domingo, 30 de novembro de 2008

A gota d´água



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Podemos falar dos sentimentos, descrever
as impressões que nos ameaçam, e revelar o vazio
que se descobre na ausência um do outro: nada,
porém, é tão inquietante como a dúvida,
o não saber de ti, ouvir o desânimo na tua voz,
agora que a tarde começa a descer e, com ela,
todas as sombras da alma. É verdade que o amor não é
apenas um registro de memórias. É no presente
que temos de o encontrar: aí, onde a tua imagem
se tornou mais real do que tu própria,
mesmo que nada te substitua. Então, é
porque as palavras são supérfluas; mas como viver
sem elas? Como encontrar outra forma de te dizer
que o amor é esta coisa tão estranha, dar o que nunca
se poderá ter, e ter o que está condenado
a perder-se? A não ser que guardemos dentro de nós,
num canto de um e outro a que só nós chegamos,
sabendo que esse pouco que nos pertence é
tudo o que cabe neste sentimento
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Nuno Júdice


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quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Fundação

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Tenho, ainda, o teu corpo nos meus braços;

Sobre os meus ombros, teu cabelo.

Descansando dos meus e teus cansaços,

Tu dormes por nós ambos. Só eu velo.



Nos meus braços teu corpo estremeceu,

Desse tremor o meu foi percorrido.

Colados, curva a curva, onde começa o teu?

Onde se acaba o meu? Teu e meu têm sentido?



Teu ligeiro suor penetra a minha pele:

Teu suor dos transportes de há momento

Que me atrevo a provar como quem lambe mel,

Em que refresco as mãos como num leve unguento.



Brandamente, por vezes, te desvio

De mim, para melhor, depois, sentir

Que és bem tu que eu agarro, acaricio,

Bem tu que eu pude, em mim, fundir.


José Régio
com Inês

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Traçado on the rocks

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E. Hooper

As belas, e as feias, que me perdoem, mas botequim é coisa de homem. Apesar dos tempos igualitários, das nossas (homens) necessidades de tê-las por perto certas horas, botequim, no fim das contas, continua coisa de homem. Ou vocês conhecem algum que, cheio de freguesas, olha estranhado para um homem que entra? Ou uma mesa de botequim com zentas moças e dois moços fazendo figuração enquanto elas discutem "coisas de mulher"? Ou algum botequim onde a moça, no meio de um porre inesquecível, pelo menos até o raiar do próximo dia, fecha o bar bebendo um eterno "mais um" com o dono/gerente da casa, ou com o garçon anônimo sem intenções de tracá-lo after hours? Houvessem os botequins das moças, eles não durariam muito, invadidos que seriam pelos caçadores desocupados. Mas, botequim que se preza não é território de caça e, por isso, continuam coisa de macho. Botequim não é barzinho, nem point, nem castelo de Caras, muito menos "espaços culturais", apesar de não conhecer outro espaço tão cultural quanto um botequim, como tento demonstrar nesta postagem.
Não que isso seja uma vantagem dos homens, até porque são coisa de macho por que neles impera a Mulher, nas conversas, nas confissões, nos choros, nas ironias falsas, em tudo aquilo que só um bando de macho sustenta no faz de conta que os alivia. Uma mulher, real, de CPF e lousa e tal, só atrapalha a nossa eterna ligação com a "Mulher", essa mesma que Lacan insiste em dizer não haver e que, nós homens, teimamos em sofrê-las com o se fossem as pequenas mulheres de nossos desenganos. E toma dor de corno, especialidade de qualquer botequim que se preze, mesmo quando para não falar deles falamos de mil outras coisas, futebol, mulher dos outros, outros cornos, mal do PT, sociologia profunda sem colarinho, amizades fundamentais que nunca ultrapassam a porta de saída do bar, etc e tal.
Pois dor de corno é outra coisa que só homem sente. Talvez porque as mulheres tenham sido feitas, por definição, para serem "traídas", sendo as aspas em questão as aspas que sempre colocamos nas constantes eventuais traições que, nós homens, cometemos; ou seja, elas não são nunca corneadas, vivem o, delas, destino. "Traímos", mais das vezes, sem amor, da mesma forma como somos capazes de fazer sexo ou seduzir moças, só para nosso solitário divertimento, ou para a prova do teorema de nós mesmos, ou para contar aos amigos no botequim. Diferente das mulheres, que sempre traem por amor, só dão por afeto, isto é, traem, colocam chifres, nos arrasam a masculinidade pressuposta, nos injuriam a testa, dividem o nosso amor (não conto aqui as sem homens, que são mais fáceis mas, por definição, nunca têm quem trair). Daí o fato de um belo par de chifres ser coisa só dos veados machos, como a própria natureza nos ensina (o que, levado às últimas consequências da analogia, nos faria, homens, todos meio veados, coisa que sabemos ser vera, por nossa, homens, impossibilidade de querermos outro sexo que não o nosso, isto é, o grande defeito das mulheres, aquilo que nos faz, em última instância, veados misóginos, é que elas nunca serão nossas companheiras de botequim, nosso templo mais sagrado (homem que não gosta de botequim? los hay, mas .....) - importante para a argumentação: botequim é diferente de "barzinho", essa coisa modernosa onde homens e mulheres bebem cerveja juntos e ninguém fica after hours chorando no Balcão).
Não sei se vocês, queridas leitoras (onde andarão os meus leitores machos? ou, como quase me garantem olhares e sorrisos dos botequins que frequento, blog é coisa meio assim "Diário da Margarida"? Qui lo sá, Vardemá!) me acompanham na concordância, mas that´s it, like it or not!. Botequim e dor de corno são coisa de macho! E se aqui não fiquei bem provado a culpa é da exiguidade do espaço, e do saco, já que o espaço é meu, que me impedem tratado mais bem fundamentado, em alongamentos (não, nada que ver com aqueles que vocês, mulheres, fazem nas academias, coisa de mulher e boitolas). Dou os pontos como provados e continuo.
Mas, em sendo coisa de machos, botequins e dor de cornos variam no de acordo com a linguagem do macho em questão, com o Outro que o determina em intimidades sociais, num reconhecimento que a histeria das mulheres jamais será capaz (as mulheres tendem a acreditar num Outro possível que encontrarão no próximo romance, enquanto os homens sabe que eles não são Ele, nem nunca serão, merda!). Ou seja, apesar do botequim ser o templo onde ofertamos em público as nossas dores, doemos na linguagem, na especificidade de um Outro que faz social com a gente (e até conosco bebe cerveja), nessa intimidade desconhecente que a cultura permite e determina.
Vejam, por exemplo, Frank e Nelson, ou Sinatra and Mr. Gonçalves. Vejam as músicas, a elegância swingenta de um versus o esculachado tango do outro, o papel do botequim do carcamano de olhos azuis (a conversa solitária com o moço detrás do balcão no final da noite) e o do cafona brasileiro a convocar mais e mais gente para afogar, em bebida e confissões públicas, suas respectivas dores de corno (aqui me corrijo, antes que fique a impressaõ de que trocamos dores de corno uns com os outros em uma mesma noite; nada mais falso! a cada dia o corno da hora é exclusivo e pode contar com a total solidariedade dos outros homens na mesa, até que o dia raia, se vá dormir e o amanhã determine um outro corno, que não tem coisa mais chata do que o corno constante).
O que os une, solidários, no balcão do final de noite, ou pagando a rodada dos desconhecidos e amigos, é a solidão que Hopper expressa. No caso de Sinatra, uma solidão que se revela na música e no desacompanhamento; no caso de Nersão, no tango rasgado, bem mais visceral, e no convite à multidão botequinesca que consome com ele sem, no fundo, fazer suas dores consumidas. Em ambos, uma mesma solidão, que as dores são sempre assim, particulares, mesmo quando as fazemos semi-públicas.Há sempre um depois do botequim, uma cama vazia, uma lembrança vadia, um encontro com si mesmo, Sinatra ou Nelson.
Poderia elaborar ainda muito mais, falar das mulheres que só fazem fundo para Nersão no filminho, as mesmas que aqui, e lá, têm o botequim como impedido, dos homens solitários de Frank, e da mesmice da solidão em suas duas vertentes. Mas, se vocês prestarem atenção, o filminhho diz tudo, das diferenças e das mesmices, e, principalmente, das dores e igrejas dos homens de todos os tempos.
E chega de sociologia barata que barata é coisa de botequim, mesmo que nunca apareçam nos filmes de Hollywood. As via aos montes no Leblon, quando fechava o bar trocando papos ébrios com o Azeitona que me patronava. Hoje quase não as vejo no Frango, talvez por me faltarem as dores de corno que as atraem. Mas, vivido, elaboro, sobre botequins, homens, músicas, imagens, baratas e amores mal passados. Na falta de água benta exagero na pretensão, coisa que me garante a avó de meu discurso, não faz mal a ninguém.
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PS. E pensar que tudo começou como começam muitas coisas nesse blog. Eu havia descoberto uma maneira de "fundir música" e resolvi experimentar com essas duas que já havia postado anteriormente. Daí, tive que inventar filminho, caçar imagens, publicar a coisa no YouTube, etc e tal. Quando me dei conta, tinha um filme ainda mudo pedindo por algumas palavras. Acho que exagerei, culpa do Frango onde nem pensei nisso mas tomei algumas.Vocês hão de me desculpar. Ou não, como nunca saberei pelos comentários que nunca se escrevem, apesar de todos os santos tantos que aqui me conta o contador.
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PS2. Nelson Gonçalves, queiram ou não, é um pouco nosso Sinatra. Só não o é todo por já ter começado cantar depois da invasão americana nas formas de nossos sonhos. Mais ainda, as duas músicas são quase da mesma data; a de Nelson de 1955, a de Sinatra de 1958. A de Frank, conceitual como o LP onde surgiu (se esquecermos Ava e seu toureiro), a de Nelson a vida como ela é, bem antes do outro Nelson, o Rodrigues vestido de noiva.
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domingo, 23 de novembro de 2008

Relógico

Colin Anderson/Blend Images/Corbis (Inês)

Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el reloj y son las cuatro
y acabo la planilla y pienso diez minutos
y estiro las piernas como todas las tardes
y hago así con los hombros para aflojar la espalda
y me doblo los dedos y les saco mentiras.

Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el reloj y son las cinco
y soy una manija que calcula intereses
o dos manos que saltan sobre cuarenta teclas
o un oído que escucha como ladra el teléfono
o un tipo que hace números y les saca verdades.

Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el reloj y son las seis.
Podrías acercarte de sorpresa
y decirme "¿Qué tal?" y quedaríamos
yo con la mancha roja de tus labios
tú con el tizne azul de mi carbónico.


Mário Benedetti / Amor de tarde

sábado, 22 de novembro de 2008

O Síndico do Brasil


Do rock ao soul/funk, o blog segue perseguindo a sopa dos inocentes, mas, mosquiteiro guerrilheiro, sem perder a ternura jamás
Do maluco beleza de Raul Seixas à Tim Maia, o síndico do Brasil, o blog cai na gandaia, entre um poema e outro, e dá um descanso aos Chicos, Zizis, Miles, Coltranes, todos belamente corretos como Raul e Tim nunca quiseram ser. Só para incomodar anônimos, enquanto a bela calma não volta.

Reflexos de uma agitação que me revolta os mares, de um querer que me faz permanentemente querendo e querido, a ordem é, como em um dos gritos de guerra do genial "preto, gordo e cafajeste, formado em cornologia, sofrências e deficiências capilares", "Mais grave! Mais agudo! Mais eco! Mais retorno! Mais tudo!"
O filminho ilustrei com fotos de Chaouen, uma cidade azul da cor do mar, lá no Marrocos onde o beirute e o haxi são "du bão" e agradariam o insaciável Tim Maia entre uma e outra ida ao banheiro para dar um brilho (no cabelo, é claro).
Acabo de ler a biografia do dele, escrita pelo Nelson Motta. Apesar de achar que o Nelsinho não soube fazer jus ao personagem, serviu para relembrar o gordo e planejar este post.
Nesse encontro marcado com o blog Tim não faltou. Desvantagens da desencarnação que o gordo resolveu desencarnar há dez anos atrás, dessa coisa de voltar ao pó em que ele se meteu pensando noutra coisa: agora é só colocar ele para cantar que o bicho baixa, e nem pede licença para dar uma saidinha estratégica.
Usem e abusem
! Só do vídeo, é claro!!
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Varanda


foto: Zédu
Hemos perdido aun este crepúsculo.
Nadie nos vio esta tarde con las manos unidas
mientras la noche azul caía sobre el mundo.

He visto desde mi ventana
la fiesta del poniente en los cerros lejanos.

A veces como una moneda
se encendía un pedazo de sol entre mis manos.

Yo te recordaba con el alma apretada
de esa tristeza que tú me conoces.

Entonces, dónde estabas?
Entre qué gentes?
Diciendo qué palabras?
Por qué se me vendrá todo el amor de golpe
cuando me siento triste, y te siento lejana?

Cayó el libro que siempre se toma en el crepúsculo,
y como un perro herido rodó a mis pies mi capa.

Siempre, siempre te alejas en las tardes
hacia donde el crepúsculo corre borrando estatuas.

Pablo Neruda,
20 Poemas de amor
poema 10

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Sacada bem acompanhada

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foto: Inês


Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
Só se é por um poente não ter uma madrugada.
Mas se ele é um poente, como é que ele havia
de ser uma madrugada?

Alberto Caeiro / Poemas Incojuntos

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Mosquiteiro ou Abeirrolde em Barão

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Já me considerei um mosqueteiro de mim mesmo, apesar de sempre me faltarem os outros três do meu quarto. Chamei o Sintoma, que só me ofereceu mais um e, apesar de toda dificuldade de entrar em acordo com a Sintoma da gente, agradeci e dispensei, pelo menos para minhas necessidades blogueiras.
Olho para trás, no blog, e vejo que perdi vários Athos, Portos e Aramis ao longo do caminho. Restei este D´Artagnan meio assim, assim de espada chinfrim. E o blog ondulou de falta e pouca presença minha. Só quem me conhece sabe que, apesar disso, este mais de ano e meio de blog é um exemplo raro de persistência em minha vida inacabada.
E, nesses últimos tempos, que espero não se invertam em tempos últimos, mais do que oscilar, Carambolas virou o blog do blogueiro doido. Mistura rápida de Sinatra, declarações de amor, entrecortados por um Miles rascante, por malcriações explícitas, por ternuras muito mais e, de repente, não mais que de repente, uma maluquice bem no dia de minha consciência negra, mesmo que, cauteloso de minhas ousadias, a poste no amanhã. Pipoca, o Outro de tudo por aqui, só não bota ordem na coisa por ser, como todo Outro, Inconsciente e não estar nem aí.
Daí que, ainda atento à letra, descubro o ipsilone da questão, o xis do problema, o dabliuú da interrogação. Não sou mais, se é que fui, um mosqueteiro, nem quero defender Rainhas, minha turma é frangamente outra, meus leitores tantos poucos, meu anjo gauche, minhas penas mancas e minha paciência um saco furado.
E assim caminhará o blog, sem eira, nem beira, mesmo que ninguém o queira. Com saudades do poeta que de mim tirou férias que, às vezes, acredito, é desculpa para nunca mais voltar, do louco da casa com sua imaginação cheia de rosas morenas desaparecidas no Gol da Varig, do menino gentil que já não chora mais à beira de um caminho que aqui me trouxe e me deixou sem saber a que vim, dos sabiás da Praça que agora só vejo no tom de Barros dos Joãos idem que lá me acompanham pelo gramado fervido deste quase verão, da elegância romântica que se perdeu nas impossibilidades da vida e na crueza deste eu que não me lixo; saudades, enfim, de uma suposição que leio mas não garanto.
Mas, crescidinho no meu oficialmente idoso, me des-iludo em outras ilusões, em uma mulher tão longe de mim distante onde irá, onde irá, meu pensamento, em pedidos de Célias que não conheço e atenderei com certa tardança, em, como disse a dita, letras cronicamente musicais, tudo entremeado por belas trovas poéticas que me chegam de uma oca remota dentro de meu coração já quase ama-zonense.
O mosqueteiro andou no alfabeto e nas notas. Do, ré, mi, trocou o é por i, e insiste em cair na sopa que aqui coisinho.
Pelo menos o rock´nd´roll eu garanto, de vez em quando. O orégano e demais componentes desta banda que aqui se inverte, deixo a cargo de cada um. E me declaro mosquiteiro, não no sentido das armadilhas, mas no reconhecimento de uma minha especificidade neste blog.
Vocês entram com a sopa.
Eu? Tento me divertir.




quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Um dia...

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Ralph Albert Blakelock

um dia, quando a ternura for
a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços.
a tua pele será talvez demasiado bela
e a luz compreenderá a impossível
compreensão do amor.

um dia, quando a chuva secar na memória,
quando o inverno for tão distante,
quando o frio responder devagar
como a voz arrastada de um velho,
estarei contigo e cantarão pássaros
no parapeito da nossa janela.

sim, cantarão pássaros, haverá flores,
mas nada disso será culpa minha,
porque eu acordarei nos teus braços
e não direi nem uma palavra, nem o príncipio
de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade.


José Luís Peixoto
em A Criança em Ruínas
De/para Ayan
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Carcamano, meio baixo e cafajeste, formado em cornologia, sofrências e deficiências capilares, mas mesmo assim... (1ª ed.)


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A postagem sobre Sinatra e Ava Gardner merece uma complementação, até para ser justo com o ídolo de minha querida Anna, meus dois n´s preferidos. Pois se Tim Maia, o síndico, se dizia "preto, gordo e cafajeste, formado em cornologia, sofrências e deficiências capilares", o queridinho da Anna só teria em comum com o gordinho genial a cafajestice, as deficiências capilares e um enorme par de chifres que ganhou na época da Ava, cobra criada que bem poderia trocar o A por um E no nome. Assim, é verdade que por alguns anos, entre a separação de fato e a legal, Frank teve que suportar saber da moça em outras touradas, com um cara especialista em evitar os chifres que lhe ornavam a testa.
Mas, e aí vem a justiça, que mesmo tardando nunca falha (com exceção, é claro, do nosso amado, salve, salve, país tropical, que tem uma justiça jaboticaba, coisa só nossa, para orgulho de todos os filhos da mãe gentil e alívio do Daniel Dantas), Sinatra não passou aqueles anos de cotovelos enterrados nos botequins (One for My Baby and Another One for The Road, como já aqui postei, sob elogios rasgados de Mestre Sé, o boa praça), nem arrancou os cabelos que já ameaçavam a ruína final. Gostando muito mais dele mesmo, Sinatra dava uma no prego, outra na ferradura.
O fato é que, vindo de um final dos 40´s meio decadente (no final do ano de 1948, bélissimo ano aliás, Sinatra era somente o 4ª cantor mais popular da América, perdendo para Billy Eckstine, Frankie Laine, e Bing Crosby. Enquanto isso, Ava só fazia aumentar o seu sucesso cinematográfico. E foi pelas mãos dela que o moço ganhou um papel em A Um Passo da Eternidade, desempenho que lhe deu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante daquele ano e, daí para frente, firmou sua carreira cinematográfica. No mesmo ano, lá para o final, vieram as touradas de |Madrid, a amarga dor de corno e um período de faz de conta que eu nem ligo.
Nesse período aconteceram alguns dos melhores discos de Sinatra. Uns no estilo "Lupiscinio", como In the Wee Small Hours (1955), Frank Sinatra Sings For Only The Lonely (1958, e LP onde gravou One for The Road...), e Where Are You? (1957). Ao mesmo tempo, e logo após a separação, grava também Swing Easy! (1954), Songs For Swingin' Lovers (1956), e Come Fly With Me (1957), num estilo swingado, alegre e completamente diferente. Ou seja, o moço oscilava mas não caía. O sucesso musical voltava, seja com os discos "blues", seja com aqueles cheios de swing.
Mas, seja como for, sujeito dividido ou não, doído ou doido, as porradas da vida, e o sucesso nas telas, nos fizeram muito bem. Permitiram a gravação de um Sinatra no auge da sua maturidade como cantor, e nos legaram algumas canções que até hoje soam modernas. Coisa do gênio que Sinatra foi. O cantor genial, maior que o homem Sinatra, foi capaz de fazer beleza de seus demônios interiores.
Escolhi o LP Songs for Swing´ Lovers, outro dos 1001 discos que você deve escutar antes de morrer, para representa o swinging Sinatra. Na dúvida entre duas belas músicas, e odiando tomar decisões, deixo-vos com ambas. Too Marvelous for Words e a inesquecível I´ve Got You Under My Skin, obra-prima de Cole Portes que Sinatra fez quase sua marca registrada. Com isso, empatamos o jogo do vai e vem de Sinatra nos anos 50: duas "deprê"( One for The Road e In The Wee Hours), duas puro swing.
Mas como The Old Blues Eyes era um gênio, uma hora ele volta, para além dessa história de chifre, toureiros e um belo animal chamada Ava.
Divirtam-se!
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Dedicado a Anna Maria
(tem crase, Anninha?)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Meu lembrete


A eficácia da lentidão


Aceder rapidamente permite atingir o fim.
Também com rapidez.
A célebre eficácia.

Se fosse regra, preferia a excepção.

Que mais querer?

Acariciar ou arranhar?
Conter ou esmagar?
Reter ou resolver?

Opto por subir devagar.
Da carícia ao arranhão.
Opto pela contenção.
Reter até à solução.
De mansinho.

E, no cume, sorver a paisagem.
E na linha do horizonte, somente tu!


Bruno Mateo
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Imagem: Scott Murdoch
roubada de outros dois rios
cravada neste mar de mim.

Kind of Blue - track 4, All Blues, fim do disco

Com essa faixa, a mais longa do disco, completo a postagem, pela primeira vez neste blog, de um disco inteiro. Como as faixas não estão ordenadas, caberá ao leitor escutá-las ou na ordem em que aparecem no blog, ou clicando no marcador Kind of Blue, na ordem em que elas se apresentavam no disco original. Vale dizer que as faixas que aqui vocês encontram são exatamente as cinco do disco de 1959. Um a outra hora, quem sabe, coloco a take alternativo de Flamenco Sketches que, apesar de gravado na mesma época, só veio a luz como "faixa bônus" em um CD lançado em 1997.
No entanto, resta a questão, até um pouco para mim mesmo, do porque fiz questão de colocar o disco todo por aqui. Amor por Miles Davis? Não necessariamente, já que por ele tenho mais respeito do que o tipo de "amor" que dedico a outros grandes músicos e intérpretes que aqui posto no quando em vez (Coltrane, por exemplo, é um deles). A resposta, se é que dela sei alguma coisa, desejo meu tão obscuro como soem todos, deve estar na singularidade do disco, sua beleza historicamente marcante, além de outros fatos que nele me impressionam.
Momentos marcantes no jazz não faltam, normalmente associados a algum tipo de virada, mas, quase sempre, se marcam em algum intérprete (sempre instrumentista) que mudo a maneira de pensar o jazz, o improviso, a brincadeira coma harmonia, o ritmo, whatever. Assim, Louis Armstrong foi o primeiro revolucionário, o pai da jazz moderno, que começou a mudar aquela coisa tipicamente de New Orleans em uma música nova, o jazz como desde então começamos a conhecer. E isso lá pelos idos de 1977. As grandes bandas inventaram o swing marcante, coisa que nunca desapareceu mais do jazz. Charlie Parker e o bebop, que ele inventa em uma noite de 1939 e desenvolve junto com Dizzy Gillespie. O próprio Miles, vindo do bebop, havia inaugurado o cool jazz com o disco The Birth of Cool. Ou seja, as marcas no caminho sempre se associavam a intérpretes específicos, novos movimentos, batismos, ´ssas coisas.
Kind of Blue marcou-se como um album definitivo, gravação que não poucos críticos consideram o melhor disco de jazz de todos os tempos. Apesar de Miles ser o "general da banda", o disco não existiria sem seus outros componentes. Mais ainda, a não ser por uma mudança no estilo de tocar de Miles, que no disco abandona um certo jeito hard de tocar em favor do modal, o album não inaugura movimento algum.
Talvez seja por aí a explicação da coisa: Kind of Blue foi uma espécie de ápice do jazz moderno, um até mesmo canto (maior) do cisne. Depois dele veio a coisa do free jazz, que nunca se firmou a não ser em certas gravações magistrais de Coltrane, a invasão definitiva do rock e do pop, a tentativa frustrada do próprio Miles com o fusion jazz, até que Winton Marsalis, principalmente, recuperou o jazz "como antigamente" , num retorno às origens mais básicas da coisa jazzística. Ou seja, Kind of Blue foi o apogeu de toda uma história que teve início no começo do século 20 com Louis Armstrong. Depois dele, um ou outro fogo de artifício digno de nota, mas nenhuma outra revolução marcante.
Mas, aqui caberia um tratado para melhor me explicar, coisa que os blogs não suportam, visto a paciência pouca dos leitores, o vapt-vupt dos tempos, a brevidade das coisas internéticas. E, mais ainda, nem eu seria capaz de dar conta de tudo que está por trás do pensar Kind of Blue como o disco de jazz por excelência.
Como uma última curiosidade, vejam as idades dos meninos quando da gravação em abril de 1955: Miles (32), Coltrane (32), Cannoball (31), Jimmy Cobb (30), Bill Evans (29), Wynton Kelly (27), Paul Chambers (23). Ou seja, na sua maioria músicos também na plenitude de suas capacidades.
Mas, chega de abobrinhas e carambolas, Vamos à música. Kind of Blue, faixa 4, All Blues. No piano, Bill Evans.
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Magia

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O Sorriso

Creio que foi o sorriso,
0 sorriso foi quem abriu a
porta.
Era um sorriso com
muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa,
ficar
nu dentro daquele
sorriso.
Correr, navegar, morrer
naquele sorriso.

Eugénio de Andrade
Para a dona do sorriso
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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Ava Gardner, quem diria, acabou no Carambolas

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Ava Gardner, quem conheceu, conheceu; quem não conheceu, não saberá nunca. A moça era um arraso que só naqueles tempos da década de 50 as moças ainda podiam ser. Devorava homens no palitinho e, até (tolinha!), casou com alguns.
Casou, por exemplo, com
Mickey Rooney (o menino prodígio de Hollywood; argh!) em 1942, casamento que durou um mísero (ou interminável, dependendo do ponto de vista) ano e quatro meses, onde as brigas ocuparam quase que todo o tempo. Depois, veio Artie Shaw, em 1945, e bem que ele, famoso bandleader, bem mais velho que ela (do garotinho "prodígio" ao homem maduro, Ava meio que antecede a tentativa da Monroe com Arthur Miller), tentou, homem culto e inteligente que era, transformar a moça bruta (´ssa mania que os "homens cultos", e mais velhos, têm de esculpir a mulher bruta que recebem, meio assim um complexo de Pigmalião, coisa que, na melhor, acaba resultando em um My Fair Lady e, na pior, num "cansei!" da moça). Durou 1 ano e sete dias o casamento e o experimento. Ela cansou!
Em 1951 casou com Frank Sinatra, que não era culto, era tão ídolo quanto ela, era adorado por todas as mulheres americanas da época (uma espécie de Chico muito bem temperado, mas com uma baita saudade da mamma). Pois é, o casamento durou 2 anos, apesar de ter acabado oficialmente só em 1957. Nesse meio tempo, o queridinho das mulheres da América teve que suportar o caso de Ava com
Luis Dominguin, toureiro espanhol que colocou um belo par de chifres nos lindos olhos azuis do moço, que ficou toureando vento na América enquanto ela colocava as banderillas no espanhol.
Sinatra, que sempre foi um italianinho romântico metido a durão, aprendeu a dor de cotovelo, a testa dolorida, a vaidade ferida, o blues da perda, o choro musical. Tudo pelo amor de uma mulher que o poeta Jean Cocteau chamou de "o mais belo animal do mundo" (tadinha das Giseles Bunchens!).
Tá certo que a moça, depois do Sinatra, oficialmente não casou com mais ninguém até morrer em 1990, apesar das toureadas com o Dominguin em questão por vários anos. Mas, coincidência ou não, o moço com os olhos azuis mais sedutores do planeta (daquela época em que, se vocês ainda não perceberam, o planeta era outro mundo) entra numa fossa de dar dó. E, com arranjos de Nelson Riddle, grava, em 1955, seu primeiro LP de 12 polegadas (LP, 12 polegadas, atenção crianças!) assim meio temático, ou seja, um "disco conceitual", todo ele falando da dor do amor, dos amores perdidos, da mulher impossível (percebam, ainda casado com a moça que vivia em olés com o toureiro; shame, shame, shame!!!). O LP chamou-se In the wee small hours, a capa foi uma das primeiras a refletir, graficamente, o "tom" do disco (e fez muito sucesso na época em que a arte das capas dos LP´s ainda era uma grande novidade, e que vocês podem conferir, sem entender, na imagem que abre o filminho), e todo ele, LP, era um Sinatra meio assim uma espécie de Lupiscínio cantando a mulher perdida (com duplo sentido, please!), os amores inúteis, a solidão não escolhida. A dor de corno não enxerga a cor dos olhos, nem o amor do "mercado", como ficou definitivamente provado desde então.
O coitado, depois de Ava, onde foi figurante
, resolve virar ator e quando casa novamente, em 1966, escolhe Mia Farrow, ele cinquentão, ela com 21 anos, magrinha de cabelinhos curtos, o oposto da volúpia anterior. E, depois da mãe do bebe de Rosemary, em 1976, acaba os seus dias com a ex mulher de Zeppo Marx, o mais sem graça dos irmãos marxistas. Entenderam o estrago? Ava arrasou, ou não, o homem mais amado do planeta?
De qualquer maneira, como bem sabemos, a dor de corno é altamente produtiva artisticamente, tanto que o LP que o moço chorou em 1955, é o primeiro LP analisado no livro 1001 Albums You Must Hear Before You Die de Robert Dimer e, em 2007, foi eleito pela revista Time, um dos 100 melhores Albuns de todos os tempos. A música que nomeia o LP, In The Wee Small Hours Of The Morning, abre o disco e é o que aqui apresento aos meus queridos, cada vez mais, ouvintes.
Mas, pensando bem, eu deveria ter feito o "filminho" só com imagens da moça Ava, verdadeira autora dos sentimentos que Sinatra chorou no disco. Agora é tarde!


PS. Se vocês quiserem escutar esses 1001 Albuns antes que vocês morram, cliquem aqui que uns romenos malucos separaram, album a album, todos eles para vocês.
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terça-feira, 11 de novembro de 2008

Kind of Blue - track 2

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Penúltima faixa devida de minha promessa de aqui colocar todo o Kind of Blue original. Já falei o suficiente do disco e deixo o resto que sobra para quando o Blogger me deixar colocar a última faixa que falta (hoje o Blogger andou impossível, não me deixando fazer upload de vídeo algum; a solução foi colocá-los no YouTube e, depois, por aqui). A particularidade desta faixa é ser a única em que Bill Evans cede o piano para Wynton Kelly (aliás, Winton, antes deste disco, era o pianista da banda de Miles, tendo substituido, na ocasião o próprio Bill Evans). É intererssante notar que ele é chamado para compor o conjunto nesta faixa que é, talvez, a mais caracteristicamente puxada no blues. Próximamente, neste mesmo blog, All Blues, a faixa que falta.
Jazz para amantes do jazz, Kind of Blue continuará sendo uma jóia rara no cenário jazzístico, coisa para paladares refinados e corações desavisados.
Keep listening!
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segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Corsários, piratas e bucaneiros

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A Internet nos fez a todos piratas, graças a Deus! Roubamos, sem nenhum remorso, vídeos, palavras, músicas, filmes, como se as ondas da Internet fossem calmas, e sem lei, como já o foram as transparentes águas do Caribe dos corsários dos bons tempos das pilhagens oficiais que eram pilhadas pelos bucaneiros particulares. Como antes, pilhamos riquezas e belezuras, coisas que tornamos nossas como se nossas sempre tivessem sido, sem culpa ou remorso, na certeza de que as coisas intelectuais são pássaros que voam na criação e, a partir daí, são das mãos que as (a)colherem. Este vídeo, por exemplo, roubei lá no YouTube, coloquei as legendas que não haviam e, como me pediu a suposta Célia, tento agora compor um "texto bacana", coisa que não posso roubar em lugar algum, a não ser desse tesouro pirata que fui guardando nos escondidinhos de minha cabeça pelos últimos 60 anos.
Mas o pedido, inusitado nesse blog que tropeça em sua falta de foco, e que se justifica nas carambolas que lhes dominam nome e intenções, fala de uma outra pirataria: a dos nomes, se não surrupiados, inventados no vai da valsa, no sobe e desce das marés que nos navegam a vida e os amores, na falta de compromisso com o assinar-se, no faz de conta que sou "Lia Regina" (nome improvável para um tal uso orgulhoso), até mesmo o da querida Célia, que me pede, depois me agradece dicas que não sei para que Célias dei, me deseja bons dias sem que dela só se ofereçam as mensagens cifradas, as pistas molhadas, a covardia envergonhada. Seria essa outra forma de pirataria? Ou seriam almas corsárias, malandras como me garante Houaiss na significação da coisa, dissimuladas, de intenções bucaneiras que o semi anonimato lhes permite? Envergonhadas senhorinhas, incapazes de aceitar a vida como ela é, noivas de Nelson Rodrigues sem coragem da vergonha publicada?
Talvez contem com minha curiosidade, com minha paixão pelas coisas de detetives, pela minha lógica engenheira a juntar qualquer lé com um cré qualquer, e disso tirar conclusões de nomes que não se ousam, que escapam na possibilidade da negação, seja qual for o raciocínio que os desvela. Ou seja, são e não são, covademente escondidos nas minúsculas baías que o mar internético proporciona, nomes improváveis, corsários do Houaiss cheio de intenções do tamanho de suas almas pequenas. Não valem a pena, as penas, nem as melenas de meu Sansão de cãs cansadas.
Pois, se ser blogueiro é ter de conviver com o anonimato, é difícil suportar o semi-anônimo, aquele que nos deixa comentários pessoais, insinua amores e suspiros, e foge para as sombras, nos deixando com as possibilidades, sempre poucas, dos que nos dedos contamos (a maioria descartada por não covardia pressuposta). Cansam esses comentários, as Lias que nem justificam que Edu as cante (mas um dia, só pela música, ainda aqui elogio essa outra Lia, da ilha que o Lobo cantou), até mesmo a Célia que originou essa postagem, que me agradece dicas e me deseja domingos, e, provavelmente se cobrada por um "Foi você?", recuaria indignada nas sombras da bandeira das tíbias cruzadas.
No entanto, o pedido me lembrou a música, coisa linda dos tempos que J.Bosco ainda parceirava com A.Blanc, e que Elis os paparicava com carinhos de madrinha. O mesmo Corsário que Zizi, elegância que sempre me surpreendeu até que eu percebesse que o bobo era eu, ela era elegante e ponto, cantasse sem nada a dever à madrinha dos parceiros geniais. De uma dica da suposta Célia, que queria a coisa corsária com a Zizi (e "texto bacana" que depois aspeamos, eu e "ela", sempre cheia de aspas e insinuações), acabei descobrindo essa linda montagem das duas grandes cantoras, coisa que pirateei do YouTube, coloquei legendas e fiz um vídeo piratamente meu.
Pirata, eu? Claro que sim. Mas de nome próprio. A minha bandeira leva minha caveira e as tíbias de um Pipoca encarnado, tonto orgulhoso desse já meio longo caminhar, apesar das Lias, rainhas ou não, das Célias e seus abraços, de todo o povo que aqui se esconde, na maioria tolinhos de covardias pequenas, máscaras transparentes que denúncia alguma alcança. Que venham à luz, icem suas bandeiras, apresentem-se. Ou calem-se para sempre, até que o blog nos separe.
De qualquer forma, pedido que me fez vazar indignações blogueiras, a música é linda, Zizi é ótima, Elis canta cada vez melhor, e João Bosco e Aldir Blanc deveriam ter permanecido casados forever. Ou será que João entra no site de Aldir, ou vice versa, e se assina, amorosamente, Alfredo? Ou Alcides? E deixa, pensando-se muito esperto, um Dois prá lá, Dois prá cá, só para chatear o antigo companheiro? Quer dançar? Arrisque a "tábua", como dizíamos nos tempos de meus antigamente.
Querida Célia/Lia/whatever, ficou bacana o texto?
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Kind of Blue - track 5


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E continuamos cumprindo a promessa feita. Kind of Blue será aqui postado na sua totalidade. Já são 3, de 5, as faixas que aqui disponibilizei para vocês. Agora, por pura preguiça matutina, com filminho roubado do YouTube, posto a faixa que encerrava o LP original (depois, em outras reedições, esse mesmo Flamenco Sketches ganhou um alternate take). Melancólica, bem blue, essa, como as outras faixas, não nos deixam supor o Miles futuro, e sua tentativa de "se unir ao rock" no mal dito jazz fusion.
De qualquer maneira, o nome Flamenco Sketches, que aqui se refere à faixa, será logo após usado para um outro LP que Miles grava com arranjos de Gil Evans.
Ah! Antes que eu me esqueça, Kind of Blue é o album de jazz mais vendido de todos os tempos.

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Na foto que ilustra o filminho, vemos Coltrane, Cannonball Adderley, Miles e Bill Evans. Ficam faltando Paul Chambers e Jimmy Cobb.

domingo, 9 de novembro de 2008

Desterminado

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Quando a musa se determina,
E de sua vontade, faz traço e caminho,
A letra, dormida, acorda e se ilumina,
Baila com as outras, versa um carinho.

Mil dias antes de te conhecer

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Quiero creer que estoy volviendo...

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Edward Hopper, 1929

Vuelvo / quiero creer que estoy volviendo
con mi peor y mi mejor historia
conozco este camino de memoria
pero igual me sorprendo

hay tanto siempre que no llega nunca
tanta osadía tanta paz dispersa
tanta luz que era sombra y viceversa
y tanta vida trunca

vuelvo y pido perdón por la tardanza
se debe a que hice muchos borradores
me quedan dos o tres viejos rencores
y sólo una confianza

reparto mi experiencia a domicilio
y cada abrazo es una recompensa
pero me queda / y no siento vergüenza /
nostalgia del exilio

en qué momento consiguió la gente
abrir de nuevo lo que no se olvida
la madriguera linda que es la vida
culpable o inocente

vuelvo y se distribuyen mi jornada
las manos que recobro y las que dejo
vuelvo a tener un rostro en el espejo
y encuentro mi mirada

propios y ajenos vienen en mi ayuda
preguntan las preguntas que uno sueña
cruzo silbando por el santo y seña
y el puente de la duda

me fui menos mortal de lo que vengo
ustedes estuvieron / yo no estuve
por eso en este cielo hay una nube
y es todo lo que tengo

tira y afloja entre lo que se añora
y el fuego propio y la ceniza ajena
y el entusiasmo pobre y la condena
que no nos sirve ahora

vuelvo de buen talante y buena gana
se fueron las arrugas de mi ceño
por fin puedo creer en lo que sueño
estoy en mi ventana

nosotros mantuvimos nuestras voces
ustedes van curando sus heridas
empiezo a comprender las bienvenidas
mejor que los adioses

vuelvo con la esperanza abrumadora
y los fantasmas que llevé conmigo
y el arrabal de todos y el amigo
que estaba y no está ahora

todos estamos rotos pero enteros
diezmados por perdones y resabios
un poco más gastados y más sabios
más viejos y sinceros

vuelvo sin duelo y ha llovido tanto
en mi ausencia en mis calles en mi mundo
que me pierdo en los nombres y confundo
la lluvia con el llanto

vuelvo / quiero creer que estoy volviendo
con mi peor y mi mejor historia
conozco este camino de memoria
pero igual me sorprendo.

Mario Benedetti
Imagem e poema: Inês
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sábado, 8 de novembro de 2008

Kind of Blue - track 1

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Às vezes meio que cumpro minhas promessas por aqui. A idéia continua ser postar todas as faixas deste disco histórico.
O resto vocês já sabem. Portanto curtam a faixa 1, So What, composição de Miles Davis.
Enjoy it!







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Riscos de Moçambique

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- Tens medo de fazer amor comigo?
- Tenho - respondeu ele.
- Por eu ser preta?
- Tu não és preta.
- Aqui, sou.
- Não, não é por seres preta que eu tenho medo.
- Tens medo que eu esteja doente...
- Sei prevenir-me.
- É porquê, então?
- Tenho medo de não regressar. Não regressar de ti.


Mia Couto

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Kind of Blue - track 3


Kind of Blue é um disco insuperável para muitos amantes do jazz. Gravado entre abril e março de 1959, reuniu, sob o comando de um Miles Davis récem saído de um programa de reabilitação para drogados, um dos mais fabulosos elenco de músicos (vejam nos créditos finais do filminho). São só seis faixas, sendo que uma se repete em dois takes., quase 55 minutos de música de primeiríssima qualidade. É um disco que dispensa "texto bacana" e clama ser ouvido, de joelhos, ainda que mentalmente. O trumpete de Miles nos penetra quase misticamente, blue e forte, agudo de nos cortar a alma. Os outros músicos explicam, com suas performances, o porque que o gênio Miles Davis os escolheu para essa histórica gravação.
A faixa aqui escolhida, Blue in Green, de autoria de Miles e Bill Evans, une dois dos maiores drogaditos da história do jazz em uma experiência que beira o religioso (e, garanto, religioso é, para todos que amam o jazz), quase uma epifania. Nessa faixa, quase, só os dois, Miles e Evans comparecem (ouve-se, aqui e ali, o baixo de Paul Chambers e, quem sabe, ruídos suaves da bateria de Jimmy Cobb, um solo de sax que fica a determinar se de Coltrane ou Addeley), mas, juro, acabo colocando o disco todo por aqui, oração por oração, e, aí, virão Coltrane, Cannonball Adderley, Paul Chambers, Jimmy Cobb e, como um extra, Wynton Kelly em uma das faixas.
Como diria Vinícius, para qualquer uma das faixas, é para se escutar deitado numa banheira, comendo papos de anjo feitos pela mãe da gente.
É pouco ou quer mais?


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Novembrina


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Magoa-me a saudade

do tempo em que te habitava

como o sal ocupa o mar

como a luz recolhendo-se

nas pupilas desatentas



Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,

tua noite sem remédio

tua virtude, tua carência

eu

que longe de ti sou fraco

eu

que já fui água, seiva vegetal

sou agora gota trémula, raiz exposta



Traz

de novo, meu amor,

a transparência da água

dá ocupação à minha ternura vadia

mergulha os teus dedos

no feitiço do meu peito

e espanta na gruta funda de mim

os animais que atormentam o meu sono.



Mia Couto / Magoa-me
em Raiz de Orvalho e Outros Poemas
De Ayan

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O teu cabelo não nega

Pois é. Somos, os Estados Unidos e nós, os grandes early importers of the black people. Não há como negar. Estão aí as músicas, o negro fundamental nas nossas culturas musicais, o samba, o jazz, até o chorinho, já que muitos choraram até que as melodias entrassem em nossos ouvidos brancos e, no caso brasileiro, cordiais.
No entanto, entre as nossas raízes negras e as deles (e escrevo no momento exato em que Obama pode estar sendo eleito ou não), podemos apontar diferenças inúmeras. Aqui mesclamos mais que lá, mas em compensação vivemos nessa tentativa de apagar o negro de nossa história. Lá, pelo contrário, a coisa seguiu mais feia, a luta foi mais feroz e, por consequência, o negro permaneceu mais negro, a música mais pura na sua identidade racial, o faz de conta menos evidente. Tudo coisa para tratados sociológicos que aqui não cabem, considerações ideológicas meio confusas, coisa séria que escapa às carambolas do blog.
Mas, vejam, Sweet Georgia Brown, música de 1925, gravada e regravada tantas vezes que virou um standard do jazz (coisa de muita significação, já que a música é de tempos anteriores ao "bom jazz"). Seríamos capazes de escolher uma música brasileira equivalente, ou, pelo contrário, a diluição em nossa suposta cordialidade acabou com tudo?
Pois, acredito, é só lá (USA) e aqui que podemos encontrar, ainda hoje, uma música "negra" inserida em um contexto onde ela é o que nos caracteriza (vejam, a coisa negra caribenha, por ter permanecido sempre só uma coisa negra, não tem o mesmo estatuto do jazz e da MPB, enraizadas no negro mas sendo para além disso). E, no entanto, aqui, as raízes se diluiram, o passado não se preservou, a música não se sustentou. Chico é uma gracinha, mas jamais cantará Pelo Telefone.
Escutem essa interpretação de Junior Mance, de 1990, para a composição de 1925 de Sweet Georgia Brown e comparem com nosso total esquecimento dos Dongas e, até mesmo, dos cabelos que não negavam de um Lamartine Babo, e perguntem-se sobre o que andamos fazendo com as raízes do Brasil.
Ou, por outro lado, esqueçam tudo e curtam a música. Vale a pena.


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