segunda-feira, 17 de março de 2008

Tenente Oswaldo Mendes Leite, meu pai.


Escutei muito esta canção, patriótica como devia ser, bem era Vargas, como agora reconheço, nos meus tempos de menino de verdade. Junto com as medalhas na parede, a Canção do Expedicionário, música de Spartaco Rossi e letra do Príncipe dos Poetas, Guilherme de Almeida, sempre foi mais IIª Grande Guerra do que os filmes que eu assistia nas matinês dos cinemas. Afinal, era a guerra do meu pai.
O disco, um bolachão 78, tocava sem parar, não pela beleza da música, mas pelo pai que eu ali ouvia. Como ouvia suas histórias da guerra, na cama antes de dormir. Quando minha mãe viajava para Caçapava, sua terra natal, e onde eles se conheceram por causa da guerra (eles ficaram muito tempo aquartelados em Taubaté antes de partir para a Itália), eu, filho mais velho, filho da guerra, tinha o direito de dormir com ele na cama do casal. Aí eram muitas as histórias, sempre as mesmas, mas que meus ouvidos de criança ouviam sempre maravilhados e orgulhosos. Meu pai tinha ido para uma guerra de verdade. Os alemães e seus canhões, como mais tarde diria Chico, do alto das colinas d´Itália, bombardeavam meu pai sem cessar, mas ele era maior que as bombas e me contava as histórias na cama lá na Emílio Ribas. Meu pai, meu herói.
Adolescente, costurei o emblema da FEB em uma japona, junto com o do Vº Exército americano, no qual a FEB estava inserida. Mas já não ouvia mais a canção, nem as histórias dos alemães e seus canhões. O pai já não era um herói, sobrara o orgulho bobo do adolescente querendo se mostrar.
Mais tarde, já mais velho, fui perceber, no tom das mesmas histórias que eu agora escutava adulto, que a guerra havia sido uma experiência que ele preferiria não ter passado, uma coisa que não tem nada de bela ou heróica, um dever que ele cumpriu da maneira como cumpria todos os seus deveres: dando o melhor de si. Atendeu uma convocação que melhor não tivesse vindo, e que nunca foi bem vinda. E nos deixou, aos filhos, com a honestidade com que nos contava da condição humana, suas fraquezas e seus horrores, a lição da estupidez das guerras e dos guerreiros, talvez principalmente destes, os que gostam das guerras e nelas exercitam um sei lá o que de mais gozar. E a lição do cumprimento do dever, para além do desejo, o necessário do Outro, como mais tarde aprendi a falar bonito, mas coisa que ainda não sei se aprendi direito, apesar de seu exemplo tão marcante. Virou outro tipo de herói, meu pai. Sinto nunca ter deixado ele saber disso.
Minha história com ele é tão complicada como costumam ser as histórias com o pai que insistimos em olhar como Pai. E cobramos, e negamos, e demoramos para conseguir ver ali um homem, um outro homem, um filho de nossas mitologias pessoais, uma humana trindade encarnada. Mas, o Tenente Oswaldo Mendes Leite, tenente da artilharia no 6º RI, apesar de já médico formado, esse me ensinou muitas coisas, e veste as lembranças mais doces que tenho dele nos meus tempos de criança, esse que eu encanto aqui, como cantava em frente do vitrolão da sala.
O vídeo é por ele e, um pouco, como ele gostaria, pelos três mosqueteiros (e pelo D´Artagnan que um dia ainda serei): Massaki, Piason e Oswaldo. Três médicos no front, três homens como poucos. DREI BRASILIANISCHEN HELDEN, como diriam seus amigos alemães (que sempre foram adversários naquela coisa estúpida, só esperando a guerra acabar para poderem ser amigos outros homens)
E mais não sei falar aqui, que pai é coisa que sempre nos engasga.
A benção, meu pai!

Mais sobre a FEB na Wikipédia (ou no Google)

6 comentários:

Zédu disse...

Canção do Expedicionário

Letra: Guilherme de Almeida Música: Spartaco Rossi

Você sabe de onde eu venho ? Venho do morro, do Engenho, Das selvas, dos cafezais, Da boa terra do coco, Da choupana onde um é pouco, Dois é bom, três é demais, Venho das praias sedosas, Das montanhas alterosas, Dos pampas, do seringais, Das margens crespas dos rios, Dos verdes mares bravios Da minha terra natal.

Por mais terras que eu percorra, Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá; Sem que leve por divisa Esse "V" que simboliza A vitória que virá: Nossa vitória final, Que é a mira do meu fuzil, A ração do meu bornal, A água do meu cantil, As asas do meu ideal, A glória do meu Brasil.

Eu venho da minha terra, Da casa branca da serra E do luar do meu sertão; Venho da minha Maria Cujo nome principia Na palma da minha mão, Braços mornos de Moema, Lábios de mel de Iracema Estendidos para mim. Ó minha terra querida Da Senhora Aparecida E do Senhor do Bonfim!

Por mais terras que eu percorra, Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá; Sem que leve por divisa Esse "V" que simboliza A vitória que virá: Nossa vitória final, Que é a mira do meu fuzil, A ração do meu bornal, A água do meu cantil, As asas do meu ideal, A glória do meu Brasil.

Você sabe de onde eu venho ? E de uma Pátria que eu tenho No bôjo do meu violão; Que de viver em meu peito Foi até tomando jeito De um enorme coração. Deixei lá atrás meu terreno, Meu limão, meu limoeiro, Meu pé de jacarandá, Minha casa pequenina Lá no alto da colina, Onde canta o sabiá.

Por mais terras que eu percorra, Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá; Sem que leve por divisa Esse "V" que simboliza A vitória que virá: Nossa vitória final, Que é a mira do meu fuzil, A ração do meu bornal, A água do meu cantil, As asas do meu ideal, A glória do meu Brasil.

Venho do além desse monte Que ainda azula o horizonte, Onde o nosso amor nasceu; Do rancho que tinha ao lado Um coqueiro que, coitado, De saudade já morreu. Venho do verde mais belo, Do mais dourado amarelo, Do azul mais cheio de luz, Cheio de estrelas prateadas Que se ajoelham deslumbradas, Fazendo o sinal da Cruz !

Por mais terras que eu percorra, Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá; Sem que leve por divisa Esse "V" que simboliza A vitória que virá: Nossa vitória final, Que é a mira do meu fuzil, A ração do meu bornal, A água do meu cantil, As asas do meu ideal, A glória do meu Brasil.

Anônimo disse...

Eu, Zédu, que aqui jamais sou anônimo, não pedi licença a ela, mas publico abaixo um mail que me justifica o post. Não foi sem pensar que terminei o vídeo com a foto do pai com seus filhos.
Zedu,
Estou na USP e daqui vi seu blog com a cobra fumando. Nem preciso dizer que AMEI a montagem que você fez, completando a coisas que escreveu sobre o papai. Eu sempre imaginei que você não o admirava, que o achava bundão (de onde tirei isso? Do seu blog mesmo, lá no começo? Ou estarei misturando as coisas?). As lembranças das histórias contadas na cama são também muito vívidas para mim, e essa música sempre foi mais que uma música. Desde pequena, ela sempre me emocionou por me remeter à possibilidade que existiu de nem ter tido aquele pai, se ele tivesse morrido na guerra (claro que eu nem cogitava que isso queria dizer que eu também não teria existido; o que me afligia era a possibilidade da perda precoce do pai, antes de ele ser). Com esse texto e essa montagem, você reavivou tudo isso e me fez perceber que estamos mais próximos nas lembranças e sentimentos do que jamais supus. E isso, só nós (e talvez o Nando) é que podemos partilhar. De fato, ser irmãos é uma coisa séria!!!!! Gostei do que senti.
Beijo,
Lena

No meu blog, a Lena, filha de meu pai, minha irmã, leu, conforme está escrito, o bundão que o chamei. Isso foi lá na Eununca Sumèria , onde o bundão foi usado como contrário do super-homem que ninguém é. Meu pai nunca foi super-homem, e seus filhos, ainda bem, são todos bundões. Mas, é sempre bom lembrar, bunda é uma das preferências nacionais. E ser bundão é ser falante, falente, gente. Como eu e minha irmã, como meu pai, como vocês que aqui estão lendo

Anônimo disse...

Zedu, como também era meu, o que vc diz sobre o pai me emocionou muito; e escutei com carinho a canção do expedicionário. Que os nossos filhos tenham através de suas palavras o privilégio de saber mais do meu querido Dr.Osvaldo. Afinal, o meu amor por ele teceu estórias que deram frutos. Fico imensamente feliz que vc esteja conseguindo reconhecer e fazer sua a herança que ele te legou. Não estou na foto, mas ele certamente me incluiria, para orgulho meu, entre os seus filhos. Aprendi com ele que somos sempre adotados. Nina

Anônimo disse...

Quanta coisa boa a partir da sua postagem. Ela me pareceu ainda mais forte quando dos comentários da Lena e da Nina.

Sendo bastante sincera, o que disseram de uma história particular, quase dizendo respeito somente aos três, me fez admirar a delicadeza do encontro de vocês e por isto mesmo provocou em mim grande saudade de um tempo da vida aqui em BH, tendo a ver com o que você falou da sua experiencia com o seu pai. O pós guerra com as suas histórias nos pegou a todos ainda bem fantasiosos como crianças que éramos e isto foi de grande importância.

Escutando o hino enquanto escrevo tudo fica ainda mais vivo, mais rente e aceso na memória. Bem que alguém me disse certa vez que a memória é nosso órgão afetivo.

Se fiquei e ainda estou arrepiada , tem a ver com o que escuto de vocês e com os ecos da minha prória experiencia com a minha familia aqui em BH quando aprendi sobre a guerra pelos fatos ocorridos e pelo imaginário dela.

Aqui em BH, a Mitsi, minha mais que irmã adotiva e eu cantávamos este hino que aprendemos com a Zely nossa irmã mais velha que cuidadosa como era conosco, contava as histórias daqule período de modo muito rico pelo que hoje me lembro. Vinha cm isto o cinema e nele Marlene Dietrich cantando Lilli Marlene. Com a lembrança acionada por você já localizei um belo vídeo com ela cantando a música citada.

Muito interessante ver juntos aqui a Lena, a Nina e você, estando os três movidos pelos estilhaços das imagens de seu pai, da guerra, do menino, dos olhares sobre isto e aquilo, todas elas congeladas por você.

Isto só reafirma a importância das visitas que fazemos ao passado nunca completamente morto, mas carregado de possibilidades do que pode ainda ser cumprido. Como é bom reviver o que nos oferece sem o crivo das ideologias.

Peço a compreensão de vocês, pois não resisti e fiz o que talvez não devesse fazer, em sinal de respeito a este momento particular do encontro dos três mediado pelas lembrança que têm do seu pai.

Pensei que começamos a lembrar quando também começamos a envelhecer de um modo muito saudável.

Um beijo,

Meire

Meire

Carlos A.A.Ferreira disse...

Zedu, eu lhe digo: Grande Oswaldo Mendes Leite ! meu amigo e companheiro no SESI, onde trabalhamos juntos. Vou escrever mais sobre êle, estou testando se consigo colocar este comentário, nunca fiz isso. Carlos Alberto de Abreu Ferreira.

Carlos Alberto Abreu Ferreira disse...

Zedu, lembro-me de ter visto você, molecão ainda, lá no Ambulatório do SESI depois que mudamos para a Av. das Amoreiras, na Galeria Trabulsi não me lembro. Entrei para o SESI, dentista, em 1955 e passei por exame médico com seu pai e a simpatia por êle foi-me imediata.Pessoa extremamente humana, bondosa e por quem sempre tive um grande respeito pois eu via como êle tratava com carinho os clientes que o consultavam. Tivemos uma bela amizade desenvolvida nos muitos anos em que trabalhávamos no mesmo local.Foi um HOMEM que serviu-me de exemplo de como proceder em minha vida e fiquei devendo a êle muitos bons e úteis conselhos.Quando se aposentou deixou saudade, não só para mim mas para todos os funcionários do SESI. Depois mudou-se para S.Paulo e perdi um contato maior com êle, eram práticamente só um telefonema mútuo em nossos aniversários e o dele era 20 de abril, guardei bem.Foi uma sorte e um prazer em minha vida ter conhecido e convivido com um ser humano do quilate do seu pai, DR. OSWALDO MENDES LEITE.