sábado, 5 de maio de 2007

Delireu

De antemão explico, para que não reste nenhuma dúvida, que não sou ele, mas ele é eu. Deu para entender? Se deu, deu; se não deu, fica assim mesmo, que mais que isso não sabe ele, nem eu. Coisa assim mesmo, meio impossível, como acostumei a conviver nestes tempos dele e eu, no indecidível de nós dois nem um.
Esse blog, por exemplo, é coisa dele, mas tudo aqui é meu. E o que não é meu, pior ainda, é puro eu, coisas dele quando lhe faço meu. Já dele não sou, pois ele é eu e não me sou meu. Complicou mais ainda? Ele sente muito, mas assim sou eu, cheio dessas reviravoltas, cambalhotas e carambolas. Passo com a banda, não vejo passar. Sou a mais dele e nele me falto até me esbaldar.
A escrita, por outro mesmo lado: os traços são dele, mas nela lhe traço, pois o traço é eu. E lhe traço o eu lá dele, mas sendo eu, desde os começos quando ele apareceu, num estalo precipitado quando pensou ser eu. Desde então ele me supõe, um eu lá dele, que não sou eu, que me imponho a ele e o faço meu. Coisa que muitos outros eus acabam não conseguindo, e somem nas sombras dos eles deles, que viram do Outro, que não é Eu.
Cansativo, não é mesmo? Daí que a maioria fica na mansidão do terror do Outro, que só assusta lá as negas dele, grama-ticando o eu no bom comportamento da pouca linguagem, no eu retórico que não sou eu nem ele, lisonja de um bem dizer que não nos diz nem nada. Graças a eu, não é o caso dele. Até que ele tenta assossegar-se nos Outros que os outros lhe emprestam, mas sou mais eu, e remonto o furo desses Outros dos outros do eu, deles, distante. Pois furo é furo, tudo igual. Desmonto, demonstro, e lhe imponho meu, again and again, olho no olho, eye no I, as you can say. Coisa de doido, é o que pensam muitos, os do Outro, que não sou eu.
Mas vamos levando, sempre a bailar, pois se parar o Outro pega, se correr lhe come o Outro, coisa dos outros doidos, pois todos são. Ele e os outros, cada qual com a sua doideira. Sem contar os doidos doidos, os eus sem eles, ou eles sem nem sombra de eu.
E vamos, deslizando sempre, mas muito bem acompanhados. Cheio d´eus famosos, é só saber olhar. Oscar Wilde, Foucault, Genet, Mishima, nenhum doidão, apesar de doidões também ter vários, inclusive esses próprios, de vez em quando. Pega o Van Gogh, o Bispo do Rosário, e tantos outros mais, que muito sofreram nessa de eu meio sem ele pra botar no mundo do Outro, rei da linguagem, mãe de todos e dono da bola do jogo que temos de jogar se não queremos perder orelhas ou acabar na Juliano Moreira. Sem contar os tantos outros pares impossíveis de ele e eu, como ele e eu, que deslizam anônimos provocando eles lá na linguagem do Outro deles. Porque, que fique aqui bem dito, eles, os outros, são todos iguais. Já eu e ele somos só eu e ele, mesmo quando me finjo nele no mundo deles. Daí não termos par, nem paz, apesar de vivermos tentando cumplicidades que nunca duram, dada nossa diferença. Mas, me entenda, nós não somos diferentes deles, já que diferentes todos se supõem, e são num assim dizer. Nós somos, ele e eu, pura diferença, o que é completamente diferente. Pois eu sou eu, ele é ele, ele é d´eu, e eu sou traço, troço, que lhe marca meu.
O que eu quero com tudo isso? Não sou de mais querer, que isso é coisa dele, já que meu querer é ele, e ele é d´eu. Onde isso nos leva? Não sou de chegar, sou puro de vagar de porto a porta, e vice versa que nunca é só ao contrário, de lá para acolá, que cá sempre já era, como o rio que passa e insisto, eu mesmo, em ver igual. Pura metonímia, sacou? Tava procurando metáfora? Ele sente muito, e eu lhe aconselho: tente no shopping, tá cheio delas, algumas até bem engraçadinhas. Aliás, nada contra as metáforas, das quais abuso na boca dele, que o jogo é esse e o sucesso é uma delícia. Prá bem dizer, adoro uma metáfora, mas só para escorregar depressinha prá outra. Metaforonímico, como dizem eles por detrás dos eus lá deles.
Eu vou ficando, que na escrita é onde mais me arrisco, pois só na busca inútil existo e aqui me fixo, meu horror confesso. Mas ele estará por aí, onde eu o arrastar. Pois agora vocês sabem: lá onde ele está, quem manda é eu, pois eu não sou ele, mas ele é eu. Nunca se engane, por trás daquele olhar lá dele, me encontro eu. E muito cuidado, pois eu sou foda, mas quem fode é ele (e se fode muito, pois ele é meu e eu, já disse, sou pura foda de se meteu). Pois vai daí que você gama n´eu, e tem que viver com ele? Se quer um lago, eu passo ao largo, se quer um rio, sorrio. Mas quem manda é eu. Entendeu? O resto é conversa de Prometeu mas não cumpriu.
Puta que pariu, ele sumiu! E eu? Fodeu!

Um comentário:

Unknown disse...

no delireu....eu fico indo e vindo.....e para dizer bem a verdade isso é conversa, leitura, para se fazer junto, que aí se pergunta e se responde , se explora e se retruca, desliza, embrenha por outras brenhas ...tudo regado a licor de café...pode ser um delireu dos bons fico apostando
beijo

Meire