quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Tudo ilusão I (com John Fowles)




John Fowles, em seu livro The Magus, conta a seguinte fábula:




"Era uma vez um jovem príncipe que acreditava em todas as coisas menos em três. Ele não acreditava em princesas, não acreditava em ilhas, e não acreditava em Deus. Seu pai, o rei, havia lhe dito que essas três coisas não existiam. E, como não haviam princesas, ilhas, ou qualquer sinal de Deus nos domínios de seu pai, o jovem príncipe acreditava nele. Mas, um dia o jovem príncipe fugiu de seu palácio e foi até as terras vizinhas ao reino de seu pai. Lá, para seus espanto, de toda a costa se avistavam ilhas e, nelas, estranhas criaturas, tão diferentes que ele não ousava nomeá-las. Quando estava procurando por um bote, um homem vestido com um camisolão se aproximou dele na praia. "Aquelas são ilhas de verdade?", perguntou o jovem príncipe. "Claro que são ilhas de verdade", respondeu o homem. "E o que são aquelas estranhas criaturas?", inquiriu o príncipe. "São todas princesas autênticas e genuínas", afirmou o homem. "Mas, então, Deus deve existir também!", exclamou o príncipe. "Eu sou Deus", replicou o homem vestido de camisolão cheio de estrelas, fazendo uma mesura. Perplexo, o jovem príncipe retornou a sua casa o mais rápido que pode. "Então você voltou", disse seu pai, o rei. "Eu vi ilhas, princesas, e até mesmo Deus", disse o príncipe em tom de reprovação. O rei não se abalou e disse: "Não existem ilhas, nem princesas de verdade, muito menos Deus". "Mas eu os vi", insistiu o príncipe. "Diga-me, como estava Deus vestido?", perguntou o pai. "Deus vestia um camisolão", respondeu o príncipe. "Por acaso ele tinha as mangas estreladas?", perguntou o rei. Depois de pensar um pouco, o príncipe confirmou que assim era a veste de Deus. O rei sorriu e disse simplesmente: "Você foi enganado. Esse é o uniforme de um mágico". Com isso, abalado, o príncipe retornou às terras vizinhas, dirigiu-se para a mesma praia, onde mais uma vez encontrou o homem de camisolão. "Meu pai, o rei, me contou quem você é", disse o príncipe indignado. E continuou, "Da última vez você me enganou, mas não mais. Agora eu sei que aquelas ilhas e princesas não são reais, porque você é um mágico". O homem sorriu. "Foi você quem foi enganado, meu bom rapaz. No reino de seu pai existem muitas princesas e ilhas, mas como você está sob encantamento dele, você não pode vê-las". O príncipe retornou pensativo ao lar. Quando encontrou seu pai, olhou firme em seus olhos e disse: "Pai, é certo que você não é um rei de verdade, mas só um mágico?". O rei sorriu compreensivo. "Sim, meu filho, eu sou só um mágico", disse arregaçando as mangas de sua veste emostrando a roupa estrelada por baixo. "Então o homem na praia era mesmo Deus", disse o jovem. "O homem na praia era só um outro mágico", replicou o rei. "Mas eu tenho que saber a Verdade, a verdade além da magia", disse, desesperado, o príncipe. "Não há verdade além da magia", respondeu o pai. O príncipe, que estava tomado por uma tristeza profunda, suspirou e disse: "Então eu vou me matar". O rei, por mágica, conjurou a Morte e fez com que ela aparecesse no umbral do aposento aonde estavam. De lá, o vulto chamou pelo príncipe. O príncipe tremeu. Ele lembrou das ilhas e princesas que havia visto, lindas apesar de irreais. "Tudo bem", ele disse, "eu acho que eu posso suportar a vida". "Você vê, meu filho", falou o rei seu pai, "você agora começa também a ser um mágico" (trad. livre do original em Fowles, J., The Magus, revised edition, Chatto, Bodley Head & Jonathan Cape Ltd., London, 1977, p.551-552).




E, como a magia é uma ilusão, tudo ilusão. CQD.

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