quinta-feira, 1 de março de 2007

Pennies from Heaven

----- Original Message -----
From: glz@heaven.god.cr
To: zedupoca@barao.geraldo.br
Sent: Wednesday, February 28, 2007 6:34 PM
Subject: Pennies from heaven

Meus queridos,

Vocês não imaginam como é difícil passar um mail por aqui. Quase impossível, não fosse a eternidade que dilui o tempo, mas que vocês não desfrutam por aí. Mais fácil fazer como Alan K., que fala pessoalmente com a sua turma, e vive me convidando para baixar com ele (o Fernando diz que o que ele faz é download). Mas como sei que vocês não freqüentam os lugares onde ele baixa, de que adiantaria? Por sorte, outro dia surgiu por aqui um cara que era "muita coisa" na Microsoft (sorte mesmo, não porque eles também não saiam daí, mas é que normalmente vão para o outro provedor, para o outro lado) e, depois de muito conversar com os donos do lugar, conseguiu instalar uma lan-nuvem. Antes só tinha uma linha exclusiva com o Elio Gaspari aí embaixo; até tentei, mas ele mandou me disser que O Globo e a Folha não tinham interesse em meu mail. Mas mesmo com a lan-nuvem, a fila é imensa e a conexão um inferno (que aqui ninguém me leia, pois inferno é palavrão dos brabos). Por isso não estranhem se eu não for assídua na correspondência. E, vou logo avisando: por enquanto só podemos enviar, mas não receber mails.
À pergunta que sei que vocês gostariam de ter respondida, confesso não ter resposta. Mas como aqui o que está feito está feito, peço desculpas, por não responder, e passo adiante. Acho mesmo que vocês deveriam parar com essa pergunta e dar os done por bygone, como aprendi com os gringos por aqui (aliás, dá até pena, mas todo dia chega uma leva de soldadinhos, todos com cara de não saber nem onde estão, nem onde estavam).
Eu estou ótima, como nunca estive na vida. E mais ótima fico quando espio vocês nos jardins de Barão. Pipoquinha me parece super alegre, e o José Eduardo, finalmente, está começando a se cuidar como sempre cansei de dizer que devia (só precisa largar o cigarro; eu, aqui, larguei). Mas só consigo ver vocês nos espaços abertos; às vezes até vislumbro vocês na varanda, um na rede, outro na almofada (José Eduardo, estou realmente admirada com a sua energia nas caminhadas e nos bate pernas pelas lojinhas de Barão). Por aqui, só a M. Curie enxerga através das paredes, e mesmo assim, muito esquematicamente. Não me dou muito com ela; aliás, evito os médicos. Cansei da raça (confesso que, mesmo aqui, onde tudo está perdoado, ainda fico meio possessa quando lembro da Dra. Márcia Rosenthal; mas penso também que, fosse ela mais competente, talvez eu estivesse infeliz aí por baixo, que era meio que uma maneira de ser que eu tinha).Assim, se médicos melhor não te-los, se perde-los, melhor esquece-los (Vinicius riu quando falei isso, e contei para ele que aprendi essas brincadeiras com o José Eduardo; aliás, sempre que nos encontramos falamos, e não conto o que, da Christininha, que é como ele chama lá a sua amiga). Aqui ando com outra turma.
Vejo muito o Fernando, que foi quem primeiro me recebeu e me mostrou o lugar. Vocês acreditam que ele estava na porta me esperando, vestindo um casaco vermelho, e fingiu não me reconhecer? Logo em seguida, escancarou o casaco, mostrou uma blusa azul e caiu na gargalhada. Fomos logo comer brigadeiros caramelados, que aqui se encontram como sonhos, em qualquer lugar (ele pede para avisar à Anna que está banido da lan-nuvem, desde o dia em que tentou hackear o site do BB). Fernando é o pé de valsa do lugar, festeiro e gozador como sempre foi. A M. Antonieta adora ele, e está até aprendendo a dançar gafieira, que ela diz ser bem mais divertida que os minuetos e quadrilhas que dançava com seu marido, o Luís, um personagem metido a besta que não se conforma em não ocupar o trono do lugar (que aliás, já é meio apertado, pois nele sentam três, como vocês sabem, apesar da pomba-gira não ocupar muito espaço). A Antonieta vive convidando o Fernando, e às vezes ele me leva, para tomar chá e comer brioches (apesar de, por aqui, os pães se multiplicarem com muita facilidade, por conta dos truques do filho do Homem, que insiste em seus passes de mágica; pena que o vinho, que também produz em abundância, seja bem ruinzinho, e nem os padres se animam a toma-lo, e acaba sobrando para os santos, todos com infinita paciência para tais criancices).
Algumas pessoas não mudam nada por aqui, como o Fernando (e falo muito dele porque é com ele que gasto, expressão meio sem sentido nessas paragens, a maior parte do tempo; conhecer gente nova demora uma eternidade). Continua, o Fernando, o rei das traquitanas e mestre das invenções maluquinhas: "reorganizou" os arquivos de São Pedro e quase enlouqueceu o velhinho; construiu um "minhocário dos deuses", mas lhe faltam as minhocas que por aqui não há (nem na cabeça das pessoas); inventou de querer montar um ateliê para as "almas peladas" (acho que está ficando surdo como a mãe dele, e o José Eduardo, e confundiu "penadas" com "peladas"; ou então porque, enxuto e movimentoso como está, anda pensando muito em "peladas", pois vive me dizendo querer se mudar para outro provedor, o heaven.ala.mu, onde diz ter mais virgens do que aqui pãezinhos). Assistimos juntos os jogos do Fluminense (quando os há), e as caminhadas de vocês (todos os dias). E como olhamos de cima (Fernando, quando me chama para espiar, me diz: "Vamos para o Google Earth?"), ele vive encarnando na careca do José Eduardo ("Olha pro teu rabo, macaco!", digo a ele rindo, pois os cabelos dele não se multiplicaram, apesar de viver desafiando J.C. pra fazer esse truque).
Outras pessoas, quando chegam aqui em cima, mudam completamente. Como eu, que vivo alegre, risonha, sem me queixar de nada e com cara de deslumbrada até hoje. Nem quando penso no tempo que perdi por aí com bobagens, me entristeço (o único que liga para o tempo perdido é o francesinho, o Marcel P, que continua em busca do dele, mesmo com aquela asma horrível, que ele insiste em não deixar a mãe dos santos curar). Mas, confesso, olho para vocês com saudades. Às vezes sonho (acordada, que aqui ninguém dorme, ou é tudo um sonho, ainda não sei direito, mas pouca diferença faz), e sonho que estou aí com vocês. Acho que até poderia ser feliz, coisa que sempre me foi muito difícil. Essa coisa de cidade pequena no meio da cidade grande, me pareceu um achado genial do José Eduardo (mesmo que tinha sido meio sem querer, que sei que foi, mas mesmo assim...). Uma "pequena grande Sacra Família do Tinguá, ou Sacrão, como tão bem disse o Pipoca, e ao mesmo tempo, toda a potência urbana de uma metrópole paulista. São só sonhos no meio de um sonho, mas, quando os tenho, fico ainda um pouco mais feliz.
Pos sou feliz não sendo, meus queridos. Não me preocupo com dinheiro, não tenho de cozinhar para ninguém (nem para mim mesma, que é só chegar para o lado de alá, logo ali, que a comida é farta e nos descansa do eterno maná dos deuses), não me revolto com a Rosinha, nem me preocupo com o Cabral (aliás, o outro, o português, não dá sorte: sempre que pega uma nuvem para ir a algum lugar, pega a maior calmaria, fica vagando na imensidão e acaba onde não queria ir). Só tenho coisas que sempre quis: vejo muita ópera (já estou até me fartando da Callas), olho a dança das baleias nos mares daí como nunca poderia se aqui não estivesse, converso com o Borges (que, vendo novamente, vive de olhos fechados, pois diz que assim enxerga mais longe), me divirto com as molecagens do Fernando e, principalmente, vejo vocês dois tão unidos, tão amigos, tão dispostos e alegres.
Só não gosto de pensar em Sacra. Não vou nem falar nisso. Só aviso vocês que o Zé Mané tá feliz, caçando preás pelos brejos e até deixou uma cadela prenha de zezinhos. O Miguelzinho cresce cheio de carinhos dos compadres, e o Francisquinho continua trabalhando muito, mas sem ninguém para filosofar na varanda (agora que já não estou mais, resolveu, para me homenagear, tentar dar cabo da braquiara, coisa que ele sabe impossível; mas fico emocionada com essa coisa que o deixa em paz com suas lembranças de mim). Do resto não quero falar. Ia entristecer a todos nós que gostávamos tanto de lá.
Dizem que estou mais bonita. No Fernando não acredito muito, que sempre foi um galanteador gozador. Mas os outros conhecidos que aqui encontrei dizem a mesma coisa. Deve ser a felicidade que aí me fugia nas sombras que aí deixei. Ando toda vaidosa! Mas, como tudo aqui, as coisas são só para nosso contentamento e desfrute, e mais não desejamos (José Eduardo, não esqueço aquilo que você me disse no, meu, domingo passado; na hora deu um nó na minha cabeça, mas agora entendo, acredito, e fico feliz).
Vou ficando por aqui, meus queridos. Daqui a pouco tem show do Pedrinho Mattar, que acabou de chegar, e todo mundo vai estar lá (até o G. Gould, que, aqui, pianista é pianista, com dedos demais ou de menos, e a música é sempre divina). Aqui todo dia é uma festa, como na Paris que o Ernesto, que é como eu chamo ele, vive a nos contar. Fernando manda dizer para o Zédu deixar de ser boiola, e prô Pipoca virar macho (e morre de rir). Eu mando beijos e, se pudesse, muitas orquídeas para a nova casa de vocês.
Com meu amor eterno,

G.

PS. Acho melhor explicar essa coisa do Fernando banido da lan-nuvem. Aqui nada é proibido (nem comer maçã, fofoca mentirosa que, infelizmente, pegou). Assim, o Fernando não foi, oficialmente, banido. A coisa é mais sutil: cada vez que o Fernando entra na fila lá na lan-nuvem, aparece um santinho e pede a ajuda dele prá consertar alguma coisa. Ele esquece o mail e vai, feliz da vida, arruinar outra máquina celeste.O pessoal aqui é muito cristão, mas não é nada bobo.

2 comentários:

Unknown disse...

Gostei imensamente. Sem muitas palavras, digo que eu ri, me emocioneie e que perguntas voaram como borboletas na mata para onde vez ou outra eu olhava quando lia a carta D'ELA.

Pipoca disse...

Ele leu pra mim essa carta dela. Me deu muita saudade dela, do Zé, do Francisquinho e de toda Sacra. Mas muito dela. Penso sempre nela quando passeio por Sacrão e faço xixi nas árvores que só ela saberia nomear (ele é burro pra cachorro nesse departamento). Tem uma palmeira esquisita que ela iria adorar.
Que bom que ela tá feliz! Mas que sinto falta, isso lá sinto!
Pipoca