terça-feira, 25 de novembro de 2008

Traçado on the rocks

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E. Hooper

As belas, e as feias, que me perdoem, mas botequim é coisa de homem. Apesar dos tempos igualitários, das nossas (homens) necessidades de tê-las por perto certas horas, botequim, no fim das contas, continua coisa de homem. Ou vocês conhecem algum que, cheio de freguesas, olha estranhado para um homem que entra? Ou uma mesa de botequim com zentas moças e dois moços fazendo figuração enquanto elas discutem "coisas de mulher"? Ou algum botequim onde a moça, no meio de um porre inesquecível, pelo menos até o raiar do próximo dia, fecha o bar bebendo um eterno "mais um" com o dono/gerente da casa, ou com o garçon anônimo sem intenções de tracá-lo after hours? Houvessem os botequins das moças, eles não durariam muito, invadidos que seriam pelos caçadores desocupados. Mas, botequim que se preza não é território de caça e, por isso, continuam coisa de macho. Botequim não é barzinho, nem point, nem castelo de Caras, muito menos "espaços culturais", apesar de não conhecer outro espaço tão cultural quanto um botequim, como tento demonstrar nesta postagem.
Não que isso seja uma vantagem dos homens, até porque são coisa de macho por que neles impera a Mulher, nas conversas, nas confissões, nos choros, nas ironias falsas, em tudo aquilo que só um bando de macho sustenta no faz de conta que os alivia. Uma mulher, real, de CPF e lousa e tal, só atrapalha a nossa eterna ligação com a "Mulher", essa mesma que Lacan insiste em dizer não haver e que, nós homens, teimamos em sofrê-las com o se fossem as pequenas mulheres de nossos desenganos. E toma dor de corno, especialidade de qualquer botequim que se preze, mesmo quando para não falar deles falamos de mil outras coisas, futebol, mulher dos outros, outros cornos, mal do PT, sociologia profunda sem colarinho, amizades fundamentais que nunca ultrapassam a porta de saída do bar, etc e tal.
Pois dor de corno é outra coisa que só homem sente. Talvez porque as mulheres tenham sido feitas, por definição, para serem "traídas", sendo as aspas em questão as aspas que sempre colocamos nas constantes eventuais traições que, nós homens, cometemos; ou seja, elas não são nunca corneadas, vivem o, delas, destino. "Traímos", mais das vezes, sem amor, da mesma forma como somos capazes de fazer sexo ou seduzir moças, só para nosso solitário divertimento, ou para a prova do teorema de nós mesmos, ou para contar aos amigos no botequim. Diferente das mulheres, que sempre traem por amor, só dão por afeto, isto é, traem, colocam chifres, nos arrasam a masculinidade pressuposta, nos injuriam a testa, dividem o nosso amor (não conto aqui as sem homens, que são mais fáceis mas, por definição, nunca têm quem trair). Daí o fato de um belo par de chifres ser coisa só dos veados machos, como a própria natureza nos ensina (o que, levado às últimas consequências da analogia, nos faria, homens, todos meio veados, coisa que sabemos ser vera, por nossa, homens, impossibilidade de querermos outro sexo que não o nosso, isto é, o grande defeito das mulheres, aquilo que nos faz, em última instância, veados misóginos, é que elas nunca serão nossas companheiras de botequim, nosso templo mais sagrado (homem que não gosta de botequim? los hay, mas .....) - importante para a argumentação: botequim é diferente de "barzinho", essa coisa modernosa onde homens e mulheres bebem cerveja juntos e ninguém fica after hours chorando no Balcão).
Não sei se vocês, queridas leitoras (onde andarão os meus leitores machos? ou, como quase me garantem olhares e sorrisos dos botequins que frequento, blog é coisa meio assim "Diário da Margarida"? Qui lo sá, Vardemá!) me acompanham na concordância, mas that´s it, like it or not!. Botequim e dor de corno são coisa de macho! E se aqui não fiquei bem provado a culpa é da exiguidade do espaço, e do saco, já que o espaço é meu, que me impedem tratado mais bem fundamentado, em alongamentos (não, nada que ver com aqueles que vocês, mulheres, fazem nas academias, coisa de mulher e boitolas). Dou os pontos como provados e continuo.
Mas, em sendo coisa de machos, botequins e dor de cornos variam no de acordo com a linguagem do macho em questão, com o Outro que o determina em intimidades sociais, num reconhecimento que a histeria das mulheres jamais será capaz (as mulheres tendem a acreditar num Outro possível que encontrarão no próximo romance, enquanto os homens sabe que eles não são Ele, nem nunca serão, merda!). Ou seja, apesar do botequim ser o templo onde ofertamos em público as nossas dores, doemos na linguagem, na especificidade de um Outro que faz social com a gente (e até conosco bebe cerveja), nessa intimidade desconhecente que a cultura permite e determina.
Vejam, por exemplo, Frank e Nelson, ou Sinatra and Mr. Gonçalves. Vejam as músicas, a elegância swingenta de um versus o esculachado tango do outro, o papel do botequim do carcamano de olhos azuis (a conversa solitária com o moço detrás do balcão no final da noite) e o do cafona brasileiro a convocar mais e mais gente para afogar, em bebida e confissões públicas, suas respectivas dores de corno (aqui me corrijo, antes que fique a impressaõ de que trocamos dores de corno uns com os outros em uma mesma noite; nada mais falso! a cada dia o corno da hora é exclusivo e pode contar com a total solidariedade dos outros homens na mesa, até que o dia raia, se vá dormir e o amanhã determine um outro corno, que não tem coisa mais chata do que o corno constante).
O que os une, solidários, no balcão do final de noite, ou pagando a rodada dos desconhecidos e amigos, é a solidão que Hopper expressa. No caso de Sinatra, uma solidão que se revela na música e no desacompanhamento; no caso de Nersão, no tango rasgado, bem mais visceral, e no convite à multidão botequinesca que consome com ele sem, no fundo, fazer suas dores consumidas. Em ambos, uma mesma solidão, que as dores são sempre assim, particulares, mesmo quando as fazemos semi-públicas.Há sempre um depois do botequim, uma cama vazia, uma lembrança vadia, um encontro com si mesmo, Sinatra ou Nelson.
Poderia elaborar ainda muito mais, falar das mulheres que só fazem fundo para Nersão no filminho, as mesmas que aqui, e lá, têm o botequim como impedido, dos homens solitários de Frank, e da mesmice da solidão em suas duas vertentes. Mas, se vocês prestarem atenção, o filminhho diz tudo, das diferenças e das mesmices, e, principalmente, das dores e igrejas dos homens de todos os tempos.
E chega de sociologia barata que barata é coisa de botequim, mesmo que nunca apareçam nos filmes de Hollywood. As via aos montes no Leblon, quando fechava o bar trocando papos ébrios com o Azeitona que me patronava. Hoje quase não as vejo no Frango, talvez por me faltarem as dores de corno que as atraem. Mas, vivido, elaboro, sobre botequins, homens, músicas, imagens, baratas e amores mal passados. Na falta de água benta exagero na pretensão, coisa que me garante a avó de meu discurso, não faz mal a ninguém.
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PS. E pensar que tudo começou como começam muitas coisas nesse blog. Eu havia descoberto uma maneira de "fundir música" e resolvi experimentar com essas duas que já havia postado anteriormente. Daí, tive que inventar filminho, caçar imagens, publicar a coisa no YouTube, etc e tal. Quando me dei conta, tinha um filme ainda mudo pedindo por algumas palavras. Acho que exagerei, culpa do Frango onde nem pensei nisso mas tomei algumas.Vocês hão de me desculpar. Ou não, como nunca saberei pelos comentários que nunca se escrevem, apesar de todos os santos tantos que aqui me conta o contador.
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PS2. Nelson Gonçalves, queiram ou não, é um pouco nosso Sinatra. Só não o é todo por já ter começado cantar depois da invasão americana nas formas de nossos sonhos. Mais ainda, as duas músicas são quase da mesma data; a de Nelson de 1955, a de Sinatra de 1958. A de Frank, conceitual como o LP onde surgiu (se esquecermos Ava e seu toureiro), a de Nelson a vida como ela é, bem antes do outro Nelson, o Rodrigues vestido de noiva.
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2 comentários:

Anônimo disse...

Impecável, caro blogueiro do orégano. Estava cá a ler e ouvir música quando começa tocar uma que me faz parar, ouvir e pensar: "É este o real desafio para nosso querido blogueiro-literário-musical". Pois retiro as ofertas passadas. Meu desafio corrente é a música Fado Tropical, de Chico Buarque. Os dizeres de um gajo, que intercalam a canção, merecem ouvidos especiais. Bj e ótima quarta. Célia, a desafiante.

Anônimo disse...

Olá, Zédu. Já posso chamá-lo assim, pelo apelido que se torna, pelo jeito, mais seu nome do que José Eduardo?
Antes de voltar para minha leitura de cada noite, passei pelo seu passado, aqui no blog. Já fiz isso outras vezes nesse túnel do tempo virtual deste seu tempo real. Mas eu não tinha ido tão longe, tão lá atrás. Cai em 22 de dezembro de 2007 e conheci sua praça, seu parceiro Pipoca e sua voz meio carioca, parecendo um Vinícius de Moraes sóbrio (possível?). Espero q as mudanças continuem, mesmo que ainda existam os momentos de solidão. Sorte de sua árvore que te tem para amá-la e admirá-la. Percebê-la em suas mudanças temporais. Sorte...porque muitas vezes temos tantos a nossa volta e poucos, ou ninguém, percebem nossas transformações, acolhem nossas alegrias, acariciam nossas dores, nos consideram. Sorte de sua árvore, de sua praça, de Pipoca. E um pedido (que mulher pidona, não é?): grave outros vídeos, explore outros teus espaços, fale olhando para a câmera para que este pequeno mundo, do qual você é o Criador, te conheça mais. Bjs. Célia