segunda-feira, 31 de março de 2008

Se queres saber

Piet Mondrian, Gray Tree, 1911

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Mia Couto
Moçambique

5 comentários:

Zédu disse...

Obrigado, Inês.

Anônimo disse...

...que bonito !

Anônimo disse...

Grande ...grande Mia Couto. Que alegria em ver no seu blog um poema dele. Após o dia nada fácil que passei, encontrar aqui um dos poemas do Raiz de Orvalho e outros Poemas, é muito gratificante.

É ele quem diz algo lapidar em um de seus livros e que tenho citado quando se trata de tecer alguma consideração sobre a casa de cada um como a morada da vida. No caso, o que ele diz aparece no livro como epígrafe de um dos capítulos citando então um dos personagens deste mesmo livro - o avô Mariano.
Ao citá-lo lê-se algo muito interessante e que me fez pensar bastante: "o importante não é a casa onde moramos, mas onde em nós a casa mora."

Um beijo

Meire

Inês Queiroz disse...

Eis a arte de poetizar numa densidade e beleza, tal qual as savanas da África. É como se não fosse crível que de lugares tão miseráveis, alguém fosse capaz de apreciar o belo.
Obrigada pelo carinho,
Meu beijo,
Inês

Anônimo disse...

Olá,
A bela poesia de Mia Couto me trouxe até aqui através do Google. Gostei do que vi e ouvi. Vou voltar.
Abs. Lais