quinta-feira, 6 de março de 2008

Amor tardio, jamais vadio.

Sou da terra de Carlos Gomes, nosso único compositor de algumas óperas de reconhecimento internacional, no tempo que compor óperas era coisa para os bons compositores de música erudita. Eu deveria ter tido contato com a coisa bem antes. Mas, confesso, talvez por odiar o Guarani (o time de futebol, please!), a ópera entrou em minha vida bem tardiamente, o último dos grandes gêneros musicais a ser admitido no meu eclético gosto.
E olha que a música clássica foi, talvez, o primeiro, junto com o Carmen Cavallaro, Charles Trenet (La mer, inesquecível) e outros que tais, gênero musical que me pegou pelo emocional. Na verdade, como sempre fui um menino sério, eu dava preferência à coleção de clássicos que tínhamos na Emilio Ribas sobre todas as outras coisas. Sem nenhuma informação, era só uma questão de gostar das músicas, das sinfonias (e olha que a Sinfonia Patética, para ser tocada em 78 rotações dava um trabalhão enorme, pois era composta de um número bem razoável de discões; já os Concertos de Brandenburgo me chegaram em LP´s, através de uma Coleção da Seleções Reader´s Digest).
Adolescente, através do João Gilberto da vizinha (Cidinha, onde anda você) e de um lindo LP de Agostinho dos Santos cantando Jobim e Newton Mendonça (também da filhas de Seu Teobaldo), incorporei a "moderna MPB". Logo depois, gostar de bossa-nova passou a ser um ato político, mais do que uma questão de estética musical (que por sinal, como descobrimos depois, e ao longo dos anos, era bela e muito sofisticada musicalmente). Depois vieram os Chicos, Caetanos, Elis, e aquele monte de gente boa da década de 60, gente que me acompanha até hoje.
Em seguida, já namorando seriamente (como só aos 17 anos - volver a los 17 - sabemos fazer), encontrei o jazz. Acho que Nina estava comigo quando comprei Oscar Peterson & Clark Terry, meu primeiro LP de jazz. E quando a política permitiu, começei a gostar de um bom rock, dos Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, tecetera.
E assim vim até quase o final do século passado. Lá pelo ano de 1999, ou 2000, não tenho certeza, novamente foi uma "herança" do Dr. Oswaldo que me apresentou a música operística. Eu estava vivendo no apartamento que ele havia abandonado para ir viver com sua última esposa (Dr. Oswaldo não tinha mulher, tinha esposa), e entre os largados para trás havia um CD com algumas árias famosas cantadas pelos grandes tenores e sopranos (os nomes, senhor culto que eu era, conhecia todos; já as músicas, quase nenhuma, acho que só certas passagens da Carmen de Bizet). Me apaixonei por aquelas vozes diferentes, aquelas árias tão belas, aquela dramaticidade beirando o exagerado. Una Furtiva Lagrima, que já postei mais de uma vez por aqui, virou a ária emblemática desse meu novo gostar. Mario Lanza, Gigli, Callas, e outros nomes, viraram vozes a serem escutadas. Comecei a me dar ao luxo de criticar Pavarotti em nome dos tenores de antigamente, a escolher interpretações de uma mesma ária, ´ssas coisas. Fui me aveadando na coisa operística, como já havia me aveadado nos demais gêneros. Já dava para discutir alguma coisa com meu amigo Jorge nas mesas dos botequins cariocas, apesar de, depois, elequando era de ópera que se tratava, preferir conversar com a Gilza, e ficavam, como duas crianças, trocando suas óperas preferidas, seus cantores, seus compositores, com uma familiaridade que até hoje não tenho. Mas engano bem, como em tanta coisa que me dou os ares de entendido. Menino esperto, muitos anos de praia! Mas Gilza é o capítulo seguinte, coisa deste século, amor tardio e meio vadio.
Depos, então, veio Gilza, apaixonada por Ópera, não só pelas árias, mas pela coisa toda, pelo multimídia avant la lettre que a ópera sempre foi. E Gilza me apresentou Callas, sua paixão maior, que eu só conhecia como a mulher que Onassis havia abandonado pela Jacqueline. Gilza me levou a duas montagens de ópera lá pelo Rio. Confesso que não tive tempo para aprender a gostar da coisa como um todo. Até hoje gosto de cada vez mais árias, mais autores, mais intérpretes, e refinei meu gosto para coisas cantadas de maneira geral (meu São Pergolesi, por exemplo, e seu Stabat Mater), mas continuo sem saber o que fazer numa ópera completa. Talvez se tivesse tido mais tempo, mais Gilza, quem sabe. Mas o fato é que, por essas terras, a ópera é pouca (e na terra de Carlos Gomes, nenhuma), as montagens são pobres, os cantores meio de segunda linha. Difícil aprender a gostar daqueles dramalhões patéticos que rolam pelo palco sem muita aprendizagem de ótimas montagens (e não venham me dizer que podemos escutar a ópera no CD, que a ópera é para ser vista ou, no mínimo, imaginada, coisa que não consigo fazer), tenores e sopranos de primeira, e uma professora amorosa, como Gilza poderia ter sido, ao lado.
Assim, continuo com as minhas árias prediletas e com a Callas que herdei da Gilza. A ária que aqui posto, D´amor sull´ali roses é da ópera Il Trovatore, de Verdi. Aqui vemos Callas em uma audição/concerto em Paris, no ano de 1958. Eu tenho uma gravação melhor da música, também com a Callas, é claro, mas aqui o vídeo nos permite ver Callas cantando, coisa que muito compensa o que pode haver de melhor na faixa que prefiro quando é só escutar.
A música é linda, Callas é Callas, o resto é com vocês.


Dedicado à Gilza, que me amou tanto quanto amava à Callas

Um comentário:

Anônimo disse...

Zédu,

Ahhhh que coisa boa de ler e também de sentir além ou entre "o dizer e o dito", nas suas descobertas feitas aqui e ali, mas com um acento sobre as feitas amorosamente pelas mãos daquela por quem nunca Ca(l)las.

Beijo por seu gesto.

Meire