quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

O primeiro post a gente nunca esquece (Pipoca)


Escrever é se vingar da perda (W. Salomão)
...Este mail foi composto nas vésperas da passagem de ano. Originalmente destinado a muito poucos, foi se estendendo em correspondentes e, se modificando na medida de meus novos reconhecimentos. Mas fundamentalmente é o mesmo mail que enviei para os poucos poucos na antevéspera de 2007.
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Meus poucos queridos,
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Hoje, fim de um ano que rolou ladeira abaixo para mim, me deu vontade de compartilhar com vocês um pouco do que tem sido esse meu rastejar em direção ao cimo do barranco donde se descortinará 2007. Vejam que apesar do ofídico do rastejar, animal peçonhento e pecaminoso como outro jamais houve neste Paraíso em que vivemos, rastejam também os soldados que tentam conquistar uma cabeça de praia (ecos da Normandia), desde onde agruparão forças para as batalhas que virão, sabendo que esse desembarcar é a batalha decisiva; o resto é só guerra, normal como só um soldado pode considerá-la. Assim rastejo, em busca de uma cabeça de praia no alto do promontório do primeiro de janeiro de 2007, em busca de uma cabeça que virou quebra-cabeça e que venho, nem sempre com infinita paciência, tentando remontar, e sem garantia que, tarefa acabada, reconhecerei a cabeça que venho construindo nos últimos 58 anos; é provável, e muito desejável, que ela venha a mesma mas diferente, mais sábia, mais forte, um pouco mais triste talvez, mas menos no que nela havia de mais e excesso. Esses são meus votos, que não ousam ser promessa, para mim mesmo perante vocês.
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Os dias correm cheios de pequenas, e grandes, providências práticas, o que me permite ligar o piloto automático e tocar o bonde que já não há em Campinas (os havia quando daqui parti). Pipoca tem sido, com sua mudez analítica e sua alegria canina, analista, personal trainer (caminhamos muito pelos gramados que aqui abundam e fazem-no, ao Pipoca, supor-se em alegres férias campestres). Pessoas vejo poucas, são todas muito atarefadas para despenderem tempo com um semi-suicidado na borda do precipício de uma depressão (com a honrosa exceção da Nina, que cheia de cuidados para não romper limites que não nos são claros, está muito presente, em falas, cuidados e ajudas; Bruno, meu filho tornado homem, também, ligando quase todos os dias para saber do pai, enfim minúsculo, e me dar conselhos com aquela sabedoria que só temos antes dos trinta). As festas me incomodam, pois para elas não estou (ainda), mas acabam hoje e as sobreviverei. Os médicos, do coração e da cabeça, ambos partidos, me aguardam em consultas marcadas para os inícios de janeiro, pois a eles recorri sem prurido, admitindo minha incapacidade de remendar-me sozinho. Mas médicos não substituem amigos, mesmo que no momento eu talvez estivesse um amigo meio chato e pesado de carregar, mas, afinal, amigos não são para essas coisas também? Saudades dos maternos carinhos da Anna (única a me ligar até agora; sintam-se cobrados, Ó resto ingrato), de sua risada escandalosa, do meigo que se derrama de seus olhos, da força dos abraços, do estalar dos beijos na bochecha. Sinto falta da crueldade anti-humanista do Jorge, tão bem temperada pelo otimismo maluquinho que sempre me fez muito bem. Sinto falta de suas conversas, onde os planos tintam de rosa qualquer futuro que se apresente sombrio de início; sinto falta dos beijos do amigo, de ficar puto por que ele esquece que marcou comigo e de me alegrar quando o Presidente do INPI finalmente chega, encaixe de agenda que sei carregada. Sinto falta do gay de todos vocês. Sinto falta da Maria, sábia conselheira sem frescuras e deformações intelectuais, amiga importantíssima no período crítico que já venci, e que nunca lerá esse mail por não ser internética (Anna, se puder tire uma cópia e entregue na Dias Ferreira, 669; se o número não for este, qualquer número por perto saberá o prédio da Maria, mulher de seu Zé, porteiro de edifício). Sinto falta do Azeitona e suas abobrinhas botequinescas; das pessoas todas e tantas, que ao nomear umas poucas estou certo de esquecer outras tantas, mas isso desculpa-me minha idade e meu estado dálma; assim, lembro de Christininha, Léo, Ricardo, do enorme coração do Azeitona, da cara de alemão do Peter, de My Boy e suas aterrissagens forçadas, dos meninos que tanto me serviram, mas principalmente do ambiente inconsequente, alegre, ainda que chato às vezes, acolhedor pelo todos reconhecer. Sinto falta! Sinto falta da amiga distante que não pode tocar castanholas para mim (mas que coloco ao meu lado escutando muita Buika), da Lúcia com sua cachorrada em Itaipava, e de alguns outros que não sei nomear agora. Amigos novos que fiz no olho do furacâo, como Cássio e Carol, responsáveis pelas minhas primeiras boas risadas depois de tudo; Lara, que queria ter podido acarinhar muito mais, pessoas que com o tempo, diferentemente de vocês, se perderão nas estradas da vida, mas nunca no meu coração.
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As noites derreto meu cérebro frente a televisão, máquina muito útil quando é isso que dela se espera. Juntinhos, Pipoca e eu assistimos crimes horrendos, dramas românticos bobinhos, só nos recusando, por exigência do Pipoca, a assistir novelas, que dizem que isso vicia. Como para me alimentar (mal), mas ainda sem prazer do paladar. O duro é o ir dormir. Não que os remédios não me apaguem de pronto, ou quase isso, pois assim o fazem. São os malditos sonhos, incontroláveis restos diurnos de dias intermináveis e abomináveis, que me agitam a noite toda, me acordam para que deles eu possa me livrar (e me deixam com o problema de, lembrando deles, tentar dormir novamente assim mesmo), até que em alguma hora matutina, beirando a indecência, para meu gosto, acordo e não durmo mais. Isso pode ser 5:30, 6:00, ou 6:30 quando dou mais sorte. Acordo cansado das lutas sonhadas, remédios ainda não bem metabolizados, achando, a cada dia, que assim não vou agüentar (mas venho agüentando, como podem perceber). Sei que isso passa, sozinho ou na porrada medicamentosa, mas passa. O duro é o esperar passar.
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Fora isso, tudo é resto e nada ainda se conformou. Remendo-me, quase a lá Bispo do Rosário, esperando construir um belo Frankenstein (??). Mas, seja o que vier, o amigo Zédu restará, um dia, em paz.
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Mil beijos,
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Zédu, ou quase Isso.
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Depois deste mail, algo de muito estranho aconteceu. Sem me dar conta, de repente eu me sentia, mesmo, como ali dizia me sentir. O escrito, já banhado no litoral onde foi lançado aos outros, lambido por ondas virtuais e refluxos dos destinatários, o escrito me escrevia, ainda que em traços rasos, mas ali me via inscrito no que restava do mail ofertado aos meus iemanjás queridos. Eu re-tornava apa-lavrado, semeado em letras que foram minhas.
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Dia 31 de dezembro de 2006 virou, realmente, meu dia D, e naquele litoral normando, eu engatinhava, por recém escrito, colina acima, pronto para, em 2007, enfrentar os "alemões e seus canhões", como diria o menino do Chico. 2007 prometia, me garantiam as palavras já lav(r)adas., a normalidade da guerra contra a incerteza do desembarque.
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E 2007 chegou, e continua. E, ao invés de "alemões e seus canhões", fui encontrando sabiás laranjeiras, andorinhas em sua terra, velhinhos nas varandas, outro tipo de passarinho que conheci, que a velhice nos cria asas e nos prepara anjos. Encontrei uma cidade do interior, e outra no interior. Um mundo que, de tão pequeno, me afoga em zilhões de detalhes que nunca terei tempo de esgotar. Uma casca de noz, um universo.
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Na praia onde despertei de meu naufrágio sobredito, era segunda-feira, e a semana começava em Ano Novo.
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O tom soturno, sério, ainda meio enquadrado à tragédia onde naufragara, desaparece dos mails seguintes, e surge, caudalosa, a vontade de saborear as história, sabê-las, fruí-las. Vontade de carambolas.
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Os dois mails seguintes, que aqui serão postados neste meu devido tempo, demonstram um pouco disso. E se constroem em risos, ironias, inocentes maldades, tudo que compõe, enfim, o humor. E marcam, meio mais ou menos, que nem tudo se resume a isso aqui, o fim dos tantos mails para tantos poucos, e a possibilidade de gozar com um blog que ainda não era.
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Foi então que, logo depois, comecei a carambolar leitores e exercitar a verdade do poeta:
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"Escrever é se vingar da perda" (Waly Salomão).




A figura é uma caricatura meio sacaninha porque antiga. Vai ver que é como desejo continuar me vendo. Feita em Firenze, paguei para ser agradado. E fui.

2 comentários:

Anônimo disse...

Em meio a tanto trabalho, Pipoca me chamou pra ler esse primeiro Post. Valeu, Pipoca, concordo que novela não vale a pena... Tomaremos um chopinho na minha próxima ida a Cps. Como é mesmo o nome do bar? Lá na General Osório e hoje com tantas filiais? Esqueci...
Bjs
Leila

Anônimo disse...

Parabéns por tudo o que vc conseguiu nesse 2007 que acaba de expirar. Votos de novas e importantes conquistas em 2008.

Bj.
Neuza.