Para sempre me ficou esse abraço.
Por via desse cingir de corpo minha vida se mudou.
Depois desse abraço trocou-se, no mundo,
o fora pelo dentro.
Agora, é dentro que tenho pele.
Agora, meus olhos se abrem apenas
para as funduras da alma.
Nesse reverso, a poeira da rua me suja é o coração.
Vou perdendo noção de mim, vou desbrilhando.
E se eu peço que ele regresse é para sua mão
peroleira me descobrir ainda cintilosa por dentro.
Todo este tempo me madreperolei,
em enfeitei de lembrança.
Mas o homem de minha paixão se foi
demorando tanto que receio me acontecer
como à ostra que vai engrossando tanto
a casca que morre dentro de sua própria prisão.
Mia Couto
De Inês, no 24 de setembro de 2008
2 comentários:
Oi, Zé,
Deixei este comentário pra depois porque resolvi sair para não sucumbir aos maus pensamentos.
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Como você sabe, sou uma apaixonada por este escritor/poeta, das águas quentes do Índico, e das palavras recriadas. Por certo, um lindo e encantador desobediente da língua portuguesa.
Sempre revejo, nos seus ditos, a ribeirinha que vive em mim.
E ele ainda diria:
Cantar, dizem, é um afastamento da morte. A voz suspende o passo da morte e, em volta, tudo se torna pegada da vida. Dizem mas, para mim, a voz serve-me para outras finalidades: cantando eu convoco um certo homem. Era um apanhador de pérolas, um vasculhador de maresias. Esse homem acendeu a minha vida e ainda hoje eu sigo por iluminação desse sentimento. O amor, agora sei, é a terra e o mar se inundando mutuamente.
Aqui vai o crédito da imagem: Thomas Northcut/Gettyimages.
Beijos perolados,
Inês
Coisa linda, Zédu! Poesia, imagem e tb o excerto do comentário acima. Parabéns aos dois.
Bj.
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