
"Foram os  olhos. Foram os olhos dele, quando pousaram, devagar, sobre os meus olhos, que  me trouxeram esta sede até esse momento apenas pressentida. Foram os olhos dele,  tão acesos nos meus, que encheram os meus olhos de estrelas e de sonhos e de  lágrimas e de pássaros errantes. E juro que pensei: não me importava de ficar  cega de tanto o olhar, porque a imprevisível cor de todas as madrugadas ficará,  para sempre, intacta, no meu peito. Desde então, os meus olhos atraem a nitidez  da noite e as aves nocturnas deslizam no meu corpo, para lamber a lua escondida  nos meus lábios. Cerro as pálpebras à inquietação da manhã. Não procuro razões  para a súbita armadilha que foi o seu olhar. A sua respiração perto da minha era  uma espécie de afago. Tantas vezes me apeteceu dizer-lhe: aceita o vazio das  mãos que te estendi e guarda dentro delas teus desejos. Tantas vezes quis  falar-lhe do meu amor, como de barcos que chegam e partem de algum lugar onde eu  gostaria de ter nascido. Tantas vezes escrevi o nome dele em todas as paredes  imaginadas. E se ele me dissesse onde era o lugar da sua sede, eu estaria lá  para saciar com ele a minha sede"
Graça Pires / Carta  1, In   "não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos"
De Inês.
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