terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Mails meios médicos


Os dois mails seguintes ainda fazem parte da época em que, em vez de blogar, enchia a caixa de entrada dos amigos com mails intermináveis. Vale lembrar que cheguei em Barão com duas prioridades prioritaríssimas: um cardiologista para meu coração enfartado e um psiquiatra para dar remédio ao irremediável. Como no mail anterior se percebe, estava vendido para a máfia de branco. Os dois mais a seguir, relatam esses dois encontros, e meu progresso nos inícios de 2007. O tom já é outro.
Mail 1
No meio do caminho tinha um médico....
No meio do caminho tinha um médico,
tinha um médico no meio do caminho..


Pois vinha eu todo animado, montando minha casinha sob o olhar indiferente, mas solidário e judicioso, de Pipoca, agora by appointment of HMQ, caminhando cheio de saúde nas manhãs interioranas de Barão mesmo quando o ligeiro chuviscar umedece o prazer, batendo perna o dia inteiro em um entra e sai de lojinhas, brechós e assemelhados, comendo minhas verdurinhas a me fartar, diminuindo, por falta de companhia que me agradasse o mais ficar, o tempo de botequim, mesmo que seja lá que ainda começo o mail para os amigos que suponho, por direitos de amizade, interessados nas minhas abobrinhas cotidianas, ou seja, vinha eu comprando saúde e ganhando prazer como não tive por estes lados aí cariocas, quando,em um caminhar distraído, tropiquei no pé de um médico e fui cair no pé do Pai.
Ecocardiografado antes do tropicão, o exame só revelou que noves fora o velho infartado deu coraçãozinho rejuvenil, tudo que resta resta nos conformes."Aleluia, Senhor", precipitei-me em alvíssaras. Pois dobrando a esquina da clínica onde me diagnosticavam o cardíaco, numa sala com ares de academia, me esperava uma esteira, e não daquelas dos doces repousos praieiros onde nos fritamos, e "foda-se o câncer de pele", nas areias daí. A dita rolava.
Devidamente conectado a n fiozinhos indecifráveis que me umbilicavam a máquinas cheias de luzes e gráficos, de short, sem camisa, cara de herói, declarei-me pronto para o que viesse a rolar.
E aí, eu que pago para não me mexer muito (a agitação baronesa é novidade e meio terapêutica), fui colocado na rolante coisa e feito caminhar. De início, piano, piano, que como acredito, se vá lontano, lonjura que sempre me pareceu de bom tamanho. Mas o maestro cardiopata queria mais: a coisa começou a rolar em outros ritmos, allegro ma non troppo, allegro assai, ritmos crescentes que minha inaptidão física, e mental, foi cada vez mais ousando reclamações bufantes, rebeliões nas pernas, ofegâncias ruidosas e várias outras provas cabais que não fui feito para tais caminhares e jamais chegaria aos allegro vivace previstos sadicamente pelo, agora me parecia, rapinoso doutor que comandava a traquineta.
O doutor, que em outras eras, quando menos poderoso era o Saber do Sujeito Médico, me recomendaria sombra e água fresca, coisa que muito me agradaria, a perspectiva da rede, água de coco e uma mucama a abanar meus ais, pois o douto homem, sendo moderno e sabendo que a Síndrome de Caymmi só produz poucas músicas e muitos filhos músicos, não permitindo, destarte, uma vida produtiva normalmente classificada,o doutor, dizia, só faltou me rebaixar, com olhares cheios de entrelinhas, para sei lá que categoria mereciam minhas inaceitáveis inapetências físicas. Tascou-me um olhar, sem entrelinhas, severo, considerou com os botões de seu jaleco ofender minha falecida mãe, mas, como é da práxis onde aprendeu brincar de médico sem assediar priminhas, voltou seus canhões de navarone, todos de grossíssimo calibre, contra aquela coisinha, de calibre mínimo, cheia, não de pólvoras estrontandes, mas de mais de 4.700 substâncias tóxicas que ainda ouso pitar.
"Fumante idiota!!", fuzilava sua feição falsamente bonachona, "estúpido tabagista" roncavam suas entranhas revoltadas, enquanto que, com caras sérias e apropriadas à ocasião pré-funesta, dize-me, o bom doutor, "Temos que conversar como homens sobre a questão do cigarro". Quase soltei um gritinho, ais manhosos, bicha lagartixa esganiçadamente gritando "Homem? Homem? Onde?" Onde?". Mas sabendo-o moderno e sem preconceitos, percebi que condena e salva a todos, independente da viadagenm de cada um. Cigarro NÃO!!!
Mas como para ser Homem é preciso sempre um a+, tascou-me uma requisição para um exame complementar, onde cintolografarei nuclearmente(brilharei, depois, no escuro? o vagalume em mim se alvoroça!), depois do qual teremos nosso encontro no OK Curral de sua clínica, onde a terrível conversa de homem para homem se dará. Será um duelo de Vida e Morte, ambas só minhas, que ele não é besta. E, conforme avisado pelo cardiologista mais rápido do Oeste (vcs sabiam que Campinas é a Princesinha do Oeste? Depois reclamam da fama de viado!), neste duelo deverá falecer o meu antigo companheiro, o cigarro. E com isso abateu-me.
Sorte que vou ao psiquiatra hoje. Quem sabe me livro deste louco.
Beijos ofegantes,

Zédu
Mail 2
De médicos e carambolas

Caríssimos leitores, a saga continua.
Como vocês bem sabem, saí do Rio louco para consultar um psiquiatra (ooppsss!). Afinal, como temia o chefe do Asterix, o céu havia desabado sobre minha cabeça e a depressão inevitável me aguardava nas esquinas supostamente tranqüilas de Barão.
Dito e feito. Nem bem coloquei os pés na nova terra e já saí pedindo recomendações à minha infectologista: um cardiologista e, please, um bom psiquiatra. Impressionada com meu triste caso, indicou uma lista de possíveis cardiologistas e o psiquiatra para o qual costuma indicar casos difíceis. Confesso que fiquei feliz ao me ver um caso difícil; afinal, quem gosta de ser fácil?
Vai daí que logo em seguida tentei agendar os doutores. O cardiologista, do qual já ouviram falar, foi moleza, tanto que já estamos íntimos ao ponto de termos conversa de homem para homem programada. O "encolhedor de cabeças" foi mais complicado; apesar de meus apelos sobre a urgência do caso, o sr. dr. só tinha horário para hoje, 18 dias depois do início do ano que despontava no horizonte sombrio.
E aí fui tendo que tocar minha vida sem psiquiatra. Descobri os passeios matinais, a paz interiorana e quase a interior, curti o montar a casa e ser dona de casa de mim mesmo (minha empregada, graças a Deus, não é nenhuma Maria, é só uma empregada, boa, por sinal), dei de comer bem, alegrei-me com Pipoca e sua liberdade recém adquirida, ou seja, não me sobrou espaço para lembrar da depressão inevitável.
No entanto, como sabem por capítulos anteriores, ontem o cardiologista abateu-me ao ameaçar cortar meu direito à chupeta. Eu, que vinha dando tratos a bola para descobrir o que falar para o psiquiatra (além da história acontecida, cada vez mais história acontecida, um pouco de problema com o sono, mas nada de grave, nenhuma atonia, nenhuma falta de vontade de me mexer, banhos adiados, barba por fazer, nenhum ensimesmamento, sem pesadelos nem sonhos horríveis, enfim, nada que pudesse carimbar a minha esperada depressão) me sentia meio ridículo; mas, como a Unimed é quem pagaria, e como o sono andava me enchendo o saco (apesar de ser o responsável pela descoberta de que existe vida possível antes do meio dia), a consulta manteve-se marcada.
Ontem, para alívio meu, abateu-me seu, dele psiquiatra (que língua a nossa), colega do coração. Voilá! veja Zédu, como você anda frágil; qualquer ventinho contrário te abate. Isso é coisa de louco.
Abatido, saí fazendo o que venho curtindo fazer: comunicar vocês. Para minha surpresa, o mail saiu gracioso, bem pouco abatido. Mas não dei o braço a torcer (na realidade, espremi meu dedo fechando a porta do carro, o que faz este digitar mais difícil que o normal, dada a batata que o fura-bolo direito ainda está): estava abatido e pronto!
Hoje, dia chuvoso como soem os dias de 2007, propício à melancolia, caminhei de capa de gabardine e guarda-chuva com Pipoca, que se incomodou mais do que eu com as condições atmosféricas (vou comprar uma capa para ele), tratei de assuntos domésticos, almocei fartamente e preparei um abatimento, que já não sabia mais onde encontrar, para relatar ao psiquiatra. Queria remédio mas não sabia, ou não me lembrava mais, para que doença.
Consulta começada, relatei com a verve falastrona que me caracteriza, minha história passada, meus presentes e minhas pequenas queixas. Ouviu-me atento o Dr. Celso e ao final, só não me mandou passear porque médico não faz isso. Na mosca diagnosticou minha ida como preventiva de algo que ainda nem tinha dado sinal de nascença, e que, segundo sua escuta, talvez nem venha a nascer pois me achou competente no trato que venho dando às bolas desta coisa toda. Agradeceu a preferência por eu haver decidido tê-lo em meu caderninho para emergências futuras, receitou-me uma bobagem qualquer para ajudar-me com o sono e me mandou buscar minha turma, retomar a Psicanálise (vejam bem, não me mandou fazer análise, recomendou retomar a Psicanálise e, assim, conhecer pessoas e adquirir interlocutores, coisa que muito me falta ainda por aqui). Desabati-me no ato.
Voltei para casa, coloquei a coleira no Pipoca e fomos para rua, já que estiava naquele momento. Passando pelo hortifruti que há quase em frente de meu edifício, entrei e comprei meu jantarzinho: salada e frutas. E, entre as frutas, além das maçãs, uvas, nesparinas, comprei carambolas.
Ora bolas!
Bjs,

Zédu
.......Com esse mail, começou a coçar em mim a idéia de poupar os amigos e ampliar o espaço da escrevinhação. Tudo começa a tomar outra forma; outras possibilidades de me vingar da perda se apresentam.

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