Em outras palavras, é ao barrar o Impossível na Verdade, que na verdade, por impossível, não necessitava ser barrado, que a Lei (Ordem) cria a ilusão do possível e autoriza a busca. Assim, é a Lei que institui o Desejo que bane, e esse, assim instituído, escreve as leis que controlam os desejos. As leis e os desejos, minúsculos representantes da Lei e do Desejo, se tornam, portanto, intrincados, amarrados um no outro, nó-meados, determinando, destarte, uma inscrição desejante para as leis e seus discursos. Inscrição esta que por remeter ao Desejo Original é regulada pela Lei, a mesma que ao expulsar o homem do paraíso, permite que este cresça e se multiplique. Não fosse o Pecado Original (demonstração fabulosa deste caráter duplo da proibição da Lei), bastariam Adão e Eva para completar o nirvana da criação.
Os sujeitos têm, portanto, uma eterna dívida de gratidão para com a cobra paradisíaca, essa grande injustiçada. Aliás, é esse caráter duplo da Lei que nos permite entender melhor a caracterização que, mais tarde, Lacan fará do Super-Ego freudiano. Se a Lei fosse autorizada pelo sujeito, e por isso por ele acatada, ela deixaria de cumprir seus objetivos, pois é preciso que tentemos burlá-la, mesmo que para isso paguemos o preço da culpa e do sentimento de culpa. O desejo do Desejo implica, então, em uma contraposição radical à Lei e à Ordem. E como inscrição da autoridade no interior mesmo do sujeito, o Super-Ego tem que cumprir essa dupla finalidade: ao mesmo tempo que nos controla (como na visão tradicional do Super-Ego como instância censora da personalidade), vive a nos ordenar: "Goza!".
Da mesma forma que vamos encontrar essa inscrição desejante em toda lei, os desejos e seus objetos só serão acessíveis ao indivíduo pela intermediação do simbólico, o que vai inscrever a lei no desejo. Círculo vicioso, aparentemente só se rompe pela castração mas, na realidade, se mantém incólume graças à ignorância do homem quanto às sobre-determinações que o sujeitam, ignorância esta que vai sustentar o livre arbítrio presumido do indivíduo e gerar, pelo desconhecimento e Não-Saber que implica, a repetição viciosa que caracteriza todo o comportamento humano.
Nesse sentido, a castração pode ser entendida como o corte que separa esse intrincamento e como aquilo que permite colocar a lei no lugar da Lei e o desejo no do Desejo, e assim fazendo, tirar o sujeito do redondo vicioso e paralisante do rebatimento obsessivo dessas duas ordens. Nessa transformação algo para sempre se perde, visto que nem a lei é a Lei, nem o desejo o Desejo; o preço do possível é a impossibilidade do Real. Essa castração inevitável, e sob certos aspectos desejável ainda que não desejada, deixa no Simbólico da lei e no Imaginário do desejo uma fenda, um corte, um buraco, marcas da Falta da Coisa que lá nunca esteve.
Buraco negro, a Falta é um vácuo que a tudo suga, não podendo, portanto, permanecer aberto, sob o risco do sujeito continuar paralisado (e agora não mais na be(s)(a)titude paradisíaca original mas em uma espécie de calmaria de olho de furacão). Por isso, a esse buraco tampona-se, costurando-o, sendo as suturas que daí resultam os sintomas dos indivíduos e das civilizações. Cada sintoma é, portanto, uma tentativa de resposta, uma costura, mais ou menos grosseira, do corte cesariano por onde o Simbólico, em um parto ao contrário, instala o Eu dentro do Sujeito e os Nós que o amarram à civilização a que pertence. Cicatriz, o Sintoma lembra a Falta, que lembra o Sonho, que sonha o Desejo, que deseja a Coisa que nunca se conheceu, aquele "eterno enquanto durou" que um dia, por ignorância, pré-sentimos como a um fantasma se pressente. Assim, apesar de solução, o Sintoma é cicatriz e, sempre que o tempo vira, incomoda; no mais das vezes, coça."
Cicatriz, sintoma, falta, sonho, desejo, pré-sentimento, tempo.
ResponderExcluirDe que valem tão marcantes palavras diante de uma tão curta vida? Não seria melhor vive-la em silêncio? Não seria melhor não ouví-las?
Lais
Preto e branco também são cores.
ResponderExcluirUm beijo,
Meire
Coisa mais difícil de entender, Zédu! É muita "psi" para um leigo como eu. Vou escutar a música do sintoma pra ver se eu entendo a aula. Abs.
ResponderExcluirO texto é só eu me lembrar dos tempos em que só escrevia coisas sérias e que só tinha a Psicanálise como amante.
ResponderExcluirAgora escrevo minhas abobrinhas sabor carambolas e estou quase me amasiando com Pipoca.
Um dia ainda volto a fazer as duas coisas.
Ia me esquecendo...
ResponderExcluirA música dá, realmente, para servir de exemplo do lado perverso (eu sei, mas mesmo assim...) do Sintoma nosso de cada dia.
Mas, com música do Tom, letra do Chico, o Sintoma fica uma gracinha.