segunda-feira, 18 de junho de 2007

Nós


No meio da paisagem árida, no rastro da poeira que o plano geral revelava, no rasgo de um daqueles desfiladeiros fatais do velho Oeste, cavalgavam as duas figuras solitárias. Um, por escolha mascarado, dito Cavaleiro Solitário, um pouco à frente; o outro, sua sombra fiel, de nome desconhecido ainda que pelo um batizado Tonto, era índio de alma tão branca quanto o corcel do bom mocinho a quem seguia cegamente. De repente, nos cimos do desfiladeiro, nos vários horizontes possíveis, em todos os pontos de fuga, desenharam-se silhuetas inesperadas, sombras incertas de outros índios, estes com alma da cor da própria pele. Olhavam-nos, à dupla improvável, com olhos famintos de vingança e troco. E olhasse o solitário mascarado para onde olhasse, só divisava selvagens enfurecidos em número infinitamente superior ao seu estoque de balas de prata. Pasmado pelo desastre inevitável do qual julgava-se imune, recorda-se do fiel companheiro de sua solidão, vira-se para ele e diz: "Nós estamos perdidos!". Também angustiado pelo real de seus horizontes, de bate pronto rebate o nunca mais tonto:

Nós quem, cara-pálida?

Um comentário:

Zédu disse...

O texto é a abertura de um trabalho apresentado em congresso no ES, e depois publicado no livro Recursos Humanos e Subjetividade. O título do trabalho era, é claro, Nós quem, cara-pálida? Gosto do trabalho, mas sempre gostei mais da Abertura.
E da pegunta crucial, ainda que incômoda.