sábado, 20 de junho de 2009

Colar de Pérolas

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Pretérito Presente
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Era uma vez uma menina,
pérola assim meio escondida,
fechada em concha, cumprindo sina,
vivia no escuro, meio sem vida.
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Poeira de sua própria ostra,
doente de passadas mágoas,
sorria falsa, mulher à mostra,
trancada em si, imersa em águas.
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Um dia um menino a colhe,
ostra trancada, proibida jóia.
E nele, dela, ele escolhe.
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Apanha a pérola, devolve a ostra,
que, então, sem ela, nas ondas bóia.
Nele a menina, ao mar a crosta.
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Pérola a mostra, menino amante.
Mulher exposta, homem o bastante.
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E assim supino, meio que de repente,
viraram meninos, e foram para sempre.
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Pretérito presente!

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Mario Benedetti, poeta (14/09/1920 - 17/05/2009).

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DESDE LOS AFECTOS

Cómo hacerte saber que siempre hay tiempo?
Que uno tiene que buscarlo y dárselo...
Que nadie establece normas, salvo la vida...
Que la vida sin ciertas normas pierde formas...
Que la forma no se pierde con abrirnos...
Que abrirnos no es amar indiscriminadamente...
Que no está prohibido amar...
Que también se puede odiar...
Que la agresión porque sí, hiere mucho...
Que las heridas se cierran...
Que las puertas no deben cerrarse...
Que la mayor puerta es el afecto...
Que los afectos, nos definen...
Que definirse no es remar contra la corriente...
Que no cuanto más fuerte se hace el trazo, más se dibuja...
Que negar palabras, es abrir distancias...
Que encontrarse es muy hermoso...
Que el sexo forma parte de lo hermoso de la vida...
Que la vida parte del sexo...
Que el por qué de los niños, tiene su por qué...
Que querer saber de alguien, no es sólo curiosidad...
Que saber todo de todos, es curiosidad malsana...
Que nunca está de más agradecer...
Que autodeterminación no es hacer las cosas solo...
Que nadie quiere estar solo...
Que para no estar solo hay que dar...
Que para dar, debemos recibir antes...
Que para que nos den también hay que saber pedir...
Que saber pedir no es regalarse...
Que regalarse en definitiva no es quererse...
Que para que nos quieran debemos demostrar qué somos...
Que para que alguien sea, hay que ayudarlo...
Que ayudar es poder alentar y apoyar...
Que adular no es apoyar...

Que adular es tan pernicioso como dar vuelta la cara...
Que las cosas cara a cara son honestas...
Que nadie es honesto porque no robe...
Que cuando no hay placer en las cosas no se está viviendo...
Que para sentir la vida hay que olvidarse que existe la muerte...
Que se puede estar muerto en vida..
Que se siente con el cuerpo y la mente...
Que con los oídos se escucha...
Que cuesta ser sensible y no herirse...
Que herirse no es desangrarse...
Que para no ser heridos levantamos muros...
Que sería mejor construir puentes...
Que sobre ellos se van a la otra orilla y nadie vuelve...
Que volver no implica retroceder...
Que retroceder también puede ser avanzar...
Que no por mucho avanzar se amanece más cerca del sol...
Cómo hacerte saber que nadie establece normas, salvo la vida?


Mario Benedetti, 1920-2009

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Pessoa em repetição





Análise
Fernando Pessoa


Tão abstrata é a idéia do teu ser

Que me vem de te olhar, que, ao entreter

Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,

E nada fica em meu olhar, e dista

Teu corpo do meu ver tão longemente,

E a idéia do teu ser fica tão rente

Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me

Sabendo que tu és, que, só por ter-me

Consciente de ti, nem a mim sinto.

E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto

A ilusão da sensação, e sonho,

Não te vendo, nem vendo, nem sabendo

Que te vejo, ou sequer que sou, risonho

Do interior crepúsculo tristonho

Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
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12-1911
Poema de 1911, quando o poeta tinha 23 anos, mas já era Fernando Pessoa

quinta-feira, 16 de abril de 2009

De resto, a verdade que ainda resta em mim

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Vermeer
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Re(a)colhimento

Quando eu te contar a verdade,
não diga nada!
Qualquer boa vontade,
será a vontade errada.
Quando eu te disser a verdade,
cale-se! Apenas ouça!
Palavras de louça,
frases rendadas
feitas de espuma,
enfumaçadas,
letras que escorrem
em areia pelos dedos,
brumas de uma manhã bem cedo.
Quando eu te falar a verdade,
não tenha medo!
Fica comigo no teu ouvido,
me acolha o colo que nunca dei,
me salgue as lágrimas que não chorei,
escuta o dito que não direi
e tudo que sobrar devido.
E me recolha em concha,
na ponta dos teus dedos,
no seio dos teus medos.
E quando a ostra, como é das ostras,
novamente se fechar,
aceite a trouxa ali recolhida,
e me deixe na praia,
no quebra mar,
entre as espumas,
as brumas e o litoral.
Quando eu te obrigar a verdade,
não me queira mal!
E guarde um pouco de mim
em um canto dos olhos teus.
Me leve calada, contida,
no brilho de teu olhar,
a verdade dita,
o fim,
restos do eu.
Quando eu te calar a verdade,
resto e me deixo,
no teu colar!
O resto é seixo,
para Iemanjá.

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sexta-feira, 10 de abril de 2009

Idos de um maio antigo nº 2

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Magritte
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Entradas e Bandeiras
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I
Bendita a falta do grão de areia
que ao impedir da concha a doente pérola
me permite saber, da enrugada ostra,
o sumo d´elas e o sabor das carnes.
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E com a droga de vida tomada na veia,
na boca o gosto de minhas carambolas,
em nau fragata, de velas postas,
parto no agora que antes foi tarde.
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II
Nos frágeis fios de uma teia troncha
escolho os cacos de meu ser amante.
Esqueço a pérola, retenho a concha,
e vou, ao avesso, garimpar diamantes.

Pescador não sou, sou bandeirantes.
Volto ao começo, caio na estrada.
No passado deixo o que me é distante,
e vou caçar futuros em novas entradas.
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III
E seguirei adiante, sem Tordesilhas,
um pouco infante, bárbaro um tanto.
Descobrirei princesas e impassíveis ilhas,
quase esmeraldas, falsos encantos..
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E nessas entradas de Compostela,
mato nos índios, neles me lanço
na busca fútil de uma tal costela,
falta passada, inarredável ranço.

IV
Fernão Bueno Dias de Anhanguera,
buscarei um só nesses outros tantos.
Às margens do Rio, descansarei das guerras,
enganarei indígenas, mágico e santo.

Dentro das muralhas onde serei inscrito,
espalharei sementes pela terra irada.
Colherei os frutos de meu suor maldito,
Bornel, bandeiras, outras entradas.

V
E parto, e chego, e torno a partir.
Não resto nunca, alucinado sigo
Construo rastros, planto o por vir
Capitão do mato, raso comigo
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Mas quando um dia, ao final chegado,
retomarei das pedras o precioso grão.
Doido alquimista, me inventarei achado,
e me plantarei cumprido no descoberto chão..

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Bar do Frango, 12 de maioo de 2007
Publicado em maio de 2007
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Idos de um maio antigo nº 1

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Salvador Dali, Narciso
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A Ópera do Fantasma
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A imagem é porta que barra e vela
o nada haver por detrás do espelho.
A moldura enquadra a aquarela,
suporta o fantasma que nos faz selo.
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O Real, miasma, nada se importa.
Insignificância sem remédio ou letra
no espelho, sempre, por detrás da porta,
remenda, costura e nos provoca a treta.
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A esse mistério o espelho nos remete
à sombra parca do que já não resta.
Mas Narciso insiste e se derrete
O fantasma persiste e faz a festa.
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quinta-feira, 9 de abril de 2009

Coisas de abril nº 2 ( e a luta continua)

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Van Gogh
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O Valor de uma apóstrofe
(dedicado a Seu Zeno)
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Fumar pode levar à amputação, me adverte o Ministério da Saúde impresso lá no verso de meu terreninho na Terra de Malboro. E eu, que sempre am´putei muito, fico a pensar, entre anelos de fumaça, se largando o cigarro não mais am´putaria, coisa que muito me enfadonha as perspectivas. Será que parando de fumar estou condenado aos amores sóbrios, às paixões seríssimas, ao sexuar-me só para fins de reprodução de garotinhos? Jamais am´putaria novamente? O que fariam meus dedos, já que o Ministério da Saúde não me garante o piano no qual me concertaria, se não mais ousassem rapinagens quando enfim me am´puto? Meu nariz, nunca dado ao classificar de vinhos, cafés e outras beberagens, se não se am´putasse comigo restaria cheirando o que? Minha língua que, confesso, já foi mais ofídica, serpentearia por que desvãos se não mais fosse comigo am´putada? Sem contar com meu pobre apêndice masculino, outrora até mesmo másculo, mas que ainda às vezes se ergue e tem belezuras para oferecer, o que seria dessa pobre coisa que em mim carrego pendurado à espreita, se a ela não mais se oferecesse a am´putaria? Mistério da Saúde indeed! Quem souber a resposta, por favor, me conte. Se não me encontrar é que, uma vez mais, caí na am´putaria. Mas volto logo, am´putado e feliz da vida. Se Deus quiser.
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O maço, vazio; no bar, prateleira e meia
Uma vontade imposta, uma certeza plena
Fumo? Não fumo? Mas é lua cheia!
Agarro a desculpa, mais um apenas
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Bar do Frango, e de galos velhos, 18 de abril de 2007
Publicado em abril de 2007