sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Saudades do outono
Acho que de todas as coisas que vivi em meus quase quatro anos de Inglaterra, uma das que mais tenho saudades é a coisa do outono que quase não temos por aqui. A profusão de cores nas folhas das árvores, a luz já meio caída do sol ajudando a tingir tudo mais amarelo-avermelhado, o azul mais profundo do céu (coisa que, confesso, não era tão fácil assim de ver lá por Londres e seu tempo quase sempre cinza), tudo isso faz do outuno uma estação particularmente cheia de cores, mais do que consegue a primavera e suas flores.
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
A pedidos
Hoje, sigo um comentário que já nem sei mais onde foi postado e, apesar de todos os encontros que desenham essa minha vida, coloco a música que, entre tantos encontros, lembrou alguém de algum desencontro, de um caso de amor sem ponto final.
E, lembro, a dor do amor quando não passa é porque o amor valeu.
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Ponte dos Suspiros

Que no existes, existes, nos hemos de encontrar;
No nos conoceremos; disfrazados y torpes
Por los caminos echaremos a andar.
No nos conoceremos, distantes uno de otro
Sentirás mis suspiros y te oiré suspirar.
¿Dónde estará la boca, la boca que suspira?
Diremos, el camino volviendo a desandar.
Quizá nos encontremos frente a frente algún día,
Quizá nuestros disfraces, nos logremos quitar.
Y ahora me pregunto... ¿Cuando ocurra, si ocurre,
Sabré yo de suspiros, sabrás tú suspirar?
Alfonsina Storni / Un día
Com Inês.
sábado, 25 de outubro de 2008
Seda
É um diluír de tinta espessa e farta
e o passá-la em finíssima aguada
com um pincel de marta.
Um pesar grãos de nada em mínima balança
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.
Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir,
Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas como o pensar te pudesses partir.
Para Inês
Regaço
um regaço para chorar,
mas um regaço enorme, sem forma,
espaçoso como uma noite de verão, e
contudo próximo, quente, feminino,
ao pé de uma lareira qualquer.
um colo, um berço,
um braço quente
em torno do meu pescoço,
uma voz que cante baixo
e que pareça querer fazer-me
chorar.
um calor no inverno,
um extravio morno da minha
consciência.
e depois, sem som,
um sonho calmo,
um espaço enorme como a lua
rodando entre as estrelas.
Bernardo Soares
Livro do Desassossego
Ponto final
Alguns encontros são fugazes, são como coisas pequenas que se escreve nas sobras do dia, de ponto final apressado, de gosto de sobras de fácil digestão. Difícil um escrito curto que nos toque para além de uma graça ligeira, uma competência com o jogar com as palavras, um "bonitinho" mortal como avaliação. São, esse tipo de escrito e encontro, feitos para nos exercitar, para nos lembrar dos verdadeiros, escritos e encontros, e nos preparar para eles. Querer, deles, mais do que eles podem dar é exercício inútil que, mesmo assim, fazemos no quando em vez de nossas ilusões. O ponto final que os encerra deixa pouco no paladar, um quase nada na lembrança, uma marca em areias que qualquer mar dissolve.
No entanto, escritos e encontros, desses que que fazem valer todas as nossas penas, têm uma diferença fundamental. O escrito está sempre fadado a ser somente depois do ponto final. Mesmo lembrando que é o ponto final que permite os próximos escritos, cada um deles termina, inexoravelmente, bem ou mal dito, no ponto final que, às vezes, relutamos em colocar. É como um bom livro que nos captura e, a medida que vamos chegando ao seu final, diminuimos o ritmo da leitura para evitar o momento da última página, do ponto final definitivo. Talvez por isso eu goste muito de algumas obras inacabadas, como O Homem Sem Qualidades, de Musil. Talvez por isso eu me estenda, quase sempre, mais do que deveria, na evitação da angústia do ponto final. Mas isso, lembro, é coisa para boas escrituras, obras com intenção e arte. E, aqui como nos bons encontros, mesmo que o ponto final seja definitivo, as marcas do escrito permanecem, embalam nossa imaginação, se metem em nossos próprios escritos, moldam nossos estilos. Pois os escritos, todos, são sempre fundados em todos os escritos que o escritor já leu até o ponto final.
Já os encontros fundamentais não acabam nunca e, portanto, nunca chegam a seu ponto final, a menos até que a morte os separe, aos encontrantes. Muitas vezes, a maioria eu acho, os aparentes pontos finais só lembram que um novo parágrafo vai começar e a história continuará em um para sempre, mesmo que outra, mas, sempre, com algo que nunca muda na teia que o encontro sempre teceu. Mesmo que, por instantes, se acredite que, na teia do encontro, só reste uma aranha alucinada e sem sentido. Pois, se o encontro valeu, cedo ou tarde, o novo parágrafo se escreverá e a teia, qual colcha de Penélope será de tessitura sem fim na odisséia dos heróis dos encontros. Porque há um heroísmo no fazer de um encontro um para sempre que dure para além de todas as tempestades, de todas as mudanças de ritmo e estilos, de propósitos e sonhos. É coisa para poucos, encontros e encontrantes.
Como o encontro que aqui reencontro sem nunca tê-lo perdido, nem quando 34 anos de pausa interromperam uma linda história de encontros, desencontros, alegrias fulminantes, olhares de despedida, chorares por detrás da porta, portas que se quebraram de pura alegria, tardes de vinho, taças de chuva, um ser que sempre foi maior que o ter, sustos, tragédias, uma vida para poucos. Mas, cada um destes momentos, destes sentimentos, foi só um parágrafo nessa escritura que não terá fim no para sempre que nos caberá nessa história que reescolhemos nossa.
E é por esse encontro que peço, com as palavras com que sei pedir, para que ele permaneça e que eu possa seguir cada vez mais encantado com nossa coragem de, deste encontro, fazer nosso conto sem ponto final.
Bom te ver novamente, menina de meus colares de pérolas.
|
Um Zé melhor, mais simples, mais bonito, roubei dela
A Inês, roubei dela que tem tanta Inês para dar
Dela, no reencontrando, roubei minha vontade de sonhar.
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
Para sempre, poesia
.

Pede como puderes e souberes
Pede com o olhar ou com
um mero pensar.
Pede com as palavras silenciadas
com os acordes das músicas entoadas
ou nos teus ditos de poetizar.
Pede do jeito que quiseres
com os dedos entrelaçados
ou os joelhos dobrados
sob um ipê desflorado.
Pede no tragar de uma cerveja
a cada baforar de uma incerteza
ou nos aromas de uma tarde de vinho
servido na taça de uma chuva cristalina.
Pede pelo desatar dos meus nós
pela existência de uma estrela guia
que te aponte a evidência
do meu continuar.
Pede em todos os sinônimos
que couberem na tua súplica
em todas as crenças e convicções
de que fores capaz...
mas pede por mim.
Há de haver por entre céus mares e rios
alguém que acolherá o teu pedir...
terça-feira, 21 de outubro de 2008
Campineira
Carlos Gomes, campineiro, maestro. É difícil achar obras suas no meio da falta de memória nacional.
Aqui uma pequena amostra de seu talento musical. Pela música, por Campinas de minha aurora, por uma nova aurora que brilha no horizonte.
.
.
Dez pedaços e uma palavra

Engasgo
No início, era só um coração
Meio morto, meio cansado
Um som de samba canção
Um sonho se querendo sonhado.
.
No começo, então, foi o sonho
Um algo por demais imaginado
Uma mesa onde me proponho
E te espero de olhos calados.
.
Depois um conto, uma bossa nova
O sábado, o hotel e as ancas
Um final que nos pôs a prova
E uma decisão assim meio manca.
.
E fomos, de final em final
Sem nunca termos começado
Uma distância sempre fatal
Dois sonhos desacordados.
.
Mas era tão forte o encontro
Que sempre que terminados
O desejo nos fazia de tontos
E nos rejuntava encantados.
.
Mas entre uma razão mal temperada
E a temperança de cabeça pra baixo
Vivemos, quase sempre assustados
Um tarot onde nunca me encaixo.
.
E assim o fim foi determinado
Nos nossos olhares vesgos
Cada qual enxergando um lado
Desfeitos em um nós de cegos.
.
E restamos depois meio trapos
Meio bêbados, meio engasgados
Lembranças virando farrapos
Do olhar, o vento soprando os traços.
.
As brigas, as farpas, as tempestades
Fugas, gavotas, o Bach desafinado
Choros, soluços, maldades
Novos amores encomendados.
.
Das fugas pretendemos encontros
As marcas do outro em cada um o cravo
Na boca o amargo, os abertos pontos
O resto mal dito, nos sujeitando escravos.
.
Um dia, no amor pelas palavras
Por escrito fui costurando rasgos
E semeei as letras, e conjuguei as lavras
E, na terceira pessoa, me livrei do engasgo
.
Zédu, 20/10/2008
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Chico Pedreiro
Me lembro dele. Quase tão jovem quanto eu, estreava no Cine Ouro Verde, em Campinas, sua carreira profissional em um daqueles roadshows que um tal de Pica-Pau inventava com os astros da Bossa-Nova e os meninos do momento.
O fato é que, depois de seu início carioca, a nova MPB havia se mudado para onde o dinheiro havia. São Paulo, Rede Record (que não era nem Universal, nem do Reino de Deus, muito menos do "bispo" malandro), shows pelo interior paulista. E dá-lhe Zimbo Trio, Alaíde Costa, Paulinho Nogueira e a garotada. Entre eles um carioca perdido nas faculdades paulistanas, o Carioca, de nome Francisco, filho das Raízes do Brasil, como ele, anos depois, em 1993, confirmaria em outra música magnífica, Paratodos.
Mas eram tempos primeiros. Bandas e Carolinas, Morenas de olhos d´água, Pedro Pedreiro, coisas ingênuas mas já meio Chico, sambinhas como depois quase não mais se viu na sofisticação que suas letras foram se emprestando a tantos bons parceiros, excelentes músicos (Tom e Edu, por exemplo), de harmonias mais elegantes e complicadas. Mas, no início, era década de 60 ainda e Chico fazia um sambinha com cheiro de garoa.
Seja pelos festivais, seja pelo momento brasileiro, seja por que for, Chico Buarque de Holanda fincou raízes no Brasil e nunca mais conseguiu ser arrancado.
E Chico Buarque de Holanda, com seus olhos de maresia, sua timidez que até hoje resta, foi, tijolo a tijolo construindo o Chico e um pouco de todos nós. O Brasil, nesse caminhar, se descontruia na burrice militar, nas vozes afogadas pela censura, no horror que os idiotas fardados tinham do social. Em 1969, Chico é exilado na Itália
Aí, em 1971, de volta, Chico lança o que considero uma de suas mais geniais composições: Construção. O letrista, nessa música sozinho, faz da letra um mais que tudo, restando, à música, um pontuar a beleza, e dureza, poética da letra genial. E tão genial que virá aqui, na postagem, como reconhecimento do blog a essa construção sem igual.
Chico, senhor de todas as letras, continuou (continua?), mas Construção ergueu-se como marco definitivo de sua genialidade. Há 37 anos atrás.
Crianças, escutem! Senhores, relembrem! Meninas e senhoras, suspirem!
.
.
(Chico Buarque)
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acbou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
.
.
domingo, 19 de outubro de 2008
A ópera do Horário de verão
Ontem, na postagem Summertime, por razões que só a postagem reconhece, Summertime ficou abortada e calou-se Sarah Vaughan. A música não merecia.
Summertime, composição de 1935 de George Gershwin para Porgy and Bess, saiu da ópera e ganhou o mundo do jazz, aliás como várias outras "árias" da referida ópera. A versão com que tento pagar a dívida com vocês é instrumental, absolutamente jazzística, com Sonny Rollins e Coleman Hawkins. As fotos me relembram o Leblon, o mirante de seu final, onde íamos, muitas vezes olhar a noite cair já bem tarde, nos horários de verão que lá passei. Esse, de 2007, foi bem mais quente do mostram as fotos.
E por falar em marcas, ontem me referi a um filme, Imitação da Vida (1959), com Lana Turner, talvez o primeiro dramalhão que me lembro ter assistido (daqueles não de sobrar olhos sem lágrimas, independente da chorosidade de cada um; eu, criança, talvez não soubesse chorar ainda, a vida me era, ainda, muito real para me deixar carregar por suas imitações, coisa que depois aprendi inevitável, o choro e a imitação). A cena do enterro da empregada negra ao som de Summertime ficou marcada em mim.
.
Sansão
Marcador
Declare o seu horário de verão.
Às vezes adianta, outras vezes não.
Desculpe a paz que foi-se embora,
As marcas deixadas que já chorei,
O lápis, o ferro em brasa
O inverso, nas marcas, do que na vida
Os poucos versos
Qualquer coisa devida
O resto intragável
A aposta perdida
E o amigo impossível
Que nunca serei.
.
sábado, 18 de outubro de 2008
Summertime

Você,
.
Têm horas que você me sabe tão menininha. Não me pergunte por causa de que, que responder eu não saberia. Mas menininha, assim de diminutivo bonitinho (que nem sempre eles são, como bem sabe você, moça das letras), assim com uma certa brejeirice que se descombina com teus tantos anos, com teu tal tamanho, e se combina com os meses em que te conheci pequena e leve.
As marcas me chamaram atenção por serem poucas, na minha expectativa, e tão leves, de lápis tímido, oferecidas para um apagamento possível, um desmarcar que nunca farei. Não passei por elas, as tuas marcas, ainda; um dia haverei de. E, como temes em outro mail, concluirei você com a ousadia de que sou capaz, mas sempre sabendo que entre você que eu suponho e você, há uma distância tamanha e um nada que me justifica. Supunha-as, às marcas, em amarelo de marcadores, em confissões explícitas das frases gostadas e abaladas, das coisas afetadas, do indelével que de mim roubaste. Não foram, não são, jamais serão. Como tudo de você, são frágeis, pedindo apagamento ou, se assim eu quiser, acolhimento e guarda. A grandona que é tão pequenininha que ninguém percebe a pequenice. A menina que, uns dias, encontrou-se com um meu menino e se deu tão bem, ele com ela, ela com ele. O menino explícito com a menina implícita, que nunca foram, por conta disso tudo, homem e mulher (ou nunca se deixaram ser, jamais hei de saber). Meu encanto te encantando e, eu, encantado pelo próprio encantamento. Até que a vida nos acordou desacordados.
Reveja as marcas e escreva, que isso você sabe fazer direitinho, seja de que marcas falamos aqui.
Eu, por outro mesmo lado, nunca soube das marcas fazer escrita. Sei, às vezes, delas fazer poemas, no enquanto elas duram na marcação, enquanto ardem na pele sob o ferro que as faz marcantes. Quando viram cicatrizes, me recomponho, desapareço com elas, desconstruo o delas em mim, me revirginizo, leão covarde das batalhas passadas. Apago, ao custo de mim mesmo, e não as pago, nem me deixo as pagar, numa dívida em suspenso que, alucino, sustenta a ilusão de que nada nunca acaba, de que sempre resta um fio para um passado que nunca existiu ou para um futuro que nunca sequer foi sonhado.
Daí, talvez, ter te pedido as marcas no livro que nunca te dei. Daí tê-las imaginado em tintas de não apagar. Daí a dúvida que agora tenho se apagarei teus traços frágeis e te contarei esquecido do que foi você em uma coisa minha.
Sobre teus textos, não me convoque opiniões que ainda não te leio livre. Um deles já conhecia; o outro tomei por encomenda contada, coisa da moça exibida que se adora publicada. Competentes os dois, o segundo bem mais bonito que o primeiro (talvez por só tê-lo visto lá, onde ele se apresentou inédito para meu olhar já desacompanhado), a coisa dos flocos de neve, essas marcas que se derretem e viram quase nada de água, esse pai que não se derrete nunca, essas lembranças, que nem sei se tuas ou das tuas escrituras, a nomenclatura que exibes orgulhosa como quem escreve se dizendo especialista na coisa, esse texto bem torrado, servido no bem coado de depois de um tempo que já não suponho.
Teus textos, ainda tuas marcas, me demandam escritas sem sentido. O louco da casa rides again. Quem me dera a tua louca te habitasse e virasse tua temperança de cabeça para cima, que a imaginação sempre assustou as tuas razões bem plantadas em outras terras de colheitas difíceis. O calor dos nortes, as matas densas, as noites sem sorte e as vidas pretensas, tuas razões para todas as evitações de agora, para as repetições sem hora, para esse colo de pai que nunca mais nevará.
O horário de verão começa daqui a pouco. Summertime, choro que aprendi na imitação da vida que descobri nas telas do cinema.
Te respondi? Te devolvi algumas marcas minhas? Grafei? Ou, como usual, escrevi sozinho uma história que nunca soube contar direito?
De resto, nada será como antes.
Beijo,
Eu
PS. Desculpa, mas seco como ando, vou transformar esse meio ousado, meio cansado, em post lá onde me demonstro por escrito.
sábado, 11 de outubro de 2008
A música que quase não foi
A canção já apareceu por aqui pelo blog, já não me lembro em qual gravação. O fato que quase não há cantora de jazz que não tenha ousado uma sua interpretação desta música. E, como acontece no jazz, cada uma leu a canção a sua maneira. A que aqui posto, depois desta longa pausa em que o blog também ficou na gaveta, é interpretada por Betty Carter, que a traduz de uma maneira bastante diferente das gravações que nos acostumamos a ouvir. Além disso, o acompanhamento musical é de primeira qualidade.
Fora isso, resta dizer que essa música é tão bela que mesmo a maneira como ficou marcada, indelevelmente, em mim, não consegue nunca estragar meu prazer de ouví-la. Mas, vamos ao meu azar: início da década de 80 no Rio de Janeiro, tempo em que eu frequentava muito os teatros cariocas. Uma noite, assistindo uma peça da qual só me lembro que era sobre um pobre rapaz novaiorquino, judeu, comunista e homossexual (temática meio comum naquela época) e seus sofrimentos. Em um certo momento, desce por um poste, tipo aqueles que vemos nos quatéis dos bombeiros do cinema, Guilherme Karan como uma drag-queen cantando, e bem, The Man I Love. Depois disso nunca mais consegui escutar a música sem me lembrar da cena ridícula e escrachada. Mas a música é tão boa que mesmo assim continuo me deliciando.
Ah!, em tempo. Carmen McRae chegou a dizer que Betty Carter era, na verdade, a única cantora de jazz que existia. Exagero, mas diz alguma coisa sobre Mrs. Betty Carter que ainda não havia comparecido por aqui, pelo menos sozinha já que em algum lugar do blog ela faz um dueto com Ray Charles em Baby, it´s cold outside. E, último aviso, a foto que ilustra o vídeo é de Billie Holiday, meio que a dona da canção.
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
Vinícius de Moraes - Parte III - O poeta
.

O poeta futuro
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde amanheço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço
Meu tempo é quando
Los Angeles, 15/12/1949
Idoso mas alegrinho.
Don´t worry! Be happy!
Gavião infiel
Só mesmo em São Paulo se poderia confundir amores tão diferentes como o sambístico e o futebolístico. Aliás, desconfio, a coisa é mais corintiana do que sambista. E eu nem corintiano sou, muito pelo contrário, como me lembram minhas raízes pontepretanas, clube bem mais antigo que esse dos mano.
Quanto ao samba, digam que eu não vou, não posso, não devo. Meus 35 anos de Rio, de um amor meio envergonhado pela Estação Primeira, não mo permitem. Aliás, se possível, Carnaval no Rio, onde tantas saudades me esperam.
Mas, como compensação, vou tentar o gavião em mim e rapinar um pouco pelas campinas gerais. De São Paulo aguardo outras danças.
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
(Pausa) Vésperas impressionistas
Só porque depois de amanhã é sábado.
Perdidos e achados
.
.
.
.
redito no 09 de outubro de 2008
Vinícius de Moraes - Parte II - Fidelidade
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim quando mais tarde me procure
quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor que tive:
Que não seja imortal posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinícius de Moraes
Estoril, outubro de 1939
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
Vinícius, Parte I _ Separação

SONETO DE SEPARAÇÃO
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o presentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinícius de Moraes
a caminho da Inglaterra, setembro de 1938.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Do caderno vermelho

Muitas vezes essas coisas dormem um tempo enorme no caderno, muito além do dia e das emoções que as justificaram. E muitas, ficam lá no caderno enterradas, idéias que perderam o bonde da minha história.
Mas as músicas quase sempre se oferecem eternamente, pois as escolho, a maioria das vezes, só por serem belas. E como belas elas permanecem, já que não moram no meu caderno mas nas minhas emoções musicais, em algum momento me lembro de uma delas, na fila à espera do "vídeo" que me permitirá colocá-la por aqui. Aí, mas nem sempre, vem a idéia das imagens que justificarao a música e o vídeo se concretiza na exata medida da minha criatividade no dia (e da minha macunaímica preguiça). E assim foi com essa que aqui posto, há tanto tempo sugerida lá nas páginas do caderno vermelho, quase soterrada por outras tantas que lá continuam.
Ho je me vi, nos comentários do post anterior, me explicando sem que nada me fosse perguntado. Algo em mim disse: Don´t explain! E, voilá, lembrei que Nina, a outra, me esperava no caderno me dizendo justamente isso.
Deu no que deu.
E como o vídeo é meu, coloco-o também na versão YouTube, onde ele pode ser encontrado entre os vídeos de zedupoca. Algum dia decido o que acho melhor, mas se vocês quiserem dar opinião nos comentários, ajudarão muito esse pobre obssesivo que odeia ter que tomar decisões.
PS. Desnecessário dizer que o piano, como sempre, é tocado pela própria Nina Simone
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Poema sem forma
Entre margens que lá não existem
Corre um também impossível rio.
Às vezes faz litoral,
Outras, profundo interior.
Em ambos, navego mal.
Por eles atravessado
Em corte de dois sem sutura
Neles me sou naufragado.
Entre doces e travessuras
Nas abóboras sempre assombrado
Meus rios, minha aventura.
.
E esse rios que correm sem mim
Cavando o barro das margens
Lambendo, da praia, as areias
Conformam o vazio que me nomeia
O centro de minhas miragens
E o buraco que brilha no fim.
E onde sou, não navego
Onde não sou, navegado
Às margens, Édipo cego
De mim mesmo exilado.
Canção do amor barato

Amor barato? Ainda não conheci um que o fosse. Nos é sempre caro, mas, se como diz minha amiga Cristina, soubermos das dificuldades da felicidade, pode ser um barato. A música do Chico com certeza é. E aqui dou prá vocês, de barato. E inauguro outubro, ainda que tarde (culpa de uma gripe que ainda me mantém com a cabeça mais oca do que o normal).
Melhor para vocês, que se livram de minhas carambolas e ficam com boa música.