sexta-feira, 14 de março de 2008

Ele é carioca

Faltavam eles, o samba e Paulinho da Viola. Na minha vida, vêm juntos e cheiram Rio de Janeiro.
Em 1972, era muito difícil ter o Rio de Janeiro sem samba. Depois de algum tempo de agonia, o samba ressuscitava. E Paulinho da Viola era peça fundamental nisso tudo.
É claro que que Nara já havia cantado alguns sambistas da velha guarda no Opinião, já era de bom tom, gostar de samba. Mas era ainda meio preconceituoso, aquela coisa de meninos da classe média, filhos da Bossa Nova, meio assim visitando uma reserva ecológica, olhávamos o samba antropologicamente. Isso visto desde esse cenário paulista de onde eu olhava as coisas, parecia o samba do Carlos Cachaça (ou seria Nelson Sargento?): O nosso amor é tão bonito, ela finge que me ama e eu finjo que acradito.
Mas aí, quase no imediatamente antes de me mudar para o Rio, comprei um LP de Paulinho da Viola. E um outro Rio se apresentou em minha vida. Acho que já viajei em direção à Cidade Maravilhosa, meio que maravilhado, com samba no sentimento. Meio que sambando peguei a D. Pedro, pista única, e fui. E Campinas dançou, até que, num outro século, eu voltasse para suas valsas vienenses.
Sem saber, viajei com Paulinho, semente de Viola, samba que já chorava em mim.
Naquela época era impossível estar no Rio e não respirar samba, que na minha cabeça de menino suposto homem, se misturava com a liberdade possível que o Rio me ofertava. Samba e mulheres, o gingado da Bossa Nova feito carnes gingando pelas minhas taras paulistanas e o samba me falando que eu estava em outro universo. O Rio era um outro mundo, do tipo de outros mundos que só eram possíveis naqueles tempos em que Rio e São Paulo se separavam por uma distância infinita, sem TV´s que nos unissem, sem essa coisa de hoje que me oferece o mundo ao alcance das teclas de meu computador.
E foi o Paulinho que eu já trazia comigo, essa espécie de Ataulfo Alves renovado, com sua elegância, letras formosas e gravações de músicas da velha guarda de uma forma absolutamente moderna e fiel, quem foi me introduzindo no samba como ele deve ser ouvido. Era samba e era meu compadre, era raiz e era contemporâneo. Era Paulinho e sua turma.
Mais ainda, mesmo no cenário carioca, Paulinho foi padrinho de vários sambistas mais velhos que ele, na maioria da da velha guarda da Portela, como Monarco, Carlos Cachaça, etc (o espetáculo Rosa de Ouro foi um marco na história da cidade dita capital do samba). E havia o Cartola tirado da cartola de uma redescoberta, poeta maior que já baixou aqui no blog, e havia Nelson Sargento, Zé Keti (desde Nara), Nelson Cavaquinho, e tantos outros. O samba, para o homenzinho que no Rio aportava, era "blue", letras que remetiam ao choro, lamentos sem exagero, tudo isso no ritmo do gênero que renascia esplendoroso. Pois o samba é a tristeza que balança, como dizia o poeta na inveja de sua Bossa Nova. Como uma outra folha de um tubo que ainda desenrolava, o samba achou seu espaço no meu desejo musical. E foi me acostumando carioca, construindo morros em mim, velhas guardas, novos amores.
No belíssimo documentário de Izabel Jaguaribe, Paulinho da Viola - Meu Tempo é Hoje, existe uma linda cena onde Paulinho pede a benção a seus afilhados em um memorável almoço regado a cerveja, boa comida e muito samba. Me lembra meus tempos de mestrando quando as reuniões de orientação de "tese" na casa de meu orientador constavam de cerca de meia hora de discussões sobre o progresso do trabalho e, depois, pelo resto da tarde,muita cerveja e muito samba no aparelho de som. Éramos, Winston e eu, fãs de Paulinho de seus "afilhados", que íamos reconhecendo em nossa admiração pela viola do Paulinho. Paulinho era o cavalo do samba, a via régia para nossa humilde aceitação da poesia chorada que ainda escorria dos morros.
O clip aqui selecionado é do documentário acima referido, coisa finíssima que ninguém deveria deixar de assistir. Um entre tantos momentos antológicos, 14 anos fala de Paulinho, e do preço que pagou para nos falar de samba tendo passado pelo Calabouço e pelos festivais da Record.
Saudades de um Rio que passou, na minha, e em todas as vidas amantes do samba. Mas, como diz a música, o samba agoniza mais não morre. Quem viver ainda verá.


Um comentário:

Zédu disse...

Perdão, leitores! Erramos.
Não me perguntem o que aconteceu, mas som e imagem estão totalmente desincronizados. Prometo retirar o mesmo clip de meu DVD e refazer o vídeo do post. Paulinho não merece essa coisa mal feita. Só não tiro o post agora pq ele permite, de alguma forma, que vocês saibam do Rio que passou na minha vida.