quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Desejo, Morte e Carambolas? Cáspite!


Desejo, Morte e Carambolas? Se existe alguma dúvida sobre o título do blog, esta será, sem dúvida, sobre o que, by Jove, fazem as carambolas metidas entre coisas tão sérias como o Desejo e a Morte. Mas garanto que, se o blog for bem sucedido em contar sua história, no final as carambolas deverão estar devidamente frutificadas, e cheia de sabores, nos nossos desejos. Mas sempre é bom lembrar que Aurélio nos diz que carambolar é enredar, iludir, enganar. Portanto, cuidado com as carambolas, são nelas que reside o sabor e o perigo.


Já o Desejo e Morte, não os desejos e as mortes cotidianas que habitam nossa realidade, são coisas siamesas desde sempre; desde que, apesar, e just pour cause, da Morte, o Desejo se fez na Lei que o barra da Coisa que o causa. Desejo de Morte, diz a Psicanálise, motor e sentido do nosso sujeitar-se, desde sempre barrados, um sobre a outra, ou vice versa, Desejo/Morte, em volteios de significação. E daí, por existir a barra que as impede o destino, os pequenos desejos ávidos de objetos que nunca os satisfazerão, os shoppings, as trepações e os tropeções, e a desvairada evitação das maiúsculas conseqüências de assumir o obscuro objeto do Desejo: a Morte. Norte do Desejo, a Morte é o impossível com om qual o sujeito se conforma em não saber.

Às vezes, meio que raramente, a barra, em um sujeito, se desfaz e o Desejo, liberto do que o impedia, funde-se, e perde-se, na Morte fim do sujeito. E quando, a um outro sujeito, é dado o observar esse encontro, fugaz e definitivo, a coisa se passa como o participar de uma explosão nuclear, partícula/anti-partícula em colisão, é um quase observar o caos fundamental, é vislumbrar o Real. E o brilho do Real da Coisa desse atravessamento indevido, a onda de choque ensurdecedora que daí resulta, causa, com sua violência, estragos consideráveis nesses pobres observadores, pois nunca o são por vontade própria. Diferente da mulher de Lot, fixada em sal por ousar olhar, esses observadores, talvez por inocentemente desprevenidos olharem o que não se pode ver, saem deste encontro com a magnífica Insignificância do Real, não congelados, nem paralisados; saem estraçalhados, aos pedaços. E tão mudos como uma estátua de sal. Talvez, no fim das contas, mulheres de Lot afinal, mas diluídas nas águas da tormenta que os desforma.

E Isso não tem remédio. Pois, insignificante, o Real congela as palavras e não o falante aos cacos, e se recusa à conformação dos significantes e significados que, em repertório, nos construíam antes do encontro. Depois do estrago, Isso não cola mais.

No entanto, ainda que em quebra-cabeça, o observador resta, atônito, atônico. E no átimo seguinte, quando o Real já voltou para as profundezas que nos escapam e fascinam, a tarefa, necessária, do remendar-se, tem que ter início. Os cacos têm de ser recolhidos de alguma forma, algum manto que nos cubra em realeza tem de ser tecido, algum sujeito, pedaços do mesmo feito resto, tem de conformar-se, novamente. O que não tem remédio remendado deverá estar.

Alguns, despedaçados por várias outras razões, nunca terminam seu manto e tecem-no sisifismicamente. Chamamo-os loucos; internamos a maioria e à maioria não queremos olhar, que a loucura, coisa nossa, se faz melhor esquecida. Mas, dependendo da beleza da tessitura, da arte desvairada dessa eterna busca de si mesmo, podemos até elevá-los, ainda loucos, bem acima de nós mesmos. Bispo do Rosário, Van Gogh, tantos outros malucos beleza, que demonstram que a falta da ortopedia conformadora, seja como em Bispo onde ela nunca houve, seja no auto-despedaçamento de Van Gogh e seus mantos de tinta, nos prova que, ainda que despedaçado, há sempre um sujeito disperso nos cacos e orelhas sem ou(l)vido. Mas sujeitar-se ao ser dos pedaços é coisa de louco. E a loucura, a bela ou a fera, não é para qualquer um; não é escolha, nem caminho, mas determinismo da história de alguns.

Assim, nosso despedaçado observador, ainda aturdido pela explosão muda que lhe assoprou para bem longe todas as letras, tem que se apressar, rapidamente remendar-se, já que remédio não há. Chegar a um fim, revirar-se e tentar começar uma nova mesma odisséia com os pedaços do que findou. Mas, se na odisséia de cada um, somos, ao mesmo tempo, Ulisses e Penélope, somos também, e principalmente, Homero, autores de nossa própria mitologia, mestre das palavras que nos contarão, ulisses e penelópes, bem ou mal-ditos.

E foi em um destes encontros com o horror da Coisa, num observar a explosão de um Desejo de Morte feito ato, im-pulsão sem retorno, que perdi a palavra em cacos de mim mesmo. E balbuciei por dias fingindo ser o era, mesmo sem, no sendo, me reconhecer. Aos poucos, fui indo; primeiro colhendo as palavras dos outros que me rodeavam em falações e carinhos significativos, depois, quando os abandonei para vim ser o que ainda serei, no contar-me em mails, aos poucos mesmos outros. Recuperava as letras, as palavras, o dizer de (um) mim e ia me tornando o personagem de minha própria escrita e autor de meu novo testamento, José de Arimatéia de meu calvário. Cada vez mais, passei a acreditar no que estava escrito, como no jogo do bicho, e dar melhor conta, e conto, das sete cabeças que, às vezes, ainda penso ter.

Assim, no reinício eram os mails, alguns enviados, outros, envergonhados, restavam no caderno onde me compunha em rascunhos. Aos poucos fui me dando conta que o fio que puxei era ponta de um novelo imenso. E que havia que poupar a caixa de entrada, e o saco, dos amigos. Soltar meu novo umbigo das amarras de minhas vergonhas.

Daí a idéia do blog, coisa que até agora não sei muito bem como usar, mas que será assim mesmo. Um quebra cabeças para muitos e, com esperança apalavrada, um remonta cabeça para mim. E na ordem dos meus desejos, o progresso do blog se obrigará. Arquiteto maluco, começarei pelas bases, telhados e mobiliário, tudo em um mesmo tempo. Quem acompanhar verá os andaimes de minha construção. Retraçarei, na ponta da caneta onde sempre começa o que depois torna-se post/poste/totem, a barra que reacomodará, ao fim e ao cabo, o Desejo e a Morte, novamente conforme os ditames da Lei.

As carambolas? Ora bolas, são frutos do pomar que também já comecei plantar.

Um comentário:

Unknown disse...

Oi Zédu,
Ahhhhhhhh escrevi até ...esbarrei perdi tudo ..raiva danada que eu fiquei. Então resumindo, dizia que colho em seu texto as carambolas,mesmo porque você está a caminho delas e é lá que me encontrei com você. Sei que elas estão sempre submerças em calda de desejo e morte. É assim. Força muita força.
Beijo

Meire