sexta-feira, 25 de abril de 2008

Necessário impossível

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Carlos Drummond de Andrade

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois Zé,

Se nem ele tinha a verdade e acreditou-a finalmente di-vi-di-da, quem atingirá toda a verdade ou alias à verdade qual?

Veja isto extraído de http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond02.htm:

"Este poema apareceu inicialmente no livro Corpo, de 1984, um ano antes da publicação de Contos Plausíveis, de onde foi extraída esta versão. Entre as duas edições há ligeiras mudanças. Vale a pena observar essas alterações porque elas sempre revelam um pouco dos métodos de composição do poeta.

Em Corpo, o título era "Verdade". Talvez o autor tenha achado esse título um tanto pretensioso e atenuou essa possibilidade, mudando-o para "A Verdade Dividida". No terceiro verso da terceira estrofe, o que era "seus fogos", passou a ser
"os seus fogos". Na mesma estrofe, o que antes era "metades" transformou-se em "duas metades".

Na última estrofe, em lugar de "perfeitamente bela", como se lê ao lado, estava "totalmente bela". O trecho "E carecia optar" evoluiu para "E era preciso optar". A frase final permaneceu a mesma, mas a palavra "conforme" pertencia, antes, ao penúltimo verso."

Carlos Drummond
de Andrade
100 anos: 1902-2002

Para você um beijo pela porta da verdade.

Meire