quinta-feira, 15 de maio de 2008

Estou cansado

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:

De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —

Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,

E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
Bacon
Álvaro de Campos

5 comentários:

  1. Esse poema me foi enviado por Ayan, sabendo que eu o acolheria como se meu fôsse. Pois, estou cansado como Pessoa cansou-se nas palavras de Álvaro de Campos que queria minhas.

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  2. Esses belos e cansados versos de Álvaro de Campos me fizeram lembrar de uns outros igualmente belos e cansados escritos por Jorge de Sena: "Eu estou cansado de não me dissolver continuamente em cada instante da vida."
    Lais

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  3. Ao ler esta poesia acabei encontrando a passagem abaixo em blog de uma pessoa em Portugal.

    " Também confesso que este heterónimo me fascina. Na minha opinião, este autor é uma metáfora da passagem (menos feliz) da adolescênciaI(idade de todos os sonhos , projectos , explosão de sentimentos ) até à idade adulta , que nem sempre espelha os ideais proclamados veementemente na adolescência. Para isso ,proponho-vos a observar o seguinte contraste:

    FASE DA ADOLESCÊNCIA (decididamente explosiva )

    Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
    Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
    Em fúria fora e dentro de mim,
    Por todos os meus nervos dissecados fora,
    Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
    Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
    De vos ouvir demasiadamente de perto,
    E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
    De expressão de todas as minhas sensações,
    Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!


    FASE ADULTA (desilusão , um verdadeiro encontro com a realidade?...)

    e então dá-se de encontro com o Pessoa de Alvaro Campos que diz..
    Estou cansado, é claro,
    Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
    (...)
    Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

    E ele tanto nos fascina pela capacidade de questionar o verdadeiro sentido da vida, mesmo tendo que multiplicar em inúmeras personalidades, tendo que admitir essa qualidade, que para ele talvez tenha-se tornado um grande problema...

    De facto , a inconstância marcou-o sempre . Para mim, profunda admiradora da sua obra, retiro deste autor a seguinte questão:

    Como deveremos aproveitar a vida?(e com esta questão deparamo-nos com outras mais...)
    Devemos aproveitá-la até ao último momento?
    Devemos absorvê-la apaixonadamente?
    Devemos tomá-la como uma tortura constante baseada na dor de pensar?
    Devemos aproveitar somente os seus pequenos prazeres?
    Devemos desfrutar somente da natureza?
    Devemos abdicar do pensamento?

    Resposta de Fernando Pessoa :

    Não sei quantas almas tenho.
    Cada momento mudei.
    Continuamente me estranho.
    Nunca me vi nem acabei.
    De tanto ser, só tenho alma.
    Quem tem alma não tem calma.
    Quem vê é só o que vê,
    Quem sente não é quem é


    Ficou longo....Pessoa ...me desculpe ,

    Beijo/ Meire

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  4. vai ai o homem neruda (surrealista)cansado. longo tb.
    beijo
    maria rita


    Walking Around
    Sucede que me canso de ser hombre.
    Sucede que entro en las sastrerías y en los cines
    marchito, impenetrable, como un cisne de fieltro
    Navegando en un agua de origen y ceniza.

    El olor de las peluquerías me hace llorar a gritos.
    Sólo quiero un descanso de piedras o de lana,
    sólo quiero no ver establecimientos ni jardines,
    ni mercaderías, ni anteojos, ni ascensores.

    Sucede que me canso de mis pies y mis uñas
    y mi pelo y mi sombra.
    Sucede que me canso de ser hombre.

    Sin embargo sería delicioso
    asustar a un notario con un lirio cortado
    o dar muerte a una monja con un golpe de oreja.
    Sería bello
    ir por las calles con un cuchillo verde
    y dando gritos hasta morir de frío

    No quiero seguir siendo raíz en las tinieblas,
    vacilante, extendido, tiritando de sueño,
    hacia abajo, en las tapias mojadas de la tierra,
    absorbiendo y pensando, comiendo cada día.

    No quiero para mí tantas desgracias.
    No quiero continuar de raíz y de tumba,
    de subterráneo solo, de bodega con muertos
    ateridos, muriéndome de pena.

    Por eso el día lunes arde como el petróleo
    cuando me ve llegar con mi cara de cárcel,
    y aúlla en su transcurso como una rueda herida,
    y da pasos de sangre caliente hacia la noche.

    Y me empuja a ciertos rincones, a ciertas casas húmedas,
    a hospitales donde los huesos salen por la ventana,
    a ciertas zapaterías con olor a vinagre,
    a calles espantosas como grietas.

    Hay pájaros de color de azufre y horribles intestinos
    colgando de las puertas de las casas que odio,
    hay dentaduras olvidadas en una cafetera,
    hay espejos
    que debieran haber llorado de vergüenza y espanto,
    hay paraguas en todas partes, y venenos, y ombligos.
    Yo paseo con calma, con ojos, con zapatos,
    con furia, con olvido,
    paso, cruzo oficinas y tiendas de ortopedia,
    y patios donde hay ropas colgadas de un alambre:
    calzoncillos, toallas y camisas que lloran
    lentas lágrimas sucias.




    Pablo Neruda

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  5. então, zédu, esse mesmo poema deu voz ao meu perfil dorkut há algum tempo...
    beijo, claudia

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