segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Chico Pedreiro

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Me lembro dele. Quase tão jovem quanto eu, estreava no Cine Ouro Verde, em Campinas, sua carreira profissional em um daqueles roadshows que um tal de Pica-Pau inventava com os astros da Bossa-Nova e os meninos do momento.
O fato é que, depois de seu início carioca, a nova MPB havia se mudado para onde o dinheiro havia. São Paulo, Rede Record (que não era nem Universal, nem do Reino de Deus, muito menos do "bispo" malandro), shows pelo interior paulista. E dá-lhe Zimbo Trio, Alaíde Costa, Paulinho Nogueira e a garotada. Entre eles um carioca perdido nas faculdades paulistanas, o Carioca, de nome Francisco, filho das Raízes do Brasil, como ele, anos depois, em 1993, confirmaria em outra música magnífica, Paratodos.
Mas eram tempos primeiros. Bandas e Carolinas, Morenas de olhos d´água, Pedro Pedreiro, coisas ingênuas mas já meio Chico, sambinhas como depois quase não mais se viu na sofisticação que suas letras foram se emprestando a tantos bons parceiros, excelentes músicos (Tom e Edu, por exemplo), de harmonias mais elegantes e complicadas. Mas, no início, era década de 60 ainda e Chico fazia um sambinha com cheiro de garoa.
Seja pelos festivais, seja pelo momento brasileiro, seja por que for, Chico Buarque de Holanda fincou raízes no Brasil e nunca mais conseguiu ser arrancado.
E Chico Buarque de Holanda, com seus olhos de maresia, sua timidez que até hoje resta, foi, tijolo a tijolo construindo o Chico e um pouco de todos nós. O Brasil, nesse caminhar, se descontruia na burrice militar, nas vozes afogadas pela censura, no horror que os idiotas fardados tinham do social. Em 1969, Chico é exilado na Itália
Aí, em 1971, de volta, Chico lança o que considero uma de suas mais geniais composições: Construção. O letrista, nessa música sozinho, faz da letra um mais que tudo, restando, à música, um pontuar a beleza, e dureza, poética da letra genial. E tão genial que virá aqui, na postagem, como reconhecimento do blog a essa construção sem igual.
Chico, senhor de todas as letras, continuou (continua?), mas Construção ergueu-se como marco definitivo de sua genialidade. Há 37 anos atrás.
Crianças, escutem! Senhores, relembrem! Meninas e senhoras, suspirem!
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Construção
(Chico Buarque)
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acbou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
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Para M., que também ama esta música

2 comentários:

weisenheimer disse...

chico morou em sampa desde os 2 anos de idade... aos 9 anos, morou por 3 anos na itália, por conta do convite que seu pai aceitou para lecionar na universidade de roma...
voltaram para sampa, e ele estudou no santa cruz; moravam no pacaembu, em frente à casa de um primo... fazia arquitetura na usp, na época em que geraldo vandré defendeu seu "sonho de carnaval" (carnaval, desengano, deixei a dor em casa me esperando...) em 64, no festival da excelsior...
só foi morar no rio quando voltou do exílio voluntário na itália, em 70...

Anônimo disse...

Ele é carioca, ele é carioca, basta o jeitinho dele andar, e de falar, e de cantar, e de olhar.
O Chico é temperado com o sal do Leblon e carrega nos olhos as cores dos mares do Rio. Mas, carioquices à parte, o Chico Pedreiro é Paratodos.
Sim. Você me fez suspirar.