sábado, 13 de dezembro de 2008

Gilza por detrás da Lua


São raros os dias em que não me lembro dela, nem que seja por alguns segundos, no antes de dormir, no momento da avaliação do dia e, principalmente, no de sonhar o amanhã. Mas sempre é uma coisa fugaz, um pensamento que vem e se assopra fora por si mesmo. Não tenho lembranças insistentes, só as que quero lembradas e as que me referenciam nessa vida que inaugurei depois que a morte nos separou.
Mas hoje foi diferente, hoje é data marcada, a ferro e brasa, em meu calendário perpétuo. E, hoje, com ela meio cicatrizada, estava eu no Frango, solitário como fazia muito tempo não me permitiam os chatos do lugar. Caderno em punho, cerveja gelada, Pipoca particularmente carente e demandante (sabia? às vezes penso que esses bichinhos são mais do que os supomos e sabem das coisas que nos vão pelas almas), IPod no ouvido,
Antonio (bela recomendação de Nina) para ler, a noite começava com uma tentativa de fazer dela uma outra noite no Frango, igual a tantas outras, só aproveitando a solidão, atualmente tão rara por lá, para deixar vazar os pensamentos e, quem sabe, algumas linhas escritas de que ando tão saudoso. O livro permaneceu fechado, os ouvidos atentos, mais ou menos flutuantes, a sede de sempre sendo aplacada, ela comigo naquilo que dela em mim restou.
De repente, assim sem que eu esperasse, uma baita lua cheia clareou o detrás das árvores que de lá se avistam. E a traquitana ipódica, meio como em combinação com os astros, começou a tocar Nana Caymmi, na Voz e Suor que gravou com César Camargo Mariano. Aí me rendi, cometi soneto, eu que vinha seco e mudo nas coisas da escrita.

O soneto já postei, no bom ou ruim que não me interessa, na certeza de tê-lo feito pra Lua, não a minha em Escorpião, mas aquela que me surgiu em Barão no dia da morte dela. Invadiu-me, a lua, os espaços de uma minha janela imaginária, a mesma que tanto me assombrou no logo após do acontecido, a mesma que me fez pensar, sempre, nessa mistura insólita do Desejo, Morte e Carambolas.
Pois a Lua fez-se, da maneira que só uma enorme lua cheia é capaz, anteparo da janela que, da Lua em diante, nunca mais restará aberta para um nada. A minha janela que não era mais a dela.
Aí, quando me dei conta do muito que havia mudado, do caminho já bem andado, da alma assossegada, Nana assoprou em meus ouvidos Isso e Aquilo. E percebi que, fosse como fosse, era ela quem cantava, isso e aquilo, sobre a ferida que não mais doía e a libertação das promessas que descumpri. E era ela, só podia ser ela.
Pois se dela aprendi as árias que não conhecia, a possibilidade da ópera que não tive tempo de saber saborear, Voz e Suor foi a disco que ela marcou de mim, desde o início de nosso conhecimento, CD que tocava com uma insistência que era só dela, no carro, na casa dela que depois virou um pouco minha, sempre que ela tinha a chance da escolha. Por isso, Isso e Aquilo soou como recado dela, como um cantar que vinha por lá detrás da lua cheia, falando da ferida que nunca mais doeu, nela.
Terminei sozinho na mesa do bar até ser delicadamente expulso por urgências que a isso tudo desconheciam. Em casa, com a Lua ainda anteparando a janela, compus o filme que aqui posto, esse Isso e Aquilo que ela me disse, só porque sempre gostou de mim. Pipoca parece que entendeu, se aquietou. Eu, me emocionei e vou pensar n´Isso.
Vocês? Sei lá.




5 comentários:

Folhetim disse...

Zé,

Faz-se doce perceber que em datas como essa, em que a tua saudade torna-se mais intensa e sentida, as lembranças da Gilza tomem corpo na suavidade de uma música, na lua que se esconde por detrás das árvores ou em delicados escritos de um postal, como deu-se no ano passado.

Tenho um sono mais tranqüilo
Do que isso e aquilo
Que você me prometeu
E a verdade mais doída
É que o rasgo da ferida
Nunca mais doeu.

Que assim seja!

O texto e o filme são vastos em encanto e emoção assim como a lua que os ilustra e a beleza de quem os fez.

Um beijo,
Inês

Anônimo disse...

Tudo isso é muito lindo e triste. Mais, não sei dizer.
Kátia

Zédu disse...

Obrigado, Inês. Obrigado, Kátia, que não conheço.
Acho que o importante é quando conseguimos alguma beleza de algo que é intrinsicamente triste. Não que a beleza apague o triste, muito pelo contrário, mas fala de um luto, de uma luta e de uma vida que seguiu. Obrigado por terem olhado assim comigo.

Anônimo disse...

Que a Gilza descanse em paz.
Alma grave, fina flor.
Pois a ferida cicatriza
e permanece a infinita dor.

Zédu disse...

Só eu sei o valor do comentário acima.
Dos versos e da Gilza que Nina também conheceu, um pouco suficiente. E de mim, que Nina conhece um quase tudo que, nessas horas, é quase tudo.
Obrigado.