Picasso
Engasgo
No início, era só um coração
Meio morto, meio cansado
Um som de samba canção
Um sonho se querendo sonhado.
.
No começo, então, foi o sonho
Um algo por demais imaginado
Uma mesa onde me proponho
E te espero de olhos calados.
.
Depois um conto, uma bossa nova
O sábado, o hotel e as ancas
Um final que nos pôs a prova
E uma decisão assim meio manca.
.
E fomos, de final em final
Sem nunca termos começado
Uma distância sempre fatal
Dois sonhos desacordados.
.
Mas era tão forte o encontro
Que sempre que terminados
O desejo nos fazia de tontos
E nos rejuntava encantados.
.
Mas entre uma razão mal temperada
E a temperança de cabeça pra baixo
Vivemos, quase sempre assustados
Um tarot onde nunca me encaixo.
.
E assim o fim foi determinado
Nos nossos olhares vesgos
Cada qual enxergando um lado
Desfeitos em um nós de cegos.
.
E restamos depois meio trapos
Meio bêbados, meio engasgados
Lembranças virando farrapos
Do olhar, o vento soprando os traços.
.
As brigas, as farpas, as tempestades
Fugas, gavotas, o Bach desafinado
Choros, soluços, maldades
Novos amores encomendados.
.
Das fugas pretendemos encontros
As marcas do outro em cada um o cravo
Na boca o amargo, os abertos pontos
O resto mal dito, nos sujeitando escravos.
.
Um dia, no amor pelas palavras
Por escrito fui costurando rasgos
E semeei as letras, e conjuguei as lavras
E, na terceira pessoa, me livrei do engasgo
.
Zédu, 20/10/2008
3 comentários:
Enquanto ouço o Guarani, ouço Carlos Gomes, lendo essa beleza densa que nos versos postos por você fez a poesia. O reencontro com o amigo se faz sob grande emoção o poemeu de 20/10, dia em que não me saiu da lembrança, como amiga ingrata e distante por razões que lhe disse na mensagem enviada ontem a noite.
O poemeu é muito bom mesmo.
Ainda na abertura escutar Carlos Gomes é para mim, como viajar pela Amazônia de todos nós. Estar em mata densa e exuberante, como nela o é, até mesmo o mais estranho ou diferente canto de pássaros que por lá gorjeiam.
Muito bom estar aqui.
Um beijo com queijo ao amigo do meu coração
Meire
Meire, querida amiga
Que bom tê-la por aqui de volta. O blog sentia tua falta.
Beijos,
Querido menino,
Cá estou reinaugurando-me nos seus Desejos.
O seu poema é a síntese do quão cíclica é a vida, isto para não dizer cítrica. Começo, meio e fim. E depois de novo; mais um começo, outro meio e mais um final. E assim vamos nos repetindo.
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O rio nunca está feito, como não
está o coração. Ambos são sempre
nascentes, sempre nascendo.
Milagre é o rio não findar mais.
Milagre é o coração começar sempre
no peito de outra vida.
Mia Couto
A Chuva Pasmada
Beijos meus,
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