quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Um olhar



"Foram os olhos. Foram os olhos dele, quando pousaram, devagar, sobre os meus olhos, que me trouxeram esta sede até esse momento apenas pressentida. Foram os olhos dele, tão acesos nos meus, que encheram os meus olhos de estrelas e de sonhos e de lágrimas e de pássaros errantes. E juro que pensei: não me importava de ficar cega de tanto o olhar, porque a imprevisível cor de todas as madrugadas ficará, para sempre, intacta, no meu peito. Desde então, os meus olhos atraem a nitidez da noite e as aves nocturnas deslizam no meu corpo, para lamber a lua escondida nos meus lábios. Cerro as pálpebras à inquietação da manhã. Não procuro razões para a súbita armadilha que foi o seu olhar. A sua respiração perto da minha era uma espécie de afago. Tantas vezes me apeteceu dizer-lhe: aceita o vazio das mãos que te estendi e guarda dentro delas teus desejos. Tantas vezes quis falar-lhe do meu amor, como de barcos que chegam e partem de algum lugar onde eu gostaria de ter nascido. Tantas vezes escrevi o nome dele em todas as paredes imaginadas. E se ele me dissesse onde era o lugar da sua sede, eu estaria lá para saciar com ele a minha sede"

Graça Pires / Carta 1, In "não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos"
De Inês.

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