sábado, 25 de outubro de 2008

Ponto final

Os encontros são como os escritos, dependem de nossa imaginação, de nosso se deixar neles escorrer entre linhas, entre ditos, no ouvido do outro que nos encontra em nossas próprias suposições.
Alguns encontros são fugazes, são como coisas pequenas que se escreve nas sobras do dia, de ponto final apressado, de gosto de sobras de fácil digestão. Difícil um escrito curto que nos toque para além de uma graça ligeira, uma competência com o jogar com as palavras, um "bonitinho" mortal como avaliação. São, esse tipo de escrito e encontro, feitos para nos exercitar, para nos lembrar dos verdadeiros, escritos e encontros, e nos preparar para eles. Querer, deles, mais do que eles podem dar é exercício inútil que, mesmo assim, fazemos no quando em vez de nossas ilusões. O ponto final que os encerra deixa pouco no paladar, um quase nada na lembrança, uma marca em areias que qualquer mar dissolve.
No entanto, escritos e encontros, desses que que fazem valer todas as nossas penas, têm uma diferença fundamental. O escrito está sempre fadado a ser somente depois do ponto final. Mesmo lembrando que é o ponto final que permite os próximos escritos, cada um deles termina, inexoravelmente, bem ou mal dito, no ponto final que, às vezes, relutamos em colocar. É como um bom livro que nos captura e, a medida que vamos chegando ao seu final, diminuimos o ritmo da leitura para evitar o momento da última página, do ponto final definitivo. Talvez por isso eu goste muito de algumas obras inacabadas, como O Homem Sem Qualidades, de Musil. Talvez por isso eu me estenda, quase sempre, mais do que deveria, na evitação da angústia do ponto final. Mas isso, lembro, é coisa para boas escrituras, obras com intenção e arte. E, aqui como nos bons encontros, mesmo que o ponto final seja definitivo, as marcas do escrito permanecem, embalam nossa imaginação, se metem em nossos próprios escritos, moldam nossos estilos. Pois os escritos, todos, são sempre fundados em todos os escritos que o escritor já leu até o ponto final.
Já os encontros fundamentais não acabam nunca e, portanto, nunca chegam a seu ponto final, a menos até que a morte os separe, aos encontrantes. Muitas vezes, a maioria eu acho, os aparentes pontos finais só lembram que um novo parágrafo vai começar e a história continuará em um para sempre, mesmo que outra, mas, sempre, com algo que nunca muda na teia que o encontro sempre teceu. Mesmo que, por instantes, se acredite que, na teia do encontro, só reste uma aranha alucinada e sem sentido. Pois, se o encontro valeu, cedo ou tarde, o novo parágrafo se escreverá e a teia, qual colcha de Penélope será de tessitura sem fim na odisséia dos heróis dos encontros. Porque há um heroísmo no fazer de um encontro um para sempre que dure para além de todas as tempestades, de todas as mudanças de ritmo e estilos, de propósitos e sonhos. É coisa para poucos, encontros e encontrantes.
Como o encontro que aqui reencontro sem nunca tê-lo perdido, nem quando 34 anos de pausa interromperam uma linda história de encontros, desencontros, alegrias fulminantes, olhares de despedida, chorares por detrás da porta, portas que se quebraram de pura alegria, tardes de vinho, taças de chuva, um ser que sempre foi maior que o ter, sustos, tragédias, uma vida para poucos. Mas, cada um destes momentos, destes sentimentos, foi só um parágrafo nessa escritura que não terá fim no para sempre que nos caberá nessa história que reescolhemos nossa.
E é por esse encontro que peço, com as palavras com que sei pedir, para que ele permaneça e que eu possa seguir cada vez mais encantado com nossa coragem de, deste encontro, fazer nosso conto sem ponto final.
Bom te ver novamente, menina de meus colares de pérolas.

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A música, e a traquitana que toca, roubei dela
Um Zé melhor, mais simples, mais bonito, roubei dela
A Inês, roubei dela que tem tanta Inês para dar
Dela, no reencontrando, roubei minha vontade de sonhar.

4 comentários:

Inês Queiroz disse...

Zémeu querido,

O vidro que se mantinha embaçado pelas desilusões e que nos impedia de olhar para além do que fomos, foi limpo pelas nossas próprias escritas.

Derramo-me pelos teus lindos dizeres, pelos teus doces roubos e por um reencontro num mesmo outro olhar que se reinaugura.


Se eu roubei teu coração
Tu roubaste o meu também
Se eu roubei teu coração
Foi porque, só porque
te quero bem .


Sigo encantada.

Beijos perolados,
Inês

Anônimo disse...

Poizé. Claro, eu nao tinha lido esse post antes de escrever meu email.
Bjs
Leila

Anônimo disse...

Inveja dos dois, seja lá como for a história que hoje vocês contam de vocês.
E, nem sei porque, a postagem me lembro uma música do Chico, das antigas, que sempre adorei: Desencontro. É como se o que no post se escreve fosse, em meus sonhos, a continuação daquela história também sem ponto final.
Parabéns ao blog, de uma nudez rara e,portanto, suponho, de uma ave rara.
Esse Zé e essa Inês fazem bem aos sonhos de qualquer um.

Mariana

Anônimo disse...

Os encontros fundamentais, em outras palavras, são amores que perduram apesar das tempestades. Não caberiam reencontros diante de um ponto final. E o que não termina é porque foi e é fundamental.
C.