quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Cicatriz

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Dela tomei o gesto e o gosto torpe,
a tempestade e o sangue,
o grito surdo, a palavra muda,
o terror e o vulcão voraz
a infinita surpresa atônita

Nela, sorri felina verdade,
amargo encontro desencontrado,
o olhar negado, o recolhido gesto,
um antes acabado
em sabor de resto
e o oferecido pulso, cicatrizado.

Dela tomei a seiva rubra
escorrida, coagulada
e o colar sem pérolas,
tatuagem riscada;
a corda, o quase, e o talvez falhado.
Inconfidência enforcada,
vergonha, nudez, nada.

Dela inventei um gosto
roto,
de boca não beijada,
de solitário arrepio de um abraço
nunca dado;
a dor, o amor e o fracassado

Nela, restei e vi
a desistência,
e desisti de repetir
o acordar maldito,
o terror não escrito,
os pontos cegos.
E aprendi estranho Isso
que nela ouvi.

E nela, fiz-me
novamente again
pela primeira vez.
Insistência atenta,
tateares tontos,
bêbados passos,
precários equilibrares,
equivocado no oco
louco
que nela vi.

Por ela um eu passou-me
e fez-se pra trás, distante
deste outro mesmo agora diferente,
que o, dela, instante,
equilibra abismos,
e vive muito bem
dela pra frente.

Dela, guardo meu presente
e sou, eternamente,
do gesto heróico,
bardo redundante.

Por ela, sigo adiante.

E ela nela restou.
E dela só ela sabe o sabor
desta história dela
que em nós queimou.

Nela, aposto um risco
que, valendo-me a pena
será, dela, nosso petisco.

E, por ela, me arrisco!


Um dia qualquer do último setembro do último ano do século passado
Postado no final de fevereiro de 2007

2 comentários:

Zédu disse...

Esse poema me é caro por várias razões. Primeiro, gosto dele. Ele foi, nja realidade, o primeirop poema que psicografei, i.e., que jorrou de mim sem pausas, numa madrugada em que o sono não vinha, lá por setembro de 200o.
Segundo, o jorro poético na realidade dizia de um algo mais importante. Tendo sido motivado por um incidente trágico, quase fatal, foi a partir dele que resolvi não morrer e retomar minha vida e, novamente, ousar sonhar futuros que eu deveria construir. Como nomei no post original, foi o dia que resolvi não morrer.
Alguns poucos meses depois do poema eu estava de volta ao Rio, às pessoas, aos amores, à minha vida e ao meu futuro que, ainda que capenga, continuo a construir.

Folhetim disse...

Esse poema me é caro por uma só razão. Sem o que fez dele uma sentença de vida e sem o que nele se definiu, não teria havido para mim os Rio's da tua volta.

Beijo,
Inês