sexta-feira, 27 de junho de 2008

As duas coisas sem nome. O que será?

Essa música, todos vocês sabem, tem duas versões, na realidade e na minha história. Falo um pouco das duas que, no fundo, são uma só.
Para mim a coisa começou em Londres. E deve ter sido em algum momento de 1977/78. Alguém chegou de visita, como sempre com a mala cheia de LP's (década de 70, gente!) para saciar minha saudade das músicas brasileiras. Naquele tempo não se achava tudo em qualquer lugar como achamos hoje, não havia Internet, o globo ainda era só a bola em que habitávamos antes de virar globolizado. A saída do Brasil, por mais que fosse feita por razões de nossa própria vontade (de Nina e eu) tinha um que de exílio inevitável. Eu já não era tão jovem para cair na farra do novo Velho Mundo, Londres já não era tão maluquinha assim, a onda do início dos anos 70 já havia passado.
A estadia em Londres poderia ser dividida em três partes que O que será cortou pelo meio. No início, tudo era novidade, havia uma língua a dominar minimamente, uma cultura nova para tentar começar entender, um maravilhamento com o toda Europa tão ali pertinho, o deslumbre com uma outra qualidade de vida, ou seja, tudo era novo, tudo era diferente, a surpresa não tinha fim e a curiosidade dominava nosso encantamjento. A gente nem lembrava do Brasil lá longe, a não ser no quando em vez da saudade de um ou de outro. Morávamos em Bayswater, na beira do Hyde Park, no coração de Londres, durante toda essa fase. Éramos Nina e eu, rejuntados na novidade estrangeira, nos passeios pelo Parque, nas viagens pela Europa, no aprender um novo tempo, literalmente.
Depois vem uma segunda fase, mais madura, menos deslumbrada. Para Nina e eu ela começou com a gravidez, com o Bruno anunciado, com a mudança que sabíamos isso iria marcar em nossas vidas. Começou se marcando na mudança para East Finchley, para uma daquelas casinhas semidetached típicas de um bairro classe média baixa do norte de Londres. Mas aí já não precisávamos mais do Central London, já tínhamos nosso carro, já conhecíamos os caminhos, e pudemos optar pelo mais espaço para acolher Bruno que nem tinha nome ainda. Foi uma fase de muita tranquilidade, de barriga crescendo, eu descobrindo a fotografia, a gente continuando a descobrir a Europa, os sapatinhos sendo tricotados aqui no Brasil. As visitas vindas daqui começaram a aumentar na mesma proporção que a barriga da Nina. Sempre com novidades musicais. A saudade do Brasil começa a se infiltrar, o diferente indigesto a incomodar, o inverno a virar um deserto difícil de atravessar. Buscávamos o sol sempre que podíamos, tanto que conhecemos mais da Espanha, Itália, etc, do que da própria Inglaterra.
A terceira fase, Bruno já nascido, é igual a segunda com uma saudade que vai crescendo exponencialmente, com uma falta das nossas coisas, do nosso clima, das nossas pessoas, da nossa língua. Até um dia estourar e nos mandar de volta antes da hora.
Pois então, em algum momento, bem no meio desta três fases, alguém chega com um LP onde Chico e Milton cantam a versão original da música Ou era a outra versão, já não sei mais e nem é importante para o que aqui se conta). O Brasil desabou dentro de mim. A voz de Milton e Chico, a beleza da canção e da letra, tudo se transformou num Tâmisa de lágrimas que escorreram por minha face querendo ser Tietê ou toda a água da baia da Guanabara. Pela primeira vez eu chorava de saudade na minha vida. Por isso digo que marcou o meio das três fases, pois depois d' O que será não dava mais para não sentir saudade e essa só fez aumentar.
Essa é a música que Milton canta com Chico em um dos dois vídeos coloco nesta postagem. Essa é a música que me fez chorar de vontade de Brasil e acabou me mandando de volta para casa tempos depois.
A segunda versão, com letra feita para o filme Dona Flor (eu acho) ou Gabriela (talvez), é outra coisa. A ditadura dos generais acabou, mas a ditadura da coisa sem nome não acaba nunca. E, ainda hoje, dependendo de meu estado amoroso, essa coisa sem nome, nem explicação, esse o que será que nos dá, me mareja o olhar, seja por excesso de amor, seja por sua falta. E essa, a segunda e mais comercial das versões, é a que fará muita gente se emocionar por muito tempo ainda. Além disso, essa versão amorosa na voz do Milton é de degelar corações enpedernidos.
Nos comentários colocarei as duas letras. No post, as duas músicas. Em mim uma emoção do tamanho do mundo, com uma ou com outra. 
Preparem os lenços e curtam! Cada um que chore pelo seu O que será?



       

3 comentários:

Zédu disse...

O QUE SERÁ (À FLOR DA PELE)
Chico Buarque (Brazil) - 1976


O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores que vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo


O que será, que será?
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
E gritam nos mercados que com certeza
Está na natureza
Será, que será?
O que não tem certeza nem nunca terá
O que não tem conserto nem nunca terá
O que não tem tamanho...

O que será, que será?
Que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Que está no dia a dia das meretrizes
No plano dos bandidos dos desvalidos
Em todos os sentidos...

Será, que será?
O que não tem decência nem nunca terá
O que não tem censura nem nunca terá
O que não faz sentido...

O que será, que será?
Que todos os avisos não vão evitar
Por que todos os risos vão desafiar
Por que todos os sinos irão repicar
Por que todos os hinos irão consagrar
E todos os meninos vão desembestar
E todos os destinos irão se encontrar
E mesmo o Padre Eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno vai abençoar
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem juízo...(2x)

Zédu disse...

O que será (à flor da Pele)

O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta os olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida nem nunca terá
O que não tem remédio nem nunca terá
O que não tem receita...

O que será que será,
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso nem nunca terá
O que não tem cansaço nem nunca terá,
O que não tem limite...

O que será que me dá,
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem governo nem nunca terá,
O que não tem juízo...

Maritza disse...

O QUE SERÁ é tão linda, que eu sempre me recusei a ligá-la a qualquer outra coisa que não fosse o amor. Quanto mais escuto mais a identifico com os sentimentos, com emoção e é a pergunta que de quando em quando vem nos cutucar, nos acender,nos fazer vibrar e pensar será que é? Será? Será?
bj