninguém deveria deixar de assistir. Um entre tantos momentos antológicos, 14 anos fala de Paulinho, e do preço que pagou para nos falar de samba tendo passado pelo Calabouço e pelos festivais da Record.
Saudades de um Rio que passou, na minha, e em todas as vidas amantes do samba. Mas, como diz a música, o samba agoniza mais não morre. Quem viver ainda verá.


Perdão, leitores


Pela primeira vez o blog me deixou na mão. Dois posts, com vídeo, que tinha para mostrar para vocês, falharam. Ambos voltarão assim que o Blogger voltar a se comportar. O primeiro deles, o videeo que fiz upload aparecia na postagem com som i imagem completamente fora de sincronização. Irritante. E o segundo, depois de muita espera, decidi desistir do Blogger processar o vídeo. Aproveito para dar uma olhada melhor nos textos que os acompanham e tento novamente mais tarde.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Perdidos achados


Turner
Se nenhum homem é uma ilha
que deserto é esse
que me aponta a proa,
me navega a quilha,
e como ave voa
no meio da calmaria?
Sem este, nem sudoeste,
sem ventos a inflar-me as velas,
sem o amor que tu me deste,
ainda, e mesmo assim, indo
por essas areias sem fim,
nesse navegar infindo
do interminável deslembrar
de quando e porque
naufraguei
nesse velejar
de mim.

Em algum momento do ano passado

Cul de sac


Já não sei mais compor poemas,
nem inventar ilusões.
Já não sei mais sofrer as penas,
nem semear solidões.
.
Ando com saudades das letras
nas folhas de meu caderno,
e da tinta de minhas canetas
nos versos de céu e inferno.
.
Súbito descubro, e entristeço,
que essa vida mais ou menos
virou metro com que me meço.
.
E, perdido neste tédio ameno,
no mais do mesmo, desapareço.
Me calo, mudo, sonho pequeno.

terça-feira, 11 de março de 2008

A Estrada do Sol, em dois tempos.


Como no post anterior comecei com Estrada do Sol, esse vai só para mostrar que música boa nunca morre, apesar de toda a força que a mídia faz para nos fazer esquecer nosso passado musical. Claro que mesmo esse vídeo da Elis já é antigo, e nossas lembranças talvez morram com a gente. Mas, quem sabe, os YouTube da vida acabem sendo um belo repositório das raridades da MPB.

Estrada do Sol (Tom e Dolores Duran)
.
É de manhã
Vem o sol mas os pingos da chuva que ontem caiu
Ainda estão a brilhar
Ainda estão a dançar
Ao vento alegre que me traz esta canção

Quero que você me dê a mão
Vamos sair por aí
Sem pensar no que foi que sonhei
Que chorei, que sofri
Pois a nossa manhã
Já me fez esquecer
Me dê a mão vamos sair
Pra ver o sol
.
Em contraponto, o bom Agostinho com a mesma canção.Se a minha memória visual não me falha, a gravação deve ter sido realizada nos palcos da TV Record, pré bispo, do tempo dos musicais. Mas como ela vive me falhando... (ver comentários)


segunda-feira, 10 de março de 2008

Primeiras letras


Salvador Dali, é claro

É de manhã/vem o sol/mas os pingos da chuva/que ontem caiu... Assim começava o disco, e foi mais ou menos isso que se deu, um sol que saiu de repente. Era a moderna música brasileira se apresentando. Claro que já tinha acontecido Orfeu da Conceição lá no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Elizete já tinha gravado Canções do Amor Demais, mas nada disso ainda tinha chegado à Rua Emilio Ribas, aonde ainda escutava minhas músicas no vitrolão da sala, que só tocava 78. Ou seja, ainda estava na fase de clássicos, pianistas Cheios de dedos, e cantores franceses. Mas esse disco mudou tudo para mim.
Na casa vizinha à nossa, vivia a família de Seu Teobaldo e Dona Maria. Três meninas, Bartira (muito mais velha que eu, ou seja, 3 ou 4 anos), Iara (ou seria Yara? também um pouco mais velha, mas que acabou meio amiga na época do Culto à Ciência, por conta das caronas na Kombi de meu pai), e Cidinha, essa quase da minha idade e cuja turma de meninas eu freqüentava, já que na vizinhança os meninos eram, ou muito mais velhos que eu, ou bem mais jovens. Por isso, durante muito tempo minha turma de rua era um bando de meninas (Denise, outra vizinha de parede, Cidinha, Maria Helena) e eu, todos moradores da mesma quadra ali na Emílio Ribas. Com elas fumei meus primeiros cigarros (mentolados, na casa de Denise), com elas descobri essa coisa chamada "menina apaixonada" (não por mim, que era, aos olhos delas, um menino um pouco mais jovem e parte da turma, meio irmão mais novo; eu fui só ouvinte das risadinhas nervosas, das avaliações sobre meninos que as interessavam, ´ssas coisas, mas foi quando aprendi essa coisa de "namorar", e de se apaixonar, coisa que vai acabar fundamental na história deste LP de Agostinho). Só fui ter uma turma de meninos, assim mesmo sem abandonar as minhas meninas (que nunca abandonei, mesmo que as de hoje não sejam aquelas daqueles tempo, e só sejam meninas para meus olhos de menino), depois de entrar no ginásio no Culto à Ciência.
Mas, no que aqui interessa, foi na casa de Cidinha, que já tinha uma vitrola (hi-fi e estéreo, ainda por cima) que tocava os então meio recentes (pelo menos em Campinas) LP´s, que conheci o Chega de Saudade de João Gilberto e esse disco do Agostinho dos Santos, objeto deste post e porto de muitas lembranças. Mais ainda, foram esses dois discos que me fizeram pressionar o meu pai até que ele acabasse comprando nossa primeira Sonata, uma vitrolinha portátil fabricada aqui mesmo em Campinas, e pronta para os LP´s e discos de 45 r.p.m. (mas que não era estéreo e nem sei se hi-fi;), onde escutei muito os discos que Cidinha me emprestava, já que o dono do dinheiro em casa insistia em LP´s de Connie Francis, Nat King Cole, e coisas do gênero.
Acho que como o disco do Agostinho era uma coisa menos revolucionária do que o do João, e cheio de músicas com uma poética mais romântica, ele me impressionou mais do que o Chega de Saudade, que depois viraria marco da bossa nova. João era uma ruptura mais radical com o ritmo e o cantar, coisa que levei ainda um tempo para incorporar. E, confesso, para o menino que escutava só música clássica, ou cantores franceses, ou as músicas da MPB "antiga" na rádio, foram as letras cantadas por Agostinho que mais me impressionaram, principalmente aquelas que completavam as músicas do Tom. Pois eu era um menino pronto para me apaixonar, e Agostinho era bem mais romântico do que João. Mas ainda não era homem para sofrer como se sofria nas músicas antigas, cheias de dramas passionais; eu era mais a beleza levemente triste de Vinícius.
O disco trazia em seu lado A, músicas de Antonio Carlos Jobim, que ainda não chamávamos Tom, em várias parcerias. No lado B, músicas de Fernando César, autor que sumiu depois da onda da bossa nova, mas que ali servia como demonstração da própria posição de Agostinho dos Santos, pego meio de surpresa entre as "músicas antigas" (apesar de Fernando César não ser exatamente um "antigo", mas nunca conseguiu ser "novo" - vejam a lista de suas músicas e respectivo(a)s intérpretes aqui neste link). Agostinho, dono de uma voz sensacional, foi, até sua morte no acidente da Varig em Orly, um cantor sem gênero definido, capaz de cantar as coisas modernas de Tom (como neste álbum), e Balada Triste, uma música super cafona que fez muito sucesso na sua época e que um dia ainda posto por aqui. É interessante notar que esse Lp de Agostinho foi lançado no mesmo ano que o Canção do Amor Demais de Elizeth Cardoso, tido como marco inicial da bossa nova (talvez pelas músicas serem todas daquela nova dupla, Tom e Vinícius, talvez pela batida ao fundo do violão de João Gilberto, sei lá, pois a interpretação da Divina era mais antiga ainda que a de Agostinho; coisa do mundo, minhas nêgas).
Disco lançado em 1958, não me lembro quando ele chegou na casa de Cidinha, provavelmente anos depois, já que com dez anos de idade eu não teria condições de me deixar tocar por ele como me deixei. E naquele tempo, entre o lançamento de algo no Rio (então capital cultural do país, pobre Rio, hoje meio que só sede da Rede Globo) e a chegada da coisa em Campinas, anos poderiam se passar (a televisão era precária, não haviam as redes nacionais, e, surprise!, muito menos a Internet). Mas, pelos efeitos que conto abaixo, eu devia ter uns 12, 13 anos, ou seja, aconteceu lá por volta do início da década de 60. O uso que fiz da música que aqui posto foi no ano de 1963, mas como ela ficou esperando para ser usada vários anos, a data de minha descoberta do LP deve se situar em algum lugar entre 60 e 62.
Mas aqui o que interessa é a minha descoberta das letras. Pela primeira ves as letras falavam comigo, se colocavam em minha boca como um "meu dizer possível", embalavam um "dizer de amor" que eu não conhecia antes nas músicas que escutava, havia uma poesia diferente nas letras de Vinícius e nas dos outros autores (nos comentários vou colocar a relação das músicas do disco e vocês entenderão melhor). Acho que aí começou minha paixão por essas coisas das músicas que dizem, que me declaram, que me deixam encantado e apaixonante. Eu, e nem sabia disso ainda, me descobria um apaixonado pelas palavras "bonitas", pela poesia de amor embalada em melodias idem, pela possibilidade de sustentar ilusões amorosas na leveza das belas palavras.
Apesar de eu logo saber cantar todas as músicas do lado A (e sei até hoje), uma delas, essa que aqui coloco em sua versão original, marcou-se particularmente. E de dava uma vontade enorme de ter uma namorada para propor-lhe a música como "nossa música". Ou seja, eu tive a "nossa música" antes de ter um "nós" que a justificasse. Às vezes penso que isso se tornou um hábito, essa coisa de fazer das namoradas meros veículos para palavras que me encantam, sejam elas vindas embaladas em músicas, sejam elas senhoras de meu próprio dizer. Essa música foi "nossa música" de meu primeiro namorinho, como estava fadada a ser qualquer que fosse a namorada. A namorada já foi de minha vida há muito tempo, mas a música ainda continua com esses ecos que aqui explico tão longamente.
E continuo um apaixonado pelas palavras. Nestes tempos de solidão que atravesso neste meu retorno capenga (afinal, nunca voltei para Campinas; vivo em Barão Geraldo, que é outra coisa), foram as palavras neste blog que me sustentaram apaixonado, estado que tenho muita dificuldade de não viver. E continuo, como o menino que fui, querendo muito uma namorada que me permita viver, mais plenamente, esse meu encantamento com as palavras, agora minhas por direito de autoria. Que venham as velhinhas! Eu não existo sem vocês!
Com vocês, Agostinho dos Santos, música do Tom, letra de Vinícius.


domingo, 9 de março de 2008

Mulheres, com algum atraso, como sempre.


Já contei a história de minhas descobertas musicais, dos clássicos ao rock. Algumas músicas marcantes destas etapas já andei colocando por aqui. Faltava, no entanto, um gênero tão importante quanto os demais, meio sem nome, mas que sempre chamei, com algum preconceito que agora reconheço, as "músicas cafonas", ou "músicas de zona", mas que na realidade é só o reconhecimento de que a música brasileira tem uma longa história para o aquém da bossa nova. Diferentemente dos outros gêneros, não me recordo muito bem quando passei a gostar da velha guarda da MPB, seus sambas/boleros-canção, suas letras derramadas em dores de amor, em traições (normalmente da mulher), em amores perdidos, etc e tal.
Talvez tenha sido durante a temporada das serenatas para as meninas, coisa que ainda era possível fazer na Campinas de minha adolescência, mesmo que nesta época os cantores da turma atacassem mais com as baladas da própria bossa-nova (Teus Olhos, Este Teu olhar eternamente me lembrarão dos Rondinos, Roberto e Sérgio, ambos com voz empostada de cantores de churrascaria romântica), mas sem poder evitar um eventual Nelson Gonçalves, Silvio Caldas, Roberto Luna (este, na época, dono de um bar meio puteiro aqui por Campinas; daí, talvez, a "música de zona" que passei a associar ao gênero).
Talvez ouvindo rádio na rádio-vitrola da sala, talvez nos musicais do início da televisão (afinal Hebe camargo, então cantora, inaugurou a Tupi que me inaugurou a TV), talvez nos filmes brasileiros da década de 50 (Conceição, com Cauby, tenho certeza de ter escutado pela primeira vez em um musical da Atlântida), só sei que algumas músicas, e alguns cantores, logo se incorporaram ao meu repertório musical (depois de vencida a fase do politicamente correto que só nos permitia a bossa nova e Bach). No fundo, acho que descobri nas músicas antigas um veículo perfeito para minhas constantes dores de cotovelo, pois ninguém canta melhor essas coisas que um Nelson Gonçalves, um Cauby, ou o velho Jamelão arrasando um Lupicínio de boa safra. De qualquer forma, aqui também fui crescendo o gosto, "descobrindo" cantores e músicas, a ponto de poder, hoje, sentar em qualquer mesa de botequim e acompanhar as canções que os homens gostam de cantar depois de muita cerveja num daqueles bares onde as mulheres não entram. Coisa que daria um belo ensaio sociológico, já que as letras são, quase sempre, uma confissão de sofrimentos pelas ingratas que nos deixaram, de chifres que nos enfeitam e, principalmente, de nossa total e absoluta incapacidade de entender às mulheres (e de como sofremos sem elas). E não costumamos confessar isso para elas, e mesmo entre nós, só meio bêbados.
Tudo isso para encaminhar o post de hoje como uma homenagem atrasada a essa coisa fascinante que são as mulheres, cujo dia deixei passar em branco ontem. E, como tentei explicar acima, a "música cafona" não tem outro assunto que não seja a coisa da mulher. Daí a escolha musical. As imagens foram escolhidas no pouco que tenho armazenado em meu computador, mas são todas homenagens à figura feminina.
Meninas, mesmo sabendo que vocês mereciam coisa bem melhor, meu mais sincero reconhecimento pelo mistério que nos alimenta, inspira, maltrata, mas nos faz, se soubermos aprender com ele, melhores enquanto homens. O que me leva ao Seu Zeno, de uma antiga postagem (Com Ciência de Zeno), que apesar de falar das lutas que eu lutava contra o cigarro naquela época, fala de como vejo essa coisa das mulheres, bicho de muita complicação mas bom demais da conta.
E, para terminar, o mais incrível. Fui conferir a postagem do Seu Zeno e descubro que minha mais verdadeira homenagem às mulheres foi postada há exatamente um ano, no dia 09 de março de 2007. Como podem ver, eu me atraso um dia mas nunca esqueço delas.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Contador de mim


Coisa esquisita essa do contador. A gente fica aqui imaginando um monte de coisas sobre esse ser essencialmente anônimo que é o leitor. O contador rola números que, na ausência de comentários e outras marcas de passagem, me deixam aqui elocubrando, supondo, imaginando.
Tá certo, 1000 e poucas entradas em pouco mais de um mês é nada nessa coisa de blog. Tem um monte de blogs que as entradas diárias se contam em milhares. Mas, pô, a coisa aqui começou só para aliviar a caixa de entrada dos amigos e, de repente, o contador me parece dizer que tem muito mais gente que aqui se repete do que eu ousava pensar lá nos inícios do ano passado. Aliás, o que menos suponho por aqui são os amigos que, não sendo anônimos, nunca tiveram desculpas para não marcarem passagem.
É claro que o meu "amigo finlandês" deve ter chegado aqui por acaso, ou pela poesia em finlandês que um dia, que já não me lembro mais, postei por aqui só de brincadeira. Da mesma forma, todas as cidades que se contam em uma entrada podem ser tidas como "falta do que fazer" do entrante, que veio, viu e não voltou. Mas, me pergunto, qual é a nota de corte? Que número de entradas de uma determinada cidade me permite supor ali alguém que volta de vez em quando?
Por outro lado, Campinas, Rio, BH, Vitória, e até mesmo, neste momento Caracas, todas cidades com um número alto de entradas no contador, não contam, ou se contam de outra forma. Lá estão leitores conhecidos, ou sendo mais sincero, fiéis leitoras de minhas carambolas. Mas como explicar que Lisboa se conte para além das duas dezenas? Ou que Mountview, Califórnia, dispute em número de entradas com cidades onde tenho pessoas que vem me ver por carinho com minha pessoa, independente da qualidade das minhas carambolas? Ou o grande número de entradas espalhadas por Portugal, em cidades que só reconheço como portuguesas pela bandeirinha que acompanha o índice do contador? Claro que Portugal, que se a contagem fosse por país estaria em segundo lugar por aqui, se explica pela língua comum, mas mesmo assim me deixa curioso saber o que, nesse monte de pequenos pedaços de mim que vou postando por aqui, interessa as pessoas por lá. Outros lugares, de outras línguas, só me permitem pensar em brasileiros, ou portugueses, que, de alguma maneira, acharam esses meus escritos (apesar da introdução da música ter ampliado o universo dos possíveis interessados, ao libertá-los da necessidade da leitura). Mas, insisto, isso tudo é mera suposição que esse contador de mim me faz ousar. Ilusões que vou me contando.
Ou seja, parece que vivo, aqui no blog, nas pequenas proporções que ele me permite, a angústia do autor. Parece meio metido a besta, mas é isso mesmo (ou como diriam meus amigos, metido a besta é comigo mesmo). Como qualquer autor, as minhas coisas se perdem de mim depois de lançadas ao ar da internet, e só tenho como retorno números, nunca a voz do leitor. Mas os números me garantem que alguns de vocês, que não conheço e nunca conhecerei, voltam depois da primeira passagem, retornam ou indicam aos amigos da mesma cidade, e me sustentam de uma outra maneira, de uma forma que nunca pensava poder sentir quando essa brincadeira começou. Ou seja, compram as minhas carambolas e a minha maneira de saboreá-las enquanto vou aprendendo a dar conta do Desejo (e) da Morte que foram os motores iniciais dessa coisa toda. Acho que, meio no espírito do post Morangos Silvestres, entre a onça e o precipício, lugar comum na minha vida sintomática, ando conseguindo cultivar carambolas que são saborosas para além de mim mesmo. E isso me permite sabê-las melhor e me carambolar em equivocações que multiplicam os sentidos do que aqui exponho.
Por sorte, tudo isso são só suposições minhas, inferências baseadas em números frios que uma traquitana contadora me permite fazer, mas que permanecem só sonhos dessas noites de um verão que já vai terminando (ou de um inverno, como eu poderia dizer a todos os meus, supostos, leitores de Portugal e de outros países do hemisfério norte). Mas é gostoso sonhar. E muito divertido. Aliás, quando ao completar um ano de blog, resolvi quebrar a promessa feita lá nos inícios ingênuos de 2007, e não dar a tarefa que ele se propunha por terminada, me dei conta que já não mais vingava a perda. Hoje, se vocês me entendem, o que aqui vinga é um outro tipo de perda, aquela que, apesar de não ter vingança possível por ser estrutural de minha condição de falante, devemos, se quisermos não falhar com nosso próprio desejo, e com a nossa condição inevitavelmente mortal, continuar sempre tentando costurar dentro do possível. E, além do mais, quanto mais aqui me divirto, mais a perda que originou tudo isso se consolida nessa minha leitora que jamais terei. Afinal, foi ela que me desejou as ilusões engraçadinhas e o blog tem sido um espaço pleno delas. Cada post é uma homenagem minha, e de Pipoca, à Gilza que já não é.
E, para parar com a falação, proponho, para os que conhecem e para os que me supõem, que tentarei manter por aqui aquilo que Caetano expressa na música com que encerro este post comemorativo da marca dos (mais de) 2000 visitantes. Voltem sempre.
Tão só como sempre estive (a la Lacan), me divirto (diferente do falecido) me refundando e-ternamente.
Contador de mim!


quinta-feira, 6 de março de 2008

Amor tardio, jamais vadio.

Sou da terra de Carlos Gomes, nosso único compositor de algumas óperas de reconhecimento internacional, no tempo que compor óperas era coisa para os bons compositores de música erudita. Eu deveria ter tido contato com a coisa bem antes. Mas, confesso, talvez por odiar o Guarani (o time de futebol, please!), a ópera entrou em minha vida bem tardiamente, o último dos grandes gêneros musicais a ser admitido no meu eclético gosto.
E olha que a música clássica foi, talvez, o primeiro, junto com o Carmen Cavallaro, Charles Trenet (La mer, inesquecível) e outros que tais, gênero musical que me pegou pelo emocional. Na verdade, como sempre fui um menino sério, eu dava preferência à coleção de clássicos que tínhamos na Emilio Ribas sobre todas as outras coisas. Sem nenhuma informação, era só uma questão de gostar das músicas, das sinfonias (e olha que a Sinfonia Patética, para ser tocada em 78 rotações dava um trabalhão enorme, pois era composta de um número bem razoável de discões; já os Concertos de Brandenburgo me chegaram em LP´s, através de uma Coleção da Seleções Reader´s Digest).
Adolescente, através do João Gilberto da vizinha (Cidinha, onde anda você) e de um lindo LP de Agostinho dos Santos cantando Jobim e Newton Mendonça (também da filhas de Seu Teobaldo), incorporei a "moderna MPB". Logo depois, gostar de bossa-nova passou a ser um ato político, mais do que uma questão de estética musical (que por sinal, como descobrimos depois, e ao longo dos anos, era bela e muito sofisticada musicalmente). Depois vieram os Chicos, Caetanos, Elis, e aquele monte de gente boa da década de 60, gente que me acompanha até hoje.
Em seguida, já namorando seriamente (como só aos 17 anos - volver a los 17 - sabemos fazer), encontrei o jazz. Acho que Nina estava comigo quando comprei Oscar Peterson & Clark Terry, meu primeiro LP de jazz. E quando a política permitiu, começei a gostar de um bom rock, dos Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, tecetera.
E assim vim até quase o final do século passado. Lá pelo ano de 1999, ou 2000, não tenho certeza, novamente foi uma "herança" do Dr. Oswaldo que me apresentou a música operística. Eu estava vivendo no apartamento que ele havia abandonado para ir viver com sua última esposa (Dr. Oswaldo não tinha mulher, tinha esposa), e entre os largados para trás havia um CD com algumas árias famosas cantadas pelos grandes tenores e sopranos (os nomes, senhor culto que eu era, conhecia todos; já as músicas, quase nenhuma, acho que só certas passagens da Carmen de Bizet). Me apaixonei por aquelas vozes diferentes, aquelas árias tão belas, aquela dramaticidade beirando o exagerado. Una Furtiva Lagrima, que já postei mais de uma vez por aqui, virou a ária emblemática desse meu novo gostar. Mario Lanza, Gigli, Callas, e outros nomes, viraram vozes a serem escutadas. Comecei a me dar ao luxo de criticar Pavarotti em nome dos tenores de antigamente, a escolher interpretações de uma mesma ária, ´ssas coisas. Fui me aveadando na coisa operística, como já havia me aveadado nos demais gêneros. Já dava para discutir alguma coisa com meu amigo Jorge nas mesas dos botequins cariocas, apesar de, depois, elequando era de ópera que se tratava, preferir conversar com a Gilza, e ficavam, como duas crianças, trocando suas óperas preferidas, seus cantores, seus compositores, com uma familiaridade que até hoje não tenho. Mas engano bem, como em tanta coisa que me dou os ares de entendido. Menino esperto, muitos anos de praia! Mas Gilza é o capítulo seguinte, coisa deste século, amor tardio e meio vadio.
Depos, então, veio Gilza, apaixonada por Ópera, não só pelas árias, mas pela coisa toda, pelo multimídia avant la lettre que a ópera sempre foi. E Gilza me apresentou Callas, sua paixão maior, que eu só conhecia como a mulher que Onassis havia abandonado pela Jacqueline. Gilza me levou a duas montagens de ópera lá pelo Rio. Confesso que não tive tempo para aprender a gostar da coisa como um todo. Até hoje gosto de cada vez mais árias, mais autores, mais intérpretes, e refinei meu gosto para coisas cantadas de maneira geral (meu São Pergolesi, por exemplo, e seu Stabat Mater), mas continuo sem saber o que fazer numa ópera completa. Talvez se tivesse tido mais tempo, mais Gilza, quem sabe. Mas o fato é que, por essas terras, a ópera é pouca (e na terra de Carlos Gomes, nenhuma), as montagens são pobres, os cantores meio de segunda linha. Difícil aprender a gostar daqueles dramalhões patéticos que rolam pelo palco sem muita aprendizagem de ótimas montagens (e não venham me dizer que podemos escutar a ópera no CD, que a ópera é para ser vista ou, no mínimo, imaginada, coisa que não consigo fazer), tenores e sopranos de primeira, e uma professora amorosa, como Gilza poderia ter sido, ao lado.
Assim, continuo com as minhas árias prediletas e com a Callas que herdei da Gilza. A ária que aqui posto, D´amor sull´ali roses é da ópera Il Trovatore, de Verdi. Aqui vemos Callas em uma audição/concerto em Paris, no ano de 1958. Eu tenho uma gravação melhor da música, também com a Callas, é claro, mas aqui o vídeo nos permite ver Callas cantando, coisa que muito compensa o que pode haver de melhor na faixa que prefiro quando é só escutar.
A música é linda, Callas é Callas, o resto é com vocês.


Dedicado à Gilza, que me amou tanto quanto amava à Callas

O poeta e o carteiro

quarta-feira, 5 de março de 2008

Silêncios na parede

Algumas músicas são para nossos momentos mais tristes, ou mais alegres, ou mais apaixonados. Outras são belas simplesmente. Mas existem aquelas que não têm momentos, são conchas de nossos caracóis. E o caracol, me ensinou Manoel de Barros, escreve silêncios na parede. Ouçam!

segunda-feira, 3 de março de 2008

Cem palavras


Van Gogh
As palavras têm se calado
na nudez das paredes,
nas juras desprometidas,
nas amantes não mais havidas,
nos furos de minhas redes,
nos sonhos desacordados.
.
As palavras restam encolhidas
no oco de minhas beiras,
nas esperas não chegadas,
nas viagens naufragadas,
nas entradas sem bandeiras,
nas letras mal resolvidas.
.
As palavras se acabaram
nos corpos já carcomidos,
na esperança que desaponta,
nas buscas, cada vez mais tontas,
nos restos do eu dormido,
nas achas que não se queimaram.
.
As palavras, desnomeadas,
já não multiplicam sentidos.
São letras em redemoinho,
vagos lumes, burburinho,
solidão, falta de abrigo,
síncope, fim da jornada.
.
Ao final das contas
.
Com as palavras nasci
e, delas, hei de morrer.
Com elas fiz mil distâncias,
por elas, tolas errâncias.
Mas a conta de meu dever,
a-pago no que escrevi.

Brincando de tocar piano


De Erroll Garner não preciso dizer muito. Em um trecho do documentário de Nelson Freire ele confessa sua inveja dos músicos de jazz e seu desejo, impossível, de tocar como eles, de poder sentar no piano e improvisar. Naquele instante ele assiste um vídeo de Erroll Garner com um prazer que se traduz em um contentamento de menino (Nelson Freire tem, até hoje, uma cara de menino). Ele fala da alegria com que Erroll garner toca e abre um sorriso de puro prazer. Senhores, um dos pianista s do pianista: Mr. Erroll Garner.
Erroll Garner prova também que um pianista pode ser cheio de dedos e ser bom, apesar de existirem muitos que, de tantos dedos que têm, deviam ser proibidos para diabéticos. Mais ainda, com a alegria que Nelson Freire nele reconhece, Erroll Garner sempre foi um brincalhão no jazz. Talvez por isso não seja levado tão a sério como merece.
Divirtam-se!

Música calada, bendita solidão sem palavras.

Fevereiro foi um mês muito triste, tristemente solitário. Um mês, como digo na postagem que, ao seu final, coloquei com data de 01 de fevereiro, que melhor não houvesse sido, mas que, ainda e mesmo assim, foi. Passou, como passam os meses, inevitavelmente, deixando um certo rastro de tristeza, que eu associava à solidão, coisa mal dita naquele mês acabado de morrer.

No dia 01 de março, um DVD supostamente virgem me reservava uma surpresa. Ao tentar usá-lo, descubro que ele não era mais virgem e continha uma cópia do documentário Nelson Freire, de João Moreira Salles. O documentário, que anos atrás assisti com Gilza no Espaço Unibanco lá no Rio, foi assistido novamente na solidão de minha sala, no fim da tarde daquele mesmo dia. E aí a solidão mudou. Não que se acabasse, mas se tornou bem dita.

A música, coisa sem palavras, me lembrou que em certas horas, para se contemplar a beleza, a solidão é necessária e irremediável, e que só ela nos permite a entrega que a beleza musical necessita para ser incorporada em nosso compreender. Quando o filme acabou, fevereiro era só lembrança e uma nova qualidade de solidão ainda me acompanhou por horas a fio.

Eu queria muito dividir essa experiência com vocês, coisa que me parecia impossível, já que não dá para postar um filme inteiro no blog. Mas a beleza da coisa me fazia querer mais do que recomendá-lo para aqueles que ainda não o assistiram (mas façam-no, que é um dos mais belos e delicados documentários que já assisti em toda a minha vida). Havia no filme um trecho, esse que aqui posto, que me tocava profundamente e que, achava eu, resumia em cerca de 7 minutos tudo que fazia o filme uma coisa profundamente bela e delicada. O problema era como retirar só aquela parte de um DVD completo.

Como já comentei aqui, não sou muito versado nessas coisas de vídeo, nada além das brincadeiras musicais que tenho postado. Assim mesmo, lá fui eu para o Nero e, depois de muito bater cabeça nesses dois dias, consegui o clipe que me propunha a mostrar. Não sei se a qualidade estará boa (o som saiu muito baixo, portanto aumentem o volume por aí), mas se tocar na tela de vocês como tocou na minha, tenho certeza que tocará vocês.

O trecho, ou melhor, os dois trechos, mostram uma homenagem de um músico a outro músico, a beleza de uma partitura, que se repete nos dois trechos, e os rostos profundamente enlevados, e portanto solitários, dos ouvintes. Primeiro a emoção de Nelson Freire escutando a interpretação de Guiomar Novaes, depois as faces de uma platéia (que me parece russa), escutando o pianista executar aquela mesma música que havia lhe enchido os olhos d´água. Tudo isso magistralmente dirigido por João Moreira Salles. Enfim, um resumo de tudo que há de belo naquele documentário, mas um momento especial, onde essa coisa da solidão bendita, e necessária, melhor se diz, e onde a beleza é pura delicadeza musical.

A música, que a legenda não deve permitir ler, é uma adaptação para o piano, por Sgambati, de um trecho da Ópera Orfeu & Eurídice.


sábado, 1 de março de 2008

Espaço reservado para o só depois


Este espaço encontra-se reservado para a postagem que, num só depois, será capa e resumo do mês de março.
Para os que ainda não sabem, venho fazendo isso desde o começo do blog: no final do mês posto, com data do primeiro minuto do primeiro dia, uma imagem, às vezes uns dizeres curtos, um título, tudo junto querendo significar o mês que acabou lá mesmo onde ele começa.
Portanto, esse espaço está assim reservado até o dia 31 de março quando, moebianamente, aqui retornarei para reinaugurar o mês.

Março, mês de recordações, homenagens e encontros


Março de 2008,
difícil, mas ainda
fino biscoito.