sábado, 3 de maio de 2008

Retrato de Barros



AUTO-RETRATO
.
Ao nascer eu não estava acordado,
de forma que
não vi a hora.
Isso faz tempo.
Foi na beira de um rio.
Depois eu já morri 14 vezes.
Só falta a última.
Escrevi 14 livros
E deles estou livrado.
São todos repetições do primeiro.
(Posso fingir de outros, mas não posso fugir de mim).
Já plantei dezoito árvores, mas pode que só quatro.
Em pensamento e palavras namorei noventa moças,
mas pode que nove.
Produzi desobjetos, 35, mas pode que onze.
Cito os mais bolinados: um alicate cremoso, um
abridor de amanhecer, uma fivela de prender silêncios,
um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc etc.
Tenho uma confissão: noventa por cento do que
escrevo é invenção; só dez por cento que é mentira.
Quero morrer no barranco de um rio: - sem moscas
na boca descampada!
Manoel de Barros/Álbum de família/Ensaios Fotográficos

2 comentários:

  1. Genial. Nem me atrevo a dizer nada . Mas sentir até que posso atrever bem do jeito. Ele é mesmo um grande livrado.

    Um beijo,

    Meire

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  2. Usando e abusando das expressões manoelinas, eu diria que essas poesias me imensam.
    Bjs,

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