domingo, 24 de junho de 2007

Ignorãça


I
Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

II
Repetir repetir - até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo
.
III
Nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.

Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc etc.

Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã
no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral.

Manoel de Barros

Um comentário:

Unknown disse...

OI Zédu,

Entramos então nos deslimites da palavra? Adorei. Com isto "Uma espécie de canto me ocasiona(ou), respeito as (suas) oralidades". Fui buscar este livro e o achei na estante da Mariana. Ele voltará para o quarto dela. Para quem sabe inspirá-la na sua didática das invenções, em que " as coisas que não existem são as mais bonitas"; nos delimites da palavra, para conseguir um dia escrever o rumor delas; e do mundo pequeno onde não me pergunte por que, "Aromas de tomilhos desmentem palavras". Ignorãças é livro de nossa desconstrução necessária. Digo isso pelo que ele diria sobre minhas confusões de sentimentos - "lugar sem comportamento é o coração".

Eu entro na ousadia trazida por ele sempre fazendo autocrítica de como podemos ser menos redondinhos ...

Por mais essa inscrição no blog... beijo com café e um pedaço de queijo.
Meire