sexta-feira, 9 de maio de 2008

Só depois

SEM DEPOIS


Todas as vidas gastei
para morrer contigo.

E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.

Rasguei as cartas.
Em vão: o papel estava intacto.
Só os meus dedos murcharam, decepados.

Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só os meus olhos
se desfizeram, redondas cinzas.

Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?

Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.

Todas as mortes gastei
para viver contigo.

Mia Couto

4 comentários:

  1. "Quero morrer, não consigo.
    Depois de te viver
    não há poente
    nem o enfim de um fim."

    não pode ser um bobão quem posta coisas como essa. nao conhecia o mia couto poeta, so A varanda do frangipani. já tô vendo que vou ter que voltar aqui em busca do (des)conhecido.

    beijo
    maria rita

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  2. Se de nada gostasse neste blog, Mia Couto me faria visitá-lo sempre (quem sabe não serei a n.5000?).
    Já que gosto tanto de tudo, fico mais feliz quando o encontro por aqui.
    bacio
    Leila

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  3. O que pesa para além das mortes gastas no viver um amor, é a alma despida da existência dele. O "sem depois" é uma casa de portas e janelas fechadas. É o decreto da desesperança.
    Lais

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  4. Passar no blog antes de ir dormir e encontrar Mia Couto neste meu momento da madrugada tão feliz, é festa de fazer adormecer plena de Admirança ( nome de um dos personagens do seu romance Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra) e como se morasse lá em Luar do Chão...o que já é uma outra história...

    Mas é a vc que devo agradecer por seu fino gosto e pelo fino trato com que aqui nos acolhe.

    Um beijo em você.

    Meire

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